Por Ci Ribeiro.
Foto: Marcela Cornelli.
Todos nós, moradores de Florianópolis, sabemos (e a imprensa nacional nunca escondeu) que nossa cidade tem um dos maiores custos de vida do Brasil. Sabemos também que a ganância dos grandes empresários dos setores de comércios e serviços da capital, aliados dos especuladores dos setores imobiliários e da construção civil (predadores do meio ambiente, da paisagem e estrutura urbana – além de servirem para legalização e lavagem de dinheiro da corrupção e operações criminosas), das redes de hotéis e restaurantes (que pagam os menores salários com carteira assinada), inflacionam a economia local, apostando todos suas fichas nas parcelas de consumidores da chamada Indústria do Turismo, que busca atrair cada vez mais público nacional e internacional em períodos sazonais, sem qualquer compromisso com os micros e médios estabelecimentos de comércio e serviços locais nem com a renda e qualidade de vida da população que aqui vive durante os 12 meses do ano e que sustentam a economia do município.
Esta lógica é reforçada e planejada pelos gestores políticos, que sempre apresentam a cidade como uma mercadoria ao consumo e venda aos turistas e aos investidores externos, como “terra de ninguém”, um verdadeiro paraíso tropical a ser explorado sem restrições. Isso cria uma lógica e um clima perverso de apropriações privadas e predatórias da cultura e economia tradicional local, do meio ambiente, da paisagem natural e urbana. Tal situação fica muito bem caracterizada nos processos de alterações pontuais de Uso e Ocupação do Solo nos Planos Diretores, na negação do seu controle e gestão democrática de elaboração e aprovação do Plano Diretor, que se arrasta desde o segundo mandato da Prefeita Ângela Amin-2001/2004 (mãe do atual vice-prefeito). Situação evidenciada de forma emblemática nas ações policiais da Operação Moeda Verde e nos megaprojetos, como o do polêmico Hotel Marina PONTA DO CORAL.
Nesta cultura política, a apropriação privada do planejamento, da infraestrutura, do desenvolvimento urbano, dos serviços e do patrimônio público e ambiental, para a busca de lucros ilimitados, sem qualquer função e controle social, faz parte também da lógica e orientação do crescimento urbano, que primam pela segregação funcional e pela exclusão sócio-espacial da maioria da população, criando demandas insolúveis de Mobilidade Urbana. Essa forma de governar privilegia a privatização da infraestrutura e da malha viária para o transporte individual em detrimento do transporte coletivo de qualidade para todos. O que existe com remediada oferta de qualidade no transporte coletivo é o Transporte Seletivo-Amarelinho, que o próprio nome não deixa dúvidas, que serve apenas para uma parcela seletiva a preços aviltantes, sem qualquer retorno solidário no financiamento do sistema de massa.
Portanto, não é de se espantar a reação do prefeito César Souza Jr. de ir à contramão dos demais prefeitos das principais capitais brasileiras, como Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, que diante das mobilizações populares rebaixaram os valores das tarifas.
Isso em certa medida se explica, porque aqui em Florianópolis e Região, as oligarquias e elites políticas (que sustentam a aliança do atual prefeito e de prefeitos anteriores) são acionistas diretos das empresas que operam os sistemas de transporte público. É sob esta realidade e disputa econômica e politica que está colocado o atual impasse das mobilizações populares da TARIFA ZERO, contra as propostas do prefeito que não quer reduzir a tarifa, mas apenas fazer promessas vazias de rebaixamento futuro do preço da passagem e melhoria no sistema com a nova licitação, sem qualquer transparência, controle democrático social e muito menos gestão municipal direta da oferta do transporte, sem concessão ou terceirização do serviço público.
Na contramão da posição dos prefeitos de outras capitais, o prefeito faz questão de ignorar fundamentos básicos que eles próprios usam quando da redefinição dos valores das taxas e impostos municipais cobradas dos munícipes e nas negociações salariais com o funcionalismo, qual seja, o uso de índices oficial de inflação e da receita de arrecadação do município.
