Fluxo comercial deve ser tema central da cúpula de países sul-americanos organizada por Lula

Lula recebeu Maduro para formalizar a retomada plena de relações com a Venezuela, na véspera do encontro com os demais presidentes sul-americanos – Evaristo Sá/AFP
Julio Adamor, em Brasil de Fato. 

 

Todos os 12 países da América do Sul estarão representados em Brasília nesta terça-feira (30) num encontro promovido pela diplomacia brasileira. Com isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é retoma esforços na criação de espaços e possíveis mecanismos de fortalecimento da integração na região, prejudicada no passado recente por polarizações ideológicas e quebras de relações diplomáticas.

Lula irá receber os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname), Luís Lacalle Pou (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela) para uma reunião no Palácio Itamaraty, em Brasília. A única mandatária ausente é Dina Boluarte (Peru), que enfrenta impedimentos constitucionais e será representada pelo presidente do Conselho de Ministros, Alberto Otárola.

Ciente de que integração regional é uma bandeira que carrega uma considerável carga ideológica, o governo brasileiro planeja bater na tecla do fluxo comercial, mostrando que a integração regional é, acima de tudo, uma forma de aquecer as economias dos países sul-americanos, promovendo crescimento econômico, geração de empregos e outros benefícios.

Segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), 2011 foi o ano do ápice do comércio intra-regional de bens entre os países da América Latina e Caribe, superando US$ 200 bilhões. Desde então, a cifra vem caindo tanto que, em 2020 (último dado disponível), já estava em cerca de US$ 136 bilhões, nível semelhante ao de 2006.

Para citar apenas a relação bilateral entre Brasil e Venezuela, o saldo comercial atingiu recordes durante os primeiros mandatos de Lula (2003 a 2010), como por exemplo o registrado em 2008, quando as exportações brasileiras ultrapassaram US$ 5 bilhões. Em contrapartida, entre 2017 e 2022, a balança comercial chegou aos níveis mais baixos dos últimos 20 anos.

Lula e os assessores designados para trabalhar na reunião de cúpula em Brasília tentarão mostrar que a redução do comércio intra-regional foi prejudicial no passado recente, porque as transações realizadas entre países sul-americanos são mais diversificadas e têm mais valor agregado do que com parceiros de outros lugares do mundo. A qualidade da troca seria maior.

O ponto de partida usado pelo governo brasileiro é a avaliação de que, nos embates mais amplos de hegemonia global, a tentativa de construir uma narrativa bipolar é negativa para os países em desenvolvimento, que por sua vez podem se beneficiar do multilateralismo dos blocos regionais. A ideia é que os blocos cumprem um papel importante, porque permitem negociar de forma unificada com as potências hegemônicas – portanto, em condições melhores.

E quem tenta negociar individualmente acaba se dando mal. Segundo uma fonte do Palácio do Planalto, um exemplo disso seria a situação do Uruguai, que tentou negociar com a China um tratado de livre-comércio, mas viu os chineses colocarem o pé no freio quando Lula voltou à presidência com um discurso de que a América do Sul deveria negociar em bloco.

É preciso agir rápido

O Brasil quer retomar o processo de integração rapidamente para aproveitar a conjuntura favorável, ou seja, o fato de haver uma quantidade significativa de presidentes do campo progressista na região, como Lula, Alberto Fernández, Luís Arce e Gabriel Boric. Na avaliação do Planalto, quem optou por interromper o processo de integração – e inclusive ideologizou a questão – foi a direita, ao desmontar a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e criar o Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), fundado em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro.

Naquela época, a região tinha mais governos de direita e ganhava força um discurso radicalizado, de combate aos programas implantados por governos de esquerda. Hoje, segundo avaliação do governo brasileiro, existe uma autocrítica nos países que foram governados recentemente pela direita de que a integração tem que ser perene, persistir aos ciclos políticos. Isso porque as condições socioeconômicas pioraram, evidenciando os prejuízos de não ter um mecanismo de integração consistente. Por isso, agora estariam dadas as condições para institucionalizar esse processo de aprofundamento da integração, visando formar uma identidade sul-americana.

Unasul

Criada em 2008, numa época em que a esquerda estava em alta na região, a Unasul chegou a ter como membros 12 países. A aliança se desgastou à medida em que o pêndulo ideológico se inclinou para a direita, uma década depois. Entre 2018 e 2019, saíram Colômbia, Argentina, Brasil, Chile e Paraguai. No mês passado, porém, Lula assinou um decreto oficializando o retorno do Brasil à organização.

O Brasil voltou à Unasul porque avalia que é o fórum mais bem acabado de integração, com convergência de interesses, elaborado a partir de muito trabalho técnico e programático. Mas a reunião de cúpula convocada por Lula servirá para ouvir a opinião dos cinco países do subcontinente que estão fora: Uruguai, Paraguai, Chile, Colômbia e Equador.

“A ideia é retomar o diálogo e a cooperação com países sul-americanos. Identificar denominadores comuns. A região dispõe de capacidades que serão chaves no futuro da humanidade, como recursos naturais, água, minérios, área para produção de alimentos. Uma agenda concreta de cooperação pode ser iniciada imediatamente”, disse a embaixadora Gisela Figueiredo Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores, durante um briefing sobre o encontro no Itamaraty.

Crise por toda parte

A reunião de cúpula ocorre num momento de forte instabilidade regional. A peruana Dina Boluarte anda às voltas com um processo de impeachment e não poderá estar em Brasília. No Equador, Guillermo Lasso também passou por uma tentativa de impeachment, à qual reagiu decretando a dissolução do Parlamento e antecipando eleições.

Na Colômbia, Gustavo Petro há poucas semanas denunciou que estavam tramando um golpe de Estado contra ele. No Chile, há um embate forte em torno da redação da nova Constituição, processo que começou impulsionado pelos movimentos populares e acabou “sequestrado” pela extrema direita.

Na Argentina, a crise econômica atinge proporções dramáticas, com falta de divisas internacionais, e há eleições presidenciais no horizonte, permeadas por incerteza sobre quais serão os nomes em disputa. São situações que podem reforçar o ponto de vista brasileiro de que a integração é o melhor caminho para fortalecer os países da região. Agora, resta ver como esse ponto de vista vai reverberar durante a reunião de cúpula.

Edição: Nicolau Soares

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