Por Marcelo Zapelini, para Desacato.info
Dia 11 de janeiro, quando os servidores, em estado de greve, lutavam pelos salários atrasados dos efetivos e pelo pagamento da rescisão dos temporários, herança da gestão de César Souza Jr. (PSD), a categoria foi surpreendida pelo pacote, batizado pela prefeitura como “Floripa Responsável”, com 40 medidas (36 chegaram à Câmara de Vereadores) consideradas emergenciais pelo prefeito Gean Loureiro (PMDB).
Logo a iniciativa mostrou-me um “Pacote de Maldades”, que visava, inclusive, revogar o Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV), conquistado pelos servidores em 26 anos de luta, instituído com quatro anos de mobilização, greves e discussões e parcelado entre 2015 e 2018.
Também ficou evidente que o Gean prefeito deixou para trás o Gean candidato, que em debate no Sintrasem, em setembro de 2016, prometera “ter essa abertura permanente de um prefeito que receba o sindicato e possa discutir plenamente o futuro dos servidores”.
O diálogo não veio, a gestão iniciou com uma “tratorada” na democracia no dia 12 de janeiro. Com maioria parlamentar, o governo acelerou a tramitação e cancelou o debate. “A audiência pública não faz sentido porque a população já está representada aqui pelos vereadores”, disse Filipe Mello, secretário da Casa Civil.
Ainda na sessão extraordinária, o presidente do Sintrasem, Alex dos Santos apontou que “o governo tem entre 14 e 17 votos e isso facilita para que não haja diálogo. Para o servidor, que vai perder entre 30% e 40% de seu salário, essa é uma atitude desrespeitosa”, apontou. Não haveria tempo nem mesmo para os parlamentares dialogarem entre si, pois teriam apenas 13 dias para analisar, relatar e oferecer emendas aos projetos.
No dia 16, sem o diálogo prometido na campanha, aos cinco mil servidores presentes na assembleia restou a deflagração da greve a partir da 0h do dia seguinte. Ao todo, 100% das unidades de saúde paralisaram.
No dia 17, ao meio-dia e às 17h, os municipários realizaram panfletagem no TICEN. O objetivo era alertar a população sobre o pacote de maldades do prefeito. Quatro Projetos de Lei Complementar atingiam diretamente os servidores:
- O PLC 1591/17, que atacava o Estatuto Único (Lei Complementar 063/2003), o PCCS do Civil (Lei Complementar 503/2014) e o PCCS do Magistério (Lei n. 2915/1988).
- O PLC 1593/2017, que unificava os fundos de previdência e aumentava a alíquota da contribuição previdenciária paga pelos servidores e a patronal.
- O PLC 1594/2017, que criava o fundo de previdência complementar, estabelecendo que todos os que se aposentarem receberão no máximo o teto do INSS como valor de aposentadoria, obrigando aqueles que quiserem receber além desse teto a aderirem ao fundo de previdência complementar pagando mais uma contribuição, além daquela já existente.
- O PL 16934/2017, que parcelava a contribuição patronal não paga de abril a dezembro e o 13º de 2016, no total de 52 milhões de reais em 60 vezes.
Ainda no início, a greve, que se tornaria uma referência nacional trinta dias depois, recebeu apoio de diversos sindicatos e movimentos sociais. A primeira declaração veio do SindSaúde/SC. Em nota, 17, os trabalhadores estaduais da Saúde apontaram: “o pacote de maldades que se encontra na Câmara de Vereadores vai atingir não apenas os direitos dos servidores, mas também os direitos da população que sofrerão com a privatização dos serviços públicos”.
A adesão inicial de 90% da categoria permaneceu durante todo o movimento grevista.
Em um ato na Beira Mar Norte, no dia 20 ainda em janeiro, os trabalhadores deram um recado para o prefeito Gean e seus aliados: “não vamos pagar a conta de vocês! Nenhum direito a menos”!
Considerada insuficiente pelo comando de greve, uma nova proposta da prefeitura foi reprovada no dia 23, pela assembleia dos servidores. No mesmo dia, por ampla maioria, os trabalhadores da Comcap aprovam paralisação de 24 horas, a partir das 7h da manhã de terça (24/1).
Nesse horário, funcionários da administração pública direta e descentralizada e militantes dos movimentos sociais ocuparam as ruas do entorno da Câmara de Vereadores. Quem não pode entrar no prédio para acompanhar a votação precisou enfrentar a repressão. Vários servidores feridos sofreram com efeitos de gás, balas de borracha e spray de pimenta, utilizados pela Guarda Municipal.
