Flores Raras

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Por Clarissa Peixoto.

O cinema anos leva a infinitas possibilidades. Entre elas, duas são, ao menos a mim, essenciais. A primeira é o recorte histórico, o elemento do filme interligado ao tempo em que representa e ao tempo em que foi constituído. A outra, diz respeito às particularidades que uma boa personagem pode nos apresentar. Ela [a personagem], tão única, pode nos remeter a tantas outras possíveis que compõem a vida coletiva.

O filme é um lugar em que podemos tratar, através do tempo e do espaço, da experiência individual relacionada ao mundo que a cerca, que de certa forma também a traduz.

Flores Raras me leva para esse lugar. Inicialmente, porque recria uma atmosfera de passado sem ser plasticamente antipática com o presente e sem faltar a semelhança com o tempo que se propõe descrever. É delicado. É de bom gosto.

A trama nos apresenta personagens que, a partir de seu mundo particular, constituem importantes contribuições à vida em sociedade. A história de duas mulheres, que tiveram vidas públicas essencialmente marcadas pela grandiosidade de suas obras, mas que não se eximiram de viver intensamente seus desejos e seus sentimentos. E visibilizá-los. Sobretudo, porque ser quem eram tornara-se essencial para produzir o que produziram. Lota e Elizabeth foram exatamente o que podiam ser e, por isso, suas marcas na história foram tão relevantes.

O romance entre a arquiteta brasileira Lota Soares e a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop pode ser contado e absorvido pelo espectador de Flores Raras por meio de muitos olhares. A mim, duas coisas essencialmente marcantes: uma delas é a intensa relação entre a produção das artistas e a afetividade, a vivência plena de seus desejos. Tanto Lota quanto Bishop são mulheres que, em meio a todas as suas agruras pessoais, conseguem encontrar um lugar de plenitude no exercício da afetividade e da produção artística. A genialidade de cada qual parece-me fluir em medida que se permitem transbordar – em todos os sentidos que esse verbo possa ter.

Aliás, uma coisa dependia da outra. O poder criativo, em ambas as artistas, estava ligado às formas que encontraram para lidar com seus dilemas particulares. Embora não devam ter percorrido um caminho simples ao assumirem-se lésbicas, diante de uma sociedade essencialmente conservadora, o exercício das suas individualidades as fizeram fundamentais para alargarmos as fronteiras rumo a transformações do estado atual das coisas. Em Flores Raras, trazemos à tona histórias esquecidas de mulheres que se permitiram ser mulheres plenamente, diante da força implacável de padrões que transpõem o ‘ser’ pelo ‘parecer ser’. E é por isso que Elizabeth e Lota são atualíssimas. Ainda vivemos sob a égide de pré-conceitos arcaicos, com padrões de vida pública e privada calcados no patriarcalismo. E na propriedade do corpo e da mente. Da criatividade e do saber.

Nesse lugar reside o outro ponto que interessa Flores Raras e que é bem-vinda a sua produção. Visibiliza o que historicamente se reprimiu. Traz para a cena o protagonismo das mulheres, em todas as suas nuances, e abre espaço para que elas o construam a partir daquilo que sentem, do lugar que se encontram e daquilo que desejam.

Flores Raras são cada vez mais comuns, não porque antes não existiam, mas porque se fazem existir publicamente, se visibilizam num cenário de luta cotidiana para a transformação da vida coletiva.

Foto: BR Cine

Fonte: Blog Para Nao Desaprender

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