Por Hylda Cavalcanti.
Brasília – O anúncio, ontem (2), e a posse, hoje (3), de Moreira Franco como novo secretário-geral da Presidência, em poucas horas, já causa desgaste para o governo e certa situação constrangedora para o Judiciário. O cargo, que tem status de ministro, permite a ele foro privilegiado e deixa numa embrulhada ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No final da manhã, um desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4) e ex-presidente do tribunal, que não quis se manifestar publicamente, disse à RBA que considera praticamente “impossível” o STF garantir a coerência se mantiver o ministro no cargo.
Esse magistrado defendeu a tese da necessidade de o Judiciário demonstrar “segurança das decisões jurídicas”, que resguardam a credibilidade das cortes, o que tem sido cada vez mais cobrado. Motivo pelo qual ele não considera “saudável, para qualquer Corte”, dar uma decisão que não seja no sentido de retirar Franco do cargo. E é da opinião que, por este motivo, “dificilmente, um ministro do STF teria condições de não acatar pedido feito por partidos da oposição para avaliar a situação do hoje secretário-geral da Presidência”.
A situação de Moreira Franco tem semelhança com a que foi observada em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2016. No ano passado, Lula foi empossado ministro da Casa Civil, mas teve de deixar o cargo menos de 24 horas depois, por causa de liminar acolhida pelo STF que teve como relator o ministro Gilmar Mendes. As acusações feitas pelos que pediram por sua saída do cargo foram de que, envolvido em denúncias da Operação Lava Jato, o ex-presidente estava sendo alvo de uma manobra política do governo para passar a ter foro privilegiado.
Moreira Franco, que foi citado nas delações dos executivos da Odebrecht, homologadas no início da semana, até ontem, caso viesse a ser alvo de pedido de indiciamento por Janot, teria de ser julgado pela Justiça Federal em Curitiba, que coordena os processos da Lava Jato. Agora, se for transformado em réu em algum processo, será julgado na esfera da suprema corte.
Denúncias sobre ‘Angorá’
O ministro é apelidado de “Angorá”, nas confissões dos delatores. E as denúncias feitas até agora contra ele, vazadas pela imprensa, são de que teria recebido R$ 4 milhões em propinas da Odebrecht. O caso ainda está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que recebeu o material das delações no final da segunda-feira (30).
Rodrigo Janot, o procurador-geral da República, já afirmou em dezembro passado que tem interesse em dar celeridade aos pedidos de indiciamento dos citados nas delações da Odebrecht e quebrar o sigilo das informações. Já se sabe, também, que a homologação da delação, feita pela ministra Cármen Lúcia, presidenta do STF, provocou reuniões de última hora entre integrantes do primeiro escalão do governo e criou um clima de ansiedade e preocupação no Palácio do Planalto nos últimos dias.
No início desta manhã, duas frentes oposicionistas se manifestaram no sentido de ajuizar ação no STF e representação na PGR. A primeira iniciativa partiu dos deputados do PT Paulo Pimenta (RS), Wadih Damous (RJ) e Chico D’Angelo (RJ), que pretendem entregar até o final do dia um pedido ao STF de cancelamento da nomeação de Moreira Franco.
Na peça jurídica, eles argumentam a suspeita de que o governo Temer teria se apressado de fazer a mudança de cargo para Moreira Franco, justo no período em que se aguarda o andamento das delações dos 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht, porque sabem que há uma tendência de quebra do sigilo e de se dar celeridade ao processo.
Wadih Damous, que já presidiu a seccional carioca da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi mais além em suas declarações. Afirmou que considera a posse do secretário-geral da Presidência como uma medida que além de “ilegal e imoral, também fere o princípio da impessoalidade”.
Os deputados disseram que vão pedir para que, apesar da regra de que a relatoria de ações ajuizadas no STF seja feita por sorteio eletrônico, neste caso específico, o processo seja distribuído diretamente para Gilmar Mendes. O motivo é simples: foi Mendes quem julgou caso semelhante há menos de um ano (o relacionado ao ex-presidente Lula).
Eles consideram que “ficará difícil para Gilmar Mendes apresentar argumentos diferentes dos que apresentou para impedir a posse de Lula, como fez em março de 2016”.
Representação na PGR
A outra frente de atuação saiu do Senado, por parte de Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O parlamentar também vai se manifestar até segunda-feira (6), mas por meio da entrega de uma representação junto à Procuradoria Geral da União (PGR) contra a nomeação e o status de ministro conferido a Moreira Franco.
Os parlamentares lembram, em todos os documentos a serem ajuizados, que na sua decisão sobre Lula, Gilmar Mendes afirmou que a posse do ex-presidente, na época, representava uma tentativa de obstrução da Justiça em relação às ações da Lava Jato. “E agora, o que esta posse de hoje significa?”, questionaram.
Por parte do governo, coube ao ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, fazer a defesa de Moreira Franco. Padilha, também citado em denúncias da Lava Jato, afirmou que o caso dele difere do de Lula pelo fato de o primeiro fazer parte do governo Temer desde o início. E disse que o cargo de secretário-geral da República tem o objetivo de fazer com que ele (Franco) possa se apresentar como ministro de Estado durante visitas oficiais para tratar do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos, do governo federal).
A posse foi prestigiada pela presidenta do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz. E vista, por isso, embora de modo reservado, como uma forma de reforçar o apoio de integrantes do Judiciário aos que tentam blindar o Planalto e evitar possíveis tentativas de retirada de Moreira Franco do cargo. Mas esse “apoio” velado não convenceu o mundo jurídico.
Nos gabinetes do STJ e do STF, a avaliação feita por ministros e juízes auxiliares é de que, com esta iniciativa, o governo Temer colocou o tribunal em situação difícil. “Foi uma decisão errada, mal avaliada politicamente, que vai ter de exigir uma resposta rápida e correta por quem tiver de pegar a relatoria deste caso”, afirmou um analista judiciário, lotado no gabinete de um dos mais antigos integrantes da Corte.