Ele faz isso ao negar o rebaixamento das tarifas sem apresentar cálculos, no “chutômetro”, alegando problemas financeiros das empresas, mesmo sabendo que:
1. As empresas que operam o Transporte Coletivo são as mesmas que formam o Consórcio que opera a COTISA-Companhia da Operação dos Terminais de Integração, que lucram com as receitas de Lojas, Bares e Publicidades nos Terminais, além das tarifas de uso dos terminais paga pelas empresas (eles mesmos);
2. As empresas arrecadam grandes somas com publicidade nos ônibus sem qualquer controle público e social de retorno no cálculo das tarifas;
3. As empresas lucram com o Sistema Seletivo sem retorno e onerando o Sistema Tradicional ao colocar no cálculo das tarifas o custo de combustíveis e de mão de obra que opera o Sistema Seletivo;
4. Na implantação do Sistema de Transporte Desintegrado, de maio de 2001 a maio de 2004 tivemos 34,06% de Inflação em Florianópolis e a Tarifa aumentou 73,33%, segundo a ESAG;
5. Nos últimos dez anos da Concessão Pública (2003/2013), que passou a vigorar o Sistema Desintegrado, a inflação acumulada foi de 81,52% (INPC-IBGE – janeiro/2003 a maio/2013), ao mesmo tempo em que as Tarifa aumentaram 133% neste período. Ou seja, os empresários tiveram um ganho real das tarifas em relação ao INPC-IBGE de 28,36%;
6. As isenções do PIS-PASEP e Cofins que decretou o Governo Federal representam 8% dos custos das empresas;
Portanto, enquanto não se abrir, com transparência, a CAIXA PRETA DO CÁLCULO TARIFÁRIO, nada justifica administrativa e tecnicamente a postura intransigente do prefeito César Souza Jr. de manter os atuais valores altos das tarifas. O que justifica sua ação é seu possível acordo com os empresários que estão todos plácidos com o acordo de bastidores que deve ocorrer na execução da “Nova Licitação” e que garantirá lucros privados pela prestação de serviço público para as mesmas empresas operarem a COTISA e o Sistema Integrado por mais algumas décadas.
Preocupa-nos ainda mais as atuais declarações do Secretario Municipal de Transporte, que denuncia a total falta de quadros técnicos, administradores, economistas e engenheiros, inclusive de fiscais na secretaria. Hoje, os números de funcionários são menores do que o existente no final do antigo Núcleo Municipal de Transporte no século passado, pois muitos se aposentaram e não houve reposição das vagas. Esse quadro deixa a administração municipal mais vulnerável e incapaz diante das demandas exigidas pelo Planejamento, Operação e Controle de Mobilidade Urbana e frente às propostas, números e cálculos dos empresários.
Diante dessas denúncias e evidências, negar a justa diminuição imediata das tarifas em troca de promessas vazias de melhoria de serviços e rebaixamento das tarifas com a “Nova Licitação” é apelar para a falta de memória do povo com as velhas e mesmas promessas já feitas nos últimos 16 anos pela prefeita Ângela Amin e pelo prefeito Dário Berger, que resultaram na péssima qualidade do Transporte Coletivo.
É querer passar uma borracha nos processos de lutas do Movimento PASSE LIVRE, que historicamente vem resistindo contra a mercantilização da Mobilidade Urbana da maioria da população. A postura do prefeito nega a Luta Popular pelo direito pleno ao acesso aos demais direitos sociais, como educação, saúde, moradia, alimentação, lazer, cultura, esporte, sociabilidade e inclusive de acesso ao trabalho, aos serviços e consumos privados. Direitos estes integrantes do direito pleno às ofertas da cidade a serviço de todos e não apenas de uma minoria possuidora de carros particulares.
Por isso, exigimos que o prefeito César Souza Jr. deixe de fazer discursos vazios e demagógicos de apoio às manifestações da juventude nas ruas e de fato reduza as tarifas, rumo à implantação da TARIFA ZERO. Que saia da contramão do movimento que está sendo feito nacionalmente e assuma compromissos imediatos com a redução e com a transparência e controle social nos encaminhamentos futuros de garantia do Transporte Público, Gratuito e de Qualidade, pela função social da mobilidade urbana pelo fim do lucro privado no setor.
Diante do acima exposto, é necessário e justo mantermos as mobilizações de rua, democráticas, ordeiras e pacíficas, pela exigência de 30% de redução nas tarifas atuais, até que o prefeito cumpre o seu papel, fruto da eleição municipal, de defensor executivo das necessidades e direitos coletivos da população de Florianópolis no Transporte Coletivo Público e da Mobilidade Urbana.
*Ci Ribeiro é arquiteto, urbanista e militante da Reforma Urbana e do Movimento PONTA DO CORAL 100% Pública!