Em resposta, os manifestantes jogaram cadeiras de plástico nos agentes de segurança que guardavam a porta da Câmara, no episódio conhecido como “revolta das cadeiras”.
Depois de 12 horas de sessão, os vereadores, por 12 votos a 11, aprovaram dois projetos do “Pacote de Maldades”: a reforma administrativa e o desmonte nos planos de carreira dos servidores.
A partir do dia seguinte, nas mesas de negociação e nas assembleias uma única exigência: “revoga Gean”. O Executivo manteve-se inacessível. Nada de negociação. De acordo com Sintrasem, “o executivo recebe nossos representantes da mesa de negociação com a posição fechada de que não vai revogar as leis aprovadas de forma arbitrária, retirando inúmeros direitos históricos conquistados pelos trabalhadores”.
A tática da prefeitura não desanimou os servidores. No dia 6 de fevereiro, quando iniciaria o ano letivo, nenhuma unidade educativa iniciou abriu, pela primeira vez na história de Florianópolis.
Com o magistério, cerca de nove mil pessoas em assembleia aprovaram a continuidade do movimento, no dia 7. A seguir, realizaram uma passeata pela Avenida Mauro Ramos até a Avenida Beira Mar Norte, na maior manifestação até aquele momento.
A resposta da prefeitura veio com mais perseguição. Apoiado em uma decisão judicial de oito dias atrás, que declarara a greve ilegal, o Procurador Geral da prefeitura, Diogo Pitsica, pediu a prisão dos diretores do sindicato, a destituição da diretoria e intervenção. O pedido foi negado e colocou a prefeitura em uma situação complicada. De acordo com o site da Central Única dos Trabalhadores, “a iniciativa provocou o repúdio de mais de 500 entidades locais, nacionais e internacionais. A solidariedade veio dos quatro cantos do mundo: Rússia, Estados Unidos, Paquistão, Índia, Dinamarca, África, dentre outros”.
Ao pedido de prisão, multa diária de R$ 30.000,00 determinada pela Justiça (e mantida no dia 10, após recurso do sindicato), somou-se a tentativa de dividir a categoria. De acordo com o Sintrasem, “em reunião com a Secretaria Municipal de Saúde, os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes Comunitários de Endemia foram intimidados, coagidos a bater ponto mesmo paralisados e ameaçados com represálias”.
Diretores de Escolas, que em Florianópolis são eleitos democraticamente, também foram pressionados a reunir-se com a prefeitura no dia 15, ao que mais de 100, entre 120, mantiveram-se na greve. Eles apenas compareceram ao serviço para dar posse aos professores temporários, que eram incentivados a aderirem ao movimento grevista. “Durante greve, conversa só com a mesa de negociações dos trabalhadores”, declarou o conjunto de diretores.
A prefeitura também ameaçou de demissão os professores temporários e os servidores efetivos por abandono de trabalho, o que foi rechaçado pela assessoria jurídica do Sintrasem.
Para combater a desinformação vinda dos meios de comunicação tradicionais, os servidores mantiveram-se na rua em diálogo permanente com a população através de atos regionalizados e reuniões, principalmente nas escolas.
No dia 8, várias famílias levaram seus filhos até a Secretaria de Educação para exigir do Secretário Maurício Pereira que intermediasse a revogação das leis contra os direitos dos trabalhadores e do serviço público. Ao mesmo tempo declararam apoio aos professores.
No dia 16, “Grande Ato em Defesa das Liberdades e dos Direitos”, com cerca de 10 mil pessoas, de acordo com Sintrasem, partiu da Praça Tancredo Neves, onde a assembleia decidiu manter a greve, até o Terminal de Integração do Centro, com passagem pela frente do Gabinete do Prefeito. “Negocia Gean” e “Nenhum direito a menos” foram o mote da manifestação, que ainda denunciou as reformas contra os trabalhadores promovidas pelo governo golpista de Michel Temer. Participaram, outros sindicatos, centrais sindicais, movimentos sociais e estudantes. Entre as lideranças participantes, a ex-deputada federal Luciana Genro (PSOL/RS), afirmou que a greve em Florianópolis era, até ali, a mais longeva e mais organizada do país.
