Quarta-feira, 22 de março de 2023, vésperas do aniversário de 350 anos de fundação da cidade. Na Câmara Municipal de Florianópolis estava marcada a votação em primeiro turno da revisão do Plano Diretor, PLC 1911/2022. Desde o meio dia começavam os preparativos para transformar a dita “casa do povo” em uma fortaleza impermeável ao próprio povo. Grades foram colocadas pela guarda municipal em todo o perímetro externo, formando um trapézio que limitava os acessos tanto da porta de entrada principal, como para a rampa que dá acesso às galerias.
Uma hora da tarde e uma fila se formava para entrar nas galerias, que em pouco tempo já estavam lotadas de comissionados de vereadores governistas e representantes das construtoras, docilmente escoltados pela guarda municipal.
Três horas da tarde e começavam a chegar as pessoas convocadas para a manifestação contra a votação do Plano Diretor. Com faixas, cartazes, e batuques, elas iam se aproximando. Panfletos que denunciavam o plano destruidor da Prefeitura, e mostravam a Proposta Popular elaborada pelos movimentos sociais eram entregues para as pessoas que passavam por perto, curiosas com o que estava acontecendo, ou simplesmente envolvidas com suas rotinas. O clima entre os manifestantes era amistoso, com o calor do encontro de diferentes gerações de lutadores e lutadoras, que se cruzavam neste momento decisivo da luta pelo meio ambiente e o direito à cidade.
O esquema de segurança, arquitetado pelo coronel Araújo Gomes (secretário de segurança pública do município), se fazia presente dentro e fora do prédio, com forte efetivo da Guarda Municipal, Polícia Militar, Polícia Ambiental e da Tropa de Choque. Nenhum acesso ao prédio era permitido para quem participava da manifestação. Aos poucos, mais pessoas se somavam em frente à Câmara. O clima dava sinais de mudança, com o céu mais escuro, trovoadas sinalizavam que iria chover em breve. Ao mesmo tempo, crescia a indignação dos presentes com o autoritarismo de terem o direito de acompanhar a sessão negado, sob o argumento de que estavam lotadas as galerias.
Esta indignação explodiu, quando cansados e cansadas de serem cercados como gado em um curral, manifestantes decidiram afastar a grade e ocupar o espaço na frente da porta de entrada da Câmara. Rapidamente a manifestação se deslocou, tomando o espaço então vazio. O clima de calma aparente deu lugar a um grande tensão. De cima da rampa, coronel Araújo, como um pequeno Napoleão esbravejava contra seus subordinados, por conta do erro tático grosseiro. O povo indignado gritava palavras de ordem, e exigia “queremos entrar”.
Dentro da Câmara, iniciava a sessão. Vereadores da oposição: Afrânio Boppré (PSOL), Cíntia Mendonça (PSOL), Carla Ayres (PT) e Tânia Ramos (PSOL), se revezavam em falas, denunciando a truculência para com o povo. Vereadores governistas, como Maryanne Mattos (PL), ironizavam, dizendo que quem era contra o Plano Diretor deveria ter vindo mais cedo. A vereadora Carla Ayres denunciou em plenário que comissionados estariam prometendo dispensa do trabalho para que participantes do projeto social do programa Bairro Educador fossem acompanhar a sessão, se manifestado a favor do projeto do Plano Diretor.
No lado de fora, a chuva caia intensa, mas a manifestação não arrefecia. A raiva aumentou, quando no megafone foi feita a denuncia de que um representante do Sinduscon (Sindicato patronal da construção civil) havia sido escoltado pela Polícia Militar para acompanhar a sessão do lado de dentro da Câmara. Mais tarde, houve tentativa de abertura de um canal de diálogo, quando uma vereadora da oposição conseguiu negociar com a casa que 10 representantes dos manifestantes subissem até as galerias. Entretanto após intenso debate, esta proposta acabou sendo descartada pelos manifestantes, que gritavam “ou todos sobem, ou ninguém sobe!”. Por meio dos jograis, eram decididos os rumos da manifestação e também dados os informes para quem estava presente.
A manifestação seguiu até o anoitecer, quando por volta das 19h o ato dava sinais de acabar. A chuva caia melancólica, enquanto cada pessoa pegava o caminho de retorno para sua casa, se somando a tantos outros no infernal trânsito do fim da labuta. A votação foi feita por volta das 20h, e com 19 votos o Plano Diretor da especulação imobiliária foi aprovado em primeira votação, com apenas 4 votos contrários: Afrânio (PSOL), Carla (PT), Cíntia (PSOL) e Tânia (PSOL).
No dia seguinte, aniversário de Florianópolis, a votação era comemorada como um “presente” para a cidade. Comemorava o Prefeito Topázio (PSD), comemoravam os colunistas, bocas alugadas do capital, afirmando que a Câmara havia tomado uma decisão corajosa, ignorando a recomendação do Ministério Público Federal. Comemoraram as entidades patronais, como CDL, ACIF e Sinduscon, e também as ONGs-empresariais, como FloripAmanhã e Floripa Sustentável, responsáveis pelo discurso que empresta a “maquiagem verde” para um plano ecocida.
Na realidade, a cidade é o presente, fornecida de bandeja para a especulação imobiliária, em tenebrosas transações e sob tutela policial. A pilhagem por homens brancos, poderosos e autoritários aqui por estas terras não é nenhuma novidade, na Nossa Senhora do Desterro fundada por Dias Velho – um bandeirante escravizador de indígenas – e que mais tarde teve o seu nome de Florianópolis imposto pelo “marechal de ferro”, o assassino Floriano Peixoto.
Meiembipe chora, pela elite estúpida e hipócrita que rifa o nosso futuro para satisfazer sua insaciável ganância. Cabe as gentes que lutam por uma cidade voltada para os interesses da coletividade e da natureza, se manterem vigilantes e mobilizadas, para impedir a venda do que resta deste “pedacinho de terra perdido no mar”. Seguiremos na luta!
Abaixo faixa estendida no show de Gilberto Gil, no domingo (26) após a aprovação do Plano Diretor. Gil teve o título de cidadão honorário rejeitado pela maioria dos vereadores, mas o recebeu por meio do afeto do povo, presente no show.
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https://www.youtube.com/watch?v=xQDUBvlcS1Q