“Há mais em comum entre Venezuela e Brasil do que podemos imaginar”, declarou a realizadora e artista plástica Mariana Rondón, diretora de “Pelo Malo” – filme sobre um menino de nove anos que quer alisar seu cabelo crespo para fazer um retrato escolar, levando sua mãe pobre, solteira e lutadora a repudiá-lo cada vez mais. A obra é uma das representantes latino-americanas da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que vai até o dia 31 de outubro.
Antes de ser lançado no Brasil, ganhou o principal prêmio (a Concha de Oro) do 61º Festival de Cinema de San Sebastián, na Espanha, uma importante janela internacional para o cinema latino. Pouco antes, ele havia sido lançado, com sucesso, no Festival Internacional de Cinema de Toronto, no Canadá. Os dois eventos aconteceram em setembro
As semelhanças entre Venezuela e Brasil podem ser captadas no longa de Mariana. Aqui, como lá, sabe-se bem o que é um “cabelo ruim” e como ele desata uma série de preconceitos declarados ou não, marcando em uma sociedade de contrastes quem pode ser plenamente aceito pelos demais e quem está destinado ao sucesso. Junior, protagonista de “Pelo Malo”, sabe que são os bem-sucedidos têm cabelo liso e pele clara – pessoas que são o oposto dele. Sua mãe também, ainda que não possa organizar as ideias e os sentimentos confusos que têm em relação ao filho, e por isso se limita a repreendê-lo por mexer o tempo todo no cabelo e cantarolar canções da moda em casa, na rua, no ônibus. E por suspeitar, enfim, que ele é gay.
Mariana conta que seu objetivo, ao contar essa história, era abordar na ficção uma realidade em que nos sentimos obrigados a ocupar posições extremas ou na qual relutamos a aceitar o que é diferente de nós. Mas, ela fez mais do que isso. Quando o filme foi premiado em San Sebastián, Mariana deu uma entrevista ao jornal espanhol El País, na qual falou da suposta polarização política que vive a Venezuela. Segundo a cineasta, Chávez condenou o país à guerra quando disse uma vez que, quem não estava com ele, estava contra ele. Ela foi bastante criticada pelos defensores do chavismo e elogiada pelos opositores.
Ela e a produtora do filme, Marité Ugas, passam, desde então, por um turbilhão de críticas, além de serem acusadas de terem aproveitado o financiamento estatal venezuelano para produzir um filme que fala mal sobre o próprio Estado.
O fato é que há muito mais em “Pelo Malo” que crítica social e política. Preconceito, homossexualidade, exploração do corpo feminino, contraste social, relação mãe e filho, desemprego e espaço urbano caótico: grandes temas que estão todos lá, tratados com a suavidade e a elegância de uma história bem contada. Talvez os venezuelanos que se “calentaram” com ela, mesmo sem ter visto o filme, possam se dar conta disso quando ele chegar às salas comerciais da Venezuela, provavelmente em março do ano que vem.
“Pelo Malo” é o terceiro filme de Mariana, nascida em Barquisimeto em 1966 e radicada