“Bom dia só para quem acorda recebendo intimação de que o promotor do MP recorreu pedindo o cancelamento do teu casamento. Ou seja, bom dia só para quem é LGBT em Florianópolis.”
A engenheira civil Adrieli, 30, desabafou nesta segunda-feira (18) pelo Twitter depois de receber uma intimação judicial informando que o promotor Henrique Limongi entrou com um recurso para anular o seu casamento, realizado em dezembro na capital de Santa Catarina.
Não foi a primeira vez que o promotor Limongi apareceu na vida de Adrieli. Em setembro do ano passado, quando ela e a noiva, a médica Anelise, 30, entraram com a papelada no cartório para realizar o casamento, ele negou a habilitação (uma autorização para o casamento, que é expedida pelo Ministério Público).
O casamento só aconteceu depois que uma juíza o autorizou, derrubando o veto Limongi, duas semanas antes da festa. Agora as duas usam o sobrenome Nunes Schons, com o nome da família de cada uma delas.
Nesta terça (19), Anelise teve de contratar uma advogada e procurar mais informações no cartório para fazer valer a união já autorizada pela Justiça.
Promotor da 13ª Promotoria da Comarca de Florianópolis, Henrique Limongi é o responsável por autorizar ou impugnar as habilitações de casamento que chegam dos cartórios da cidade, sejam elas LGBTQ ou não.
É ele quem cuida desses documentos — e, nos últimos três anos, impugnou 69 habilitações LGBTQ, incluindo a de Adrieli e Anelise. Com isso, os cartórios apelam imediatamente à Justiça, que, nesses casos, tem garantido as uniões. É um procedimento que atrasa e tensiona a vida dos casais homoafetivos.
Depois que teve seu veto derrubado, o promotor entrou com recursos contra os casamentos já realizados, tentando anulá-los. Os casais afetados tiveram de buscar ajuda jurídica para não ter a união cancelada. Foi o que Adrieli e Anelise fizeram.
A impugnação, seguida do recurso de anulação, acontece sistematicamente desde 2013, depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) acolheu a união entre pessoas do mesmo sexo e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou que os cartórios de todo o país são obrigados a oficializar os casamentos.
Limongi desconsidera a orientação do CNJ e diz que o casamento homoafetivo não está previsto na Constituição. Segundo o Ministério Público de Santa Catarina, Limongi impugnou, entre 2015 e 2018, 69 habilitações de casamento LGBTQ: oito só este ano e 27 no ano passado, quando Adrieli e Anelise tiveram sua habilitação impugnada por ele, mas conseguiram casar.
O BuzzFeed News tentou entrevistar o promotor, mas ele apenas enviou uma nota afirmando que só “fala” pelos autos. “A Carta da República (art. 226, § 3º) é de solar clareza: no Brasil, casamento somente existe entre homem e mulher”, diz a nota.
Veja a íntegra da nota de Limongi:
“O promotor de Justiça signatário não ‘conversa’ com ninguém sobre os processos – quaisquer que sejam – que lhe caem às mãos. Atua nos autos, só ‘fala’ nos autos.
Nesta esteira, não concede entrevistas e não ‘defende’ os pareceres – autoexplicativos, de resto – que emite.
Devoto do Estado de Direito, só presta contas – e o faz, diuturnamente – à Constituição e às Leis. No caso em tela, a Carta da República (art. 226, § 3º) é de solar clareza: no Brasil, casamento somente existe entre homem E mulher. E Resolução – nº 175 do CNJ, que autorizou o enlace entre pessoas do mesmo sexo – não pode, jamais, se sobrepor à Lei, notadamente à Lex Máxima.
Daí, e somente daí, as impugnações que oferta. Daí os recursos que interpõe.
Com a palavra – à derradeira –, o foro próprio, o Congresso Nacional!”
Tatiana Farah é Repórter do BuzzFeed e trabalha em São Paulo. Entre em contato com ela pelo email [email protected].
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