Por Ari Lanza, da Colômbia, para Desacato.info
Refleti bastante antes de escrever esse texto. Em primeiro lugar, não sou um especialista no caso e não estou na fronteira. O que escrevo é baseado principalmente na cobertura da Telesur em contraponto ao que vejo como algumas expressões do conflito aqui na Colômbia. Primeiro é preciso aclarar algumas coisas. O paramilitarismo é uma praga social enraizada na Colômbia e está se ampliando para a Venezuela? Sim. A zona fronteiriça é miserável e a parte colombiana depende do petróleo adquirido de maneira ilegal ou legal da Venezuela? Sim. Há uma gama de refugiados dos conflitos internos colombianos que foram à Venezuela por conta de acesso à saúde e educação? Sim. Isso justifica fechar a fronteira? Creio que aí que reside a questão de fato.
A fala de um colombiano me marcou no meio dessa confusão: o que me indigna é que Maduro está indo contra a gente pobre colombiana. Eu adoraria acreditar que essa questão é um tipo de luta do bem contra o mal, mas não é. A postura do governo venezuelano é clara: gerar um fato político com a extradição de milhares de refugiados ilegais para cobrar uma postura mais enfática do governo colombiano em relação ao paramilitarismo, que já matou mais de 150 venezuelanos e alcançou membros do PSUV. O que o governo de Maduro não percebe é uma questão muito simples. Os milhares de desplazados colombianos nunca geraram comoção do Estado. A política colombiana é marcada por uma retórica da paz combinada com a exclusão categórica de camadas gigantes da população. Junto a essa falta de reconhecimento do ator político com quem está dialogando, há uma xenofobia entre colombianos e venezuelanos. Em mais de uma situação vi os venezuelanos serem retratados aqui como um povo ignorante, os mais burros da América Latina, etc. Alguns colombianos com quem conversei afirmam que a recíproca é verdadeira. Isso complica ainda mais a situação, pois quando leio uma matéria dizendo que residentes da fronteira apoiam as ações do governo, não sei dizer se não é pelo mesmo efeito ideológico que um morador do Texas apóia a extradição de mexicanos. A maneira mais fácil de fugir de uma contradição social é eleger um inimigo facilmente identificável e clamar a todos contra ele. É a base da ideologia desde tempos imemoriáveis.
Vendo desde dentro da Colômbia, percebo os seguintes dilemas desse quadro: Ao invés de alcançar seu objetivo, o fechamento da fronteira serviu de munição para a mídia marrom, que comercial iza como sempre o sofrimento da gente, consolidar a imagem ditatatorial de Maduro para os colombianos. Os preconceitos se acirram. O discurso da oposição venezuelana ganha espaço, inclusive em grupos de whatsapp e etc. As questões estruturais são esquecidas em nome de uma comoção com seus compatriotas. Setores vinculados ao bolivarianismo se veem em uma posição delicada de desgate estando há pouco mais de dois meses das eleiç?es municipais. Felizmente não é mais Uribe que está no poder, pois se o governo colombiano resolvesse tomar uma postura mais dura teria apoio da população. Não podemos esquecer que é um povo acostumado à guerra.
O reforço de um nacionalismo pueril de ambos os lados têm efeitos catastróficos para a região. O afastamento político de Venezuela e Colômbia só fortalece o paramilitarismo e as elites dos dois países. Basta lembrar que, dos países da América Latina, os únicos que efetivamente colocaram seu governo claramente a favor do processo de paz colombiano foram Cuba, Venezuela e Uruguai.
Se em 2010 víamos uma possibilidade que o sonho da integração latino-americana avançasse, com a postura ativa de Hugo Chávez e o brilhante Samuel Pinheiro Guimarães liderando o Mercosul, as crises internas de todos os países progressistas estão nos levando a uma distopia. A crise da fronteira é talvez a cereja do bolo dessa situação. Estamos em um momento que os setores progressistas precisam respirar e atuar com clareza. Não é a mesma situação de 5 anos atrás, mas também não estamos mais na década de 90. Temos que pensar um salto qualitativo na política do continente que supere os limites dos atuais governos sem que para isso sejamos aliados da direita. A questão boliviana é ilustrativa. Foi dura a reação de Garcia Linera às ONGs? Sim. Mas elas estão longe de serem santas. Há companheiros valorosos dentro delas, que por estarem em desacordo com o governo tiveram que eleger algum ponto de resistência. Porém, há afirmações e conclusões complicadas desses setores, como dizerem que o problema do governo é perseguir a direita democrática, ou entrar em contradições ao dizer que o governo boliviano não estatizou realmente o petróleo, mas que há uma falta de confiança do mercado com a Bolívia por medo das estatizações, criticar as construções de hidrelétricas sem propor nenhuma alternativa que não seja manter o país como está, entre outras afirmações mais sérias que, caso sejam mentira, poderiam implicar em ações criminais por difamação à Evo. Um erro histórico da esquerda é cair em um puritanismo religioso, diminuindo sua atuação aos espaços menos corrompidos até que se veja totalmente isolado, se convertendo na esquerda desvairada que Darcy Ribeiro criticara.
O governo venezuelano segue sendo um exemplo em muitos sentidos, basta lembrar que recentemente recebeu um prêmio da FAO por cumprir as metas do milênio e avançar na erradicação da fome. Porém, a tarefa de um companheiro é ser sincero e não bajulador. O fechamento da fronteira foi um erro estratégico. Não torna Maduro um ditador, está longe de ser a mesma política de Israel e Palestina ou México e EUA, mas gera as condições para o fortalecimento do mesmo discurso, da mesma busca de um inimigo externo para fugir de suas contradições internas e presta um desserviço para a integração. Só há uma resposta para a eliminação do paramilitarismo: a paz com justiça social na Colômbia e isso só pode ser realizado pelos colombianos. A tarefa dos setores internacionais solidários é estar atento aos atores que dirigem a política colombiana para esse caminho e auxiliá-los. Forçar a conjuntura de um país tão instável é botar em risco o processo e inclusive a vida de suas lideranças que, já não bastasse todos os estigmas, podem ser denominado pelos conservadores ainda mais de inimigos da pátrias que não amam seu povo e defendem os interesses de outros países.
Imagem tomada de: www.nacion.com