Florianópolis: A crise da educação abandonada

    joao goncalvesDos Trabalhadores da Educação da Escola João Gonçalves Pinheiro – Florianópolis/SC.

    A Secretaria de Educação adiou o início do ano letivo na rede estadual, alegando ser necessária a medida em razão da forte onda de calor que atinge a região nas últimas semanas. É fato que as temperaturas estão acima do normal, e isso por si só seria motivo suficiente para postergar a volta às aulas. Mas na verdade o adiamento tem outras razões, o sol forte serve apenas como pretexto. Até porque todo ano as aulas iniciam nessa mesma época e o governador Raimundo Colombo nunca ligou muito para calor, água suja, desabamento, falta de professor ou qualquer sofrimento desses tão comuns nas escolas estaduais durante as quatro estações do ano.
    As aulas foram postergadas porque a educação pública de Santa Catarina está completamente abandonada, em condições deploráveis. Há anos as escolas carecem de infra-estrutura mínima para receber os estudantes, sejam míseros ventiladores e bebedouros ou material de higiene e limpeza. Mas em 2014 se repete, de forma ainda mais grave, a situação absurda de faltarem vagas para os jovens cursarem o primeiro ano do Ensino Médio. Os pais têm peregrinado de uma escola à outra para matricular seus filhos e são informados que todas as vagas oferecidas já estão ocupadas. Em toda a região da Grande Florianópolis, e deve ser o mesmo em todo o estado. A Secretaria de Educação não admite publicamente o caos, mas internamente tem orientado os dirigentes das escolas a locarem ou emprestarem salas, auditórios, galpões, ou qualquer espaço improvisado que sirva para quebrar o galho do governo.
    É um duplo desrespeito ao direito à educação. Primeiro porque a legislação obriga o Estado a assegurar vagas no ensino básico para todos os jovens em idade/série adequadas. E também porque essas matrículas, segundo o Estatuto da Criança e Adolescente, só podem ser oferecidas no período noturno para jovens que trabalham. Com a falta de vagas, milhares de crianças de 13, 14 e 15 anos estão sendo matriculadas à noite, numa modalidade de ensino que é precária por definição. O Governador Raimundo Colombo e o Secretário da Educação Eduardo Deschamps deveriam ser processados criminalmente por essa situação.
    Dizem estar faltando vagas neste ano por uma situação excepcional, em razão do contingente maior de alunos oriundos do Ensino Fundamental através das políticas de aprovação automática realizadas no estado desde 2007. Mas na verdade isso acontece todos os anos, pois o que está em curso é um nefasto processo de amontoamento de alunos em sala de aula, obrigando os professores e as escolas a darem conta de um número cada vez maior de estudantes com a mesma estrutura e os mesmos recursos. Escolas menores das comunidades têm sido fechadas e os alunos concentrados em unidades “polo”, onde as salas estão sendo adaptadas para receber até 45 jovens. Chamam de “reenturmação” esse crime.
    Na lógica que rege o capitalismo, esse procedimento é conhecido como aumento da produtividade. Se um trabalhador que produz uma mercadoria qualquer (um par de sapatos, por exemplo) conseguir fazer o dobro no mesmo período de tempo, então ele aumenta a produtividade do seu trabalho e, por conseguinte, a margem de lucro do seu patrão. É isso que os “gestores” estão aplicando à educação pública: não há porque manter duas turmas com 25 alunos quando é mais econômico empilhar numa só os 50, sob os cuidados de um único professor. Pouco importa que nada possa ser ensinado em tais condições, desde que sobre mais dinheiro para os gestores desviarem para seus bolsos e para o setor privado.
    A iniciativa privada, aliás, é quem mais se beneficia com o abandono da educação pública. Em cada esquina surgem escolas particulares prometendo oferecer uma educação de qualidade (o que apenas em alguns casos é verdade), e muitos pais acabam pagando caro por um direito que sabem ser obrigação do Estado, pensando ser a única forma de garantir um futuro melhor para seus filhos. Contudo, para a maioria dos trabalhadores essa opção inexiste. Os pobres só têm a escola pública.
    O secretário Eduardo Deschamps afirma que é preciso reduzir o número de professores na rede, alegando que as estatísticas apontam diminuição da procura por vagas na escola pública daqui a 20 ou 30 anos. É o cinismo disfarçado de conhecimento técnico, pois nunca houve tantos jovens com idade para cursar o ensino médio como atualmente. É desculpa para não efetivar todos os professores temporários, que são contratados e descartados ao final de cada ano letivo. É retórica para esconder que o governo não garante condições legais para o trabalho docente, a começar pelo reajuste salarial irrisório (nesse ano foi de 2% ante uma inflação acumulada de 6% em 2013). Os professores perdem poder aquisitivo, mas também estão perdendo a paciência.
    O abandono representa um projeto de classe: quem está no poder quer transformar a educação pública num grande depósito de jovens. Tentam transferir o fracasso do modelo social para os ombros inocentes da juventude. Querem que a escola sirva para controlar e disciplinar os trabalhadores do futuro, oferecendo-lhes uma formação rasa e direcionada para a reprodução da barbárie social que vivemos. Pensam que a população aceitará passivamente a mercantilização dos seus direitos. Desconsideram que do outro lado começam a se recriar as formas de resistência. Já é tempo de desmascarar os pactos de mentira e os sorrisos hipócritas.

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