Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Foi assim. Têm umas coisas que acontecem que a gente não consegue explicar muito bem. É tão rápido… estranho. Tava todo mundo rindo e bebendo. Uma felicidade só. E contava história, e ria. Sabe lá que horas eram, mas não era tão tarde. Tudo começando, sabe? Noite que parece que vai virar história boa. Pois bem. Foi assim. Saí e acendi meu cigarro. Olhava o céu, tragava e pensava em terminar logo para voltar e rir mais com o pessoal. Esses encontros raros, mas incríveis. Dei o penúltimo trago e vi que tinha um cara me olhando. Uma cara de quem analisa, de quem quer algo estranho. Me senti meio roupa em loja. Fiz que não vi e dei o último trago. Fui voltar para dentro e o tal cara me abordou. Percebi que havia outros amigos com ele que se portaram como bons espectadores da cena. Parou na minha frente e começou falar coisas sem nexo. Não apresentava embriaguez. Nem se tivesse, mas enfim. Falava e falava. Senti um medo estranho, daqueles que paralisam. Por mais que tentasse pegar algo de sua fala para usar como forma de sair logo dali, sua voz me manteve todo instante paralisado. De súbito, saí de sua frente e tentei ir em direção ao lugar que estava antes. Ele não deixou. Como as pessoas se sentem no direito de não deixar as outras andarem? Como acham plausível impedir o ir e vir? Ele não deixava! Ele simplesmente parou na minha frente e me impediu de seguir. Isso já seria um crime. Pequeno frente aos demais. Tentei, novamente, seguir e ele usou as mãos. Agora pensando sobre o fato, me ocorre uma lembrança, uma fala. Algo como “gente igual você tem que morrer!”. Isso! “gente igual você tem que morrer! Você é uma vergonha para as famílias! Possivelmente pra sua também!”. Sua fala foi aumentando, aumentando… e começou usar as mãos para me impedir de andar. Eu juro! Não falei nada! Até porque não consegui. Então sua mão encontrou meu rosto. Um humilhante, forte e barulhento tapa explodiu na minha cara. Me desequilibrei e tentei correr. Percebi que ele era acostumado ao soco, ao chute. Quando fui correr, chutou minhas pernas e caí. É estranho porque quando começaram os socos e chutes, ouvi risos. Como as pessoas podem rir enquanto outra apanha sem ter feito nada? Ouvia risos baixinhos e apanhava. Me sentiria honrado se a quantidade de celulares registrando minha humilhação fosse proporcional a de pessoas que viessem ao meu socorro. Soco, chute, “eu tenho nojo de você”, “você é uma vergonha”, “estou te dando o que seu pai não deu”, “lixo”. Parou! Cansou, talvez. Disse mais coisas e saiu. Sumiu. Eu fiquei lá no chão e esperando alguém que me ajudasse. Ainda consegui ouvir, longe, ele e seus amigos rindo do que ocorrera. Aí me pergunto uma coisa agora que conto essa história.
Era pra ser uma noite boa e apanhei de um desconhecido pois ele achou que estaria procedendo em prol de uma sociedade melhor marcando meu rosto com sua mão. Essa sociedade que ele quer mesmo? Vemos todos os dias discursos de ódio e pessoas que almejam o poder reiterando esses discursos. É esse o caminho mesmo? Viver em um lugar que determinado grupo entende que deve, por sua própria ignorância, exterminar outro? Digo com toda certeza do mundo: são tempos violentos, loucos e desesperados. Penso que há muitas pessoas que entendem isso como justiça e caminho de resolução. Assim como sei que estão erradas. E vivi isso na pele. Sonho, sinto a dor, choro sozinho… e choro ainda mais quando percebo que é ano de eleição e que existe muita gente que quer eleger presidente uma pessoa que corrobora com tais práticas no seu discurso. Pois é. Foi assim. E pelo agora é assim.
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