Por Estevan Muniz.
São Paulo – Moçambique celebrou ontem (25) os 50 anos da Frente Revolucionária de Libertação de Moçambique (Frelimo), o grupo que lutou por uma década contra Portugal e libertou o país. Após um período de governo de inspiração marxista, 16 anos de guerra civil, a Frelimo é hoje o partido político hegemônico, no poder desde a independência, em 1975. Mas 25 de junho é também a data para outra celebração. Em um evento para 50 mil pessoas, na capital do país, Maputo, além do cinquentenário do partido, comemora os 37 anos de independência de Moçambique.
A capital moçambicana teve 20 horas de festa, com atividades culturais, apresentações musicais e a presença de personalidades políticas dos partidos comunistas de Cuba, da China e do Vietnam e de países cujos movimentos de libertação, hoje partidos, foram parceiros da Frelimo, como o Congresso Nacional Africano (ANC), da África do Sul e o Movimento Popular de Libertação da Angola. O aniversário será comemorado em outras cidades do país, mas esta é a principal. Com mais de seis meses de preparação, o evento é dirigido pelo presidente do partido e do país, Armando Guebuza, que esteve, na semana passada, no Brasil, presente na Rio+20.
Moçambique foi oficialmente colônia portuguesa, com ocupação militar e domínio total do país, por 128 anos, desde 1885 – quando a Conferência de Berlim legitimou a política neocolonial dos países europeus.
A presença portuguesa no país, contudo, começou no início do século XVI, com a ocupação de parte do litoral. Com o avanço da descolonização na África, durante o pós-2ª Guerra, Portugal alterou o título de Moçambique, convertendo-o em província ultramarina. A luta pela independência veio em uma onda de revoluções africanas nas décadas de 1960 e 1970. Nesse período, a Zâmbia se tornou independente; em 1962, a Angola, no mesmo ano em que Moçambique; e a Etiópia instaurou um governo de caráter marxista, entre outros países que tiveram movimentos de libertação.
Há 50 anos, três movimentos nacionalistas moçambicanos reuniram-se para lutar pela independência. A União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), Mozambique African National Union (MANU) e União Nacional Africana de Moçambique Independente (Unami) fundaram a Frelimo em 25 de junho de 1962, na cidade Dar es Salaam, na Tanzania, cujo presidente Julius Nyerere era simpático à causa nacionalista do país vizinho.
Começaram as incursões contra o domínio português. O líder era Eduardo Mondlane, antropólogo, professor da Syracuse University, nos Estados Unidos, que havia deixado o cargo de oficial das Organização das Nações Unidas (ONU) para lutar pela causa nacionalista de seu país. Ele morreu em 1969, na explosão de uma encomenda-bomba, que lhe havia sido entregue em Dar es Salaam. Ainda não há clareza de quem o tenha matado, mas, em todo caso, meses após a morte de Mondlane, depois de discordâncias internas na Frelimo, Samora Machel, que aproximaria o grupo ao marxismo, assumiu sua liderança.
A Frelimo conquistou diversas zonas do país, mas a independência só veio após a Revolução dos Cravos, em Portugal, que derrubou o ditador Antonio Salazar e abriu caminho para que os grupos nacionalistas das colônias tivessem suas reivindicações atendidas.
Samora Machel vitou heroi nacional. Seu rosto está em retratos em todas as salas de órgãos públicos, camisetas e nas notas de Metical, a moeda oficial do país. Por decreto de lei, todas as capitais de províncias devem ter estátuas que o representam. A presidente do Brasil Dilma Rousseff (PT), quando visitava países africanos em outubro de 2011, esteve na inauguração, na capital do país, da uma nova estátua de Samora, feita de bronze e com nove metros de altura, no aniversário de sua morte.
Ele nacionalizou empresas, iniciou uma reforma agrária e instaurou um governo de cunho marxista, no grupo dos não-alinhados durante a Guerra Fria. Governou até 1986, ano em que morreu em um acidente aéreo, na África do Sul. Quem assumiu a presidência foi Joaquim Chissano, ministro dos Negócios Estrangeiros de Samora, que depois se elegeu e reelegeu (1994 e 1999) democraticamernte, sendo sucedido em 2005 por Armando Guebuza, reeleito em 2009.
A história da Frelimo se confunde com a história de Moçambique. Essa é opinião do cientista político moçambicano Jaime Macuane, da Universidade Eduardo Mondlane.
“É um partido que construiu o Estado e que nunca teve um contexto multipartidário, nenhuma oposição forte, à altura de sua força. Isso fez com que cristalizasse sua presença no Estado”, afirma. Para ele, há, atualmente, uma “partidarização” do Estado. “Essa partidarização é um reflexo da história. Há uma confusão, que algumas vezes faz com que o Estado não tenha o nível de institucionalização, o nível de impessoalidade necessária, para responder de forma isenta aquilo que são as demandas de todos os moçambicanos.”
Mas Macuane, apontando a crescente perda de votos que a Frelimo, acredita que sua força esteja diminuindo. Antes, de acordo com ele, havia um conjunto de ideais como unidade nacional e a luta contra o imperialismo. “Já não existem muitas ideias unificadoras. O que existe, sim, é uma sociedade cada vez mais plural e responsiva. Parte dela está desinteressada na participação política e acredita pouco que as instituições sejam a melhor forma de responder suas demandas”, contou.
Segundo ele, nas eleições gerais, houve participação de apenas 40% dos eleitores. A Frelimo vem perdendo apoio, de acordo com Macuane, por sua incapacidade de responder aos desafios de desenvolvimento. “O Estado, em muitas áreas, tem sido deficitário, não se faz presente e não tem sido eficaz no combate à pobreza, que ainda está a um nível muito crítico no nosso país.”
Moçambique é um dos 20 países mais pobres do mundo e está em quarto pior lugar do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2011 da ONU. Desde a independência, o governo da Frelimo conseguiu levar a taxa de alfabetização de 7% a 47,8%, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Nos últimos 20 anos, a proporção de pessoas que vivem abaixo do limite da pobreza caiu de 69% para 54%. Um melhor crescimento social e econômico – no ano passado, ele foi de 7,8% – tem sido possível desde que Moçambique entrou em paz em 1992.
Além dos dez de luta entre a guerrilha da Frelimo contra as tropas de Portugal, Moçambique teve, logo em seguida, outros 16 de uma dura guerra civil, travada entre o novo governo e um grupo oposicionista, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), o que desestabilizou o país por completo.
Com métodos altamente violentos, a Renamo era formada por dissidentes da Frelimo, apoiados por líderes tribais, que sentiam lesados com a política socialista desta, e pelo regime racista da Rodésia, atual Zimbábue, primeiramente, e, pela África do Sul, sob o apartheid, em seguida.
Em 1992, houve um acordo de paz, com mediação internacional. Hoje, a Renamo é o partido político que disputa democraticamente o poder com a Frelimo. A relação entre os partidos, entretanto, é de absoluta aversão. No início deste ano, após as eleições gerais, o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, ameaçou tomar o poder a força. Em março, o grupo acusou a Frelimo de tramar o assassinato de Dhlakama, o que ela negou.
O historiador e internacionalista brasileiro Paulo Fagundes Vizentini, autor do livro As Revoluções Africanas, acredita que a Renamo não representa uma alternativa para Moçambique, mas um grupo de ressentidos que tentaram dominar o poder e não conseguiram.
“A Frelimo, durante a guerra, pretendia que as pessoas se emancipassem das autoridades tradicionais e assumissem sua cidadania. Esses chefes tradicionais se sentiram prejudicados pelo projeto da Frelimo. E a Renamo apostou precisamente naquele setor,” disse. A Frelimo sempre apresentou um programa de combate à pobreza e de modernização, de urbanização, enquanto a Renamo nunca teve um programa consistente claro.
Atualmente, segundo ele, ambos partidos apresentam programas adequados ao caráter neoliberal do país. “Mas quem tem mais capacidade de governar? Quem tem mais representatividade? A Frelimo. Esse problema continua na medida em que a Renamo não é considerada uma alternativa. Ela tem uma conotação de desestabilização, até para os investidores internacionais.”
Para Vizentini, a capacidade de se adaptar aos momentos históricos, passando do marxismo à inserção do país na economia internacional, e de renovar seus quadros, faz a Frelimo ser tão duradoura. “O partido soube se adaptar às mudanças do mundo, teve uma transição democrática, conseguiu fazer o país se tornar estável, o que tem atraído investimento, turistas e ajuda internacional. E, afinal, Moçambique é um país independente graças à Frelimo.”
Com informações de O País e Notícias.
Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/
Foto de capa: Em foto de 1962, manifestação popular em Maputo. País festeja libertação do domínio português (CC/solafrica.blogspot)