Por Francisco Louçã.
Dizia Hölderlin que “onde há perigo cresce o que nos salva”. Mas pode ser falso e paralisante, não há redenção na 25ª hora, nada cresce espontaneamente sem nós, sem a capacidade democrática de mobilizar as energias da sociedade. Ninguém nos dispensa do esforço e do risco de enfrentar os perigos.
Por isso, é trivial que a esquerda aceite um candidato de centro ou de centro-direita contra uma fascista na segunda volta de uma eleição presidencial. Por uma razão evidente: não há outro candidato e, se Le Pen ganhasse, a margem de ação para as classes populares seria tragicamente reduzida; se Macron ganhar, como tudo indica, abre-se uma nova etapa da política que escolherá entre a agressividade liberal e uma alternativa socialista. O único problema estratégico relevante é assim que a esquerda tenha a autonomia e a força para conduzir a resposta social que aspire a vencer a solução neoliberal. Contra o perigo, só cresce o que conseguimos fazer crescer.
Há então duas perguntas que quero discutir consigo. A primeira é esta: porque é que Macron, mesmo na segunda volta, fez uma campanha contra a esquerda(link is external), de cujos votos precisa? Ele hostilizou-a no debate(link is external), recusou o gesto que Mélenchon lhe propusera(link is external) (retirar a proposta de lei laboral que facilitará despedimentos), persistiu nas suas soluções contra a contratação coletiva(link is external) e já nem insisto no truque à la Hollande que consiste em prometer vergar Merkel um ápice, estabelecer um orçamento europeu e um ministro das finanças do euro, ou até a ideia estrambólica de, eleito em França, propor a convocação de “convenções democráticas” nos outros países a partir dos próximos seis meses(link is external).
Isso não o impediu, logo na BBC, de espanejar uma hipótese de saída da União Europeia(link is external) se Merkel não aceitar a sua voz grossa, ou mesmo de ressuscitar o “canalizador polaco” que vem roubar o pão da boca dos filhos do operário francês. Ou seja, vale tudo.
A explicação deste vale-tudo é a mesma para ter aceite um debate com uma fascista, o que ninguém fizera até hoje e que serve às maravilhas para a sua estratégia de banalização legitimante. Macron, que festejou a vitória da primeira volta como se fosse presidente, acha-se um salvador, para retomar Hölderlin, e que Le Pen ou os outros são paisagem para a sua ascensão ao poder. Mesmo sabendo-se que se vota nele “por defeito”(link is external) e sem entusiasmo(link is external), sente-se portador de uma chama salvífica.
Ora, para conseguir vencer, e é a segunda questão, precisa de criar um novo campo político. Um novo campo exige uma fronteira de exclusões, implica destroçar as alternativas. Como nos explica Assis com satisfação, Macron vai para isso fazer um governo baseado na direita(link is external), e o PÚBLICO antecipa que a sua primeira-ministra até pode ser Christine Lagarde, FMI, ou a ex-patroa da associação patronal. Assim, o que os macronistas exigiam à esquerda não era que votasse neste mal-menor: era que abjurasse e declarasse fidelidade a Macron.
Portanto, os macronistas portugueses perceberam muito bem o que implica essa “salvação” e, para criar o muro que viabilize este centro assanhado, manejam alegremente os velhos discursos maccarthistas sobre a esquerda igual ao fascismo. Isso em Portugal já foi brincadeira de romancista(link is external), é agora estratégia política.
O problema é que não sobram muitos para essa função, exceto alguns ideólogos avulsos. De facto, ficam os que detestam o governo atual porque o acham uma “aliança espúria(link is external)” e, no caso das eleições francesas, que os seus protagonistas revelam “hipocrisia moral” e “vileza política(link is external)” (pergunto-me como pode um jornalista descer ao linguajar de um dirigente partidário rasca). Ou os que tiveram uma visão de um dia para o outro e o que era preto passou a ser branco(link is external): “Se ainda há pouco tempo referi aqui que os dois aliados do atual Governo não deviam ser suspeitos de populismo, manda a verdade dizer que eles se aproximam hoje perigosamente dessa tentação, marcada pela deriva do Podemos espanhol ou do candidato Jean-Luc Mélenchon, numa simetria bizarra com Le Pen”.
A agressividade categorial deste centro assanhado é, no entanto, um sinal estimulante para a esquerda. Ilustra onde é que os neoliberais, que têm o poder, pressentem o contraste e sabem da base popular. Essa será a batalha dos nossos anos.
Artigo publicado em blogues.publico.pt(link is external) a 5 de maio de 2017
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Francisco Louçã é professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
Fonte: Esquerda.net.