A manifestação arrancou da prefeitura um recuo: o restabelecimento do PCCS do quadro civil, no dia 20, mas apenas com dispositivos que regulamentam as carreiras e deixava de fora os efeitos econômicos, como as gratificações, que em alguns casos corresponde quase a metade da remuneração. É “uma casca sem clara e sem gema”, resumiu o presidente do Sintrasem. Apesar disso, Santos considerou que a iniciativa abria a possibilidade de negociação dentro da câmara de vereadores. “Esse passo atrás da prefeitura é uma vitória nossa”, analisou.
Este recuo motivou os servidores. Santos revelou que recebera diversas mensagens de servidores, que desistiram de voltar ao trabalho, pois viram uma oportunidade de conquista. “Desistir agora vai resolver o quê? Nada, é só punição”, ponderou Santos, durante a assembleia, que aprovou a continuidade da greve, por unanimidade.
No dia 22, a desembargadora Vera Copetti do Tribunal de Justiça presidiu a audiência de conciliação, que confirmou o ponto de virada na posição da prefeitura. Depois de seis horas de discussão, prefeito e servidores chegaram a um consenso, às 15h.
O documento contempla os efeitos econômicos ignorados na proposta anterior, como gratificações, serviço noturno, férias e licenças. No acordo, o prefeito enviará à Câmara até maio, data-base da categoria, o planejamento financeiro para a aplicação do Plano de Cargos, Carreiras e Salários.
Entre os principais pontos, os triênios foram mantidos em 30% para o quadro civil e 50% para o magistério, desde que não tenham duas faltas injustificadas no período de aquisição. As incorporações serão concedidas na aposentadoria dos servidores que tiverem contribuição previdenciária mínima de 10 anos ininterruptos ou 15 anos alternados, que ingressarem no serviço público municipal a partir da aprovação da lei.
A licença-prêmio foi transformada em licença-capacitação. A cada cinco anos o servidor poderá afastar-se por 45 dias, para realizar curso de qualificação profissional.
A compensação dos dias não trabalhados será realizada assim: 52,2% das horas não trabalhadas serão realizadas no próprio local de trabalho, levando em consideração a demanda reprimida, em acordo com a chefia imediata e anuência do secretário da pasta, até 31 de dezembro de 2017.
No dia seguinte da audiência, um misto de alegria, preocupação e ansiedade pairava nesta, que seria a última, assembleia geral dos servidores nesta greve.
A alegria demonstrada em gritos, aplausos e assovios. Mais de seis minutos seguidos de aplausos. Aplausos aos funcionários do quadro civil, que com 100% da categoria segurou a greve desde o primeiro dia. Também ao magistério, que aderiu à greve no primeiro dia de trabalho e ampliou o diálogo com a sociedade. Na avaliação do presidente do Sintrasem, isso fez com que o movimento ganhasse a opinião pública e “inclusive a opinião da mídia burguesa, que passou a não nos atacar com tanta ferocidade e a meter o pau no Gean em vários momentos. Isso é uma qualidade coletiva nossa”. Ainda foram aplaudidos os membros da comissão de negociação, da direção do sindicato, que não cedeu mesmo com ameaça de prisão, e os vereadores que apoiaram a pauta dos servidores.
“Vota logo”, apelaram em coro parte dos servidores, quando a assembleia já chegava ao meio da tarde, depois de uma sequência de falas ao microfone. Era a ansiedade para encerrar de vez a greve.
A preocupação permanece com o que ainda virá por aí. Ainda é preciso acompanhar o cumprimento do acordo pela prefeitura, liderada pelo prefeito Gean, cujo “conteúdo é mesmo que o conteúdo do Temer: acabar com o serviço público, acabar com os direitos trabalhistas, acabar com o direito previdenciário”, alertou Santos. Embora, oficialmente a Comcap esteja fora dos planos de privatização, os movimentos do prefeito indicam o contrário.
Por isso, a ampla maioria votou pelo encerramento da greve e pela manutenção do estado de greve. Ao longo das votações no Poder Legislativo os servidores farão vigílias e constituirão uma comissão para negociar os itens pendentes com o Poder Executivo.
Depois de 38 dias, os servidores voltam ao trabalho a partir de amanhã, 24. No entanto, garantiram que a luta continua e planejam intensificar a união da categoria, lembrada em todas as falas e no grito de guerra entoado por todos: “Nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu? Aqui está presente o magistério e o civil”.
Fotos: Marcelo Zapelini.