No dia 8 de junho, foi divulgada uma nova pesquisa, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, em apenas um ano, o número de brasileiros que não têm o que comer saltou de 19 milhões para 33,1 milhões. São mais 14 milhões de pessoas com fome, número superior à população da Bolívia. Numa potência agrícola como o Brasil, quase seis em cada dez brasileiros (58,7% da população), convive com a insegurança alimentar em algum grau (leve, moderado ou grave).
A pesquisa se baseou em dados coletados entre novembro de 2021 até abril, com 12.745 entrevistas domiciliares, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, nos 26 estados e no Distrito Federal. Segundo o trabalho o país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990. De cada 10 domicílios, apenas quatro conseguem manter pleno acesso à alimentação, os outros seis se dividem entre os que estão permanentemente preocupados com a possibilidade de não ter alimentos e os que já passam fome. Em números absolutos, são 125,2 milhões de brasileiros que passaram por algum grau de insegurança alimentar. Aumento de 7,2% desde 2020 e de 60% em comparação com 2018.
A fome atingiu 21,8% dos lares de agricultores familiares e pequenos produtores, ou seja, quem produz alimentos também está passando fome. A pobreza das populações rurais associada ao desmonte das políticas de apoio às populações do campo, como o financiamento das pequenas propriedades, tem levado a essa situação. Segundo o estudo, a fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos – de 9,4% em 2020 para 18,1% neste ano. Além disso, a segurança alimentar está em mais da metade (53,2%) dos domicílios onde a pessoa de referência se autodeclara branca, caindo para 35% nos domicílios com responsáveis de raça/cor preta ou parda, classificação usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De 2020 a 2022, a fome quase dobrou (saiu de 10,4% para 18,1%) entre os lares cujos responsáveis são pretos e pardos.
Pela pesquisa, a fome quase que desaparece nos domicílios com nível de renda superior a um salário-mínimo, dado que reforça a ideia de que a fome está muito relacionada ao nível de renda e do acesso ao mercado de trabalho. Esse fato, por si só, revela o nível de exploração a que está submetido o trabalhador brasileiro. Com R$ 1.000,00 de renda mensal per capita, consegue-se resolver o problema da fome no País. A fome é maior nos domicílios em que a pessoa responsável está desempregada (36,1%), trabalha na agricultura familiar (22,4%) ou tem emprego informal (21,1%).
Em seguida à divulgação do Relatório da Rede Penssan, o IBGE divulgou a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios), cujos dados se relacionam diretamente com as informações do referido Relatório. O rendimento médio mensal domiciliar por pessoa caiu 6,9% em 2021, de R$ 1.454 em 2020 para R$ 1.353 no ano passado. Esse é o menor valor da série histórica, iniciada em 2012. Apesar de comum aos vários segmentos de trabalhadores, a queda na renda foi maior entre as pessoas com menor rendimento. A pesquisa mostra que, entre os 5% de menor renda (R$ 39), o recuo foi de 33,9%. Entre os de 5% a 10% (R$ 148) caiu 31,8%. Já entre o 1% com maior renda (R$ 15.940) caiu 6,4%. Ou seja, em 2021, o 1% da população brasileira com renda mais alta, obteve rendimento 38,4 vezes maior que a média dos 50% com as menores remunerações.
As regiões Norte e Nordeste registraram os menores valores, R$ 871 e R$ 843, respectivamente, e, também, as maiores perdas entre 2020 e 2021, de 9,8% e 12,5%, segundo o IBGE. Sul e Sudeste se mantiveram com os maiores rendimentos, de R$ 1.656 e R$ 1.645, respectivamente. A razão do rendimento médio per capita entre 1% mais rico e os 50% mais pobres chegou a 38,4 vezes, ou seja, o rendimento médio da pessoa que está entre o 1% mais rico é mais de 38 vezes o rendimento médio dos 50% mais pobres na população.
Entre 2004 e 2013, menos de uma década, as políticas públicas reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros, ficando abaixo do critério da ONU (5% da população), para participação no chamado Mapa da Fome. A saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU, em 2014, mostra que o problema pode ser resolvido de forma relativamente rápida, se os detentores da máquina pública, tiverem interesse. Mesmo sendo a fome no Brasil um problema secular, em cerca de 10 anos, a partir de 2003, ele foi significativamente reduzido. O que mostra que a manutenção de grandes contingentes de brasileiros passando fome, ou em situação de insegurança alimentar, decorre de escolha política da burguesia.
Enquanto aumenta a fome no meio do povo, o governo Bolsonaro concluiu no dia 13 de junho o processo de privatização da Eletrobras. A privatização da Eletrobras movimentou R$ 33,7 bilhões, incluindo a venda dos lotes extras de ações. Se tomarmos esse valor e fizermos uma continha de regra de três veremos que o governo está entregando a companhia por R$ 120 ou R$ 130 bilhões de reais. Mas num cálculo elementar se deduz que a Eletrobrás com suas 36 hidrelétricas, dentre as quais, Itaipu, que é a maior hidroelétrica do mundo, em energia produzida, vale cerca de um trilhão de reais. Com a piora de todos os indicadores sociais, a economia vai sendo esmagada, por ações tipo a entrega de uma empresa que vale um trilhão, por 10% do seu valor.
Enquanto os brasileiros dão duro o mês todo para obter um rendimento médio mensal domiciliar de R$ 1.353,00, uma cesta básica alimentar, com 13 produtos, segundo o DIEESE, custa, para uma pessoa, R$ 777,93%. Este valor representa 57,50% do rendimento médio calculado pelo IBGE. A expansão da fome para largos contingentes da população brasileira é uma síntese completa da natureza das políticas econômicas e sociais, que foram aprofundadas no Brasil após o golpe de 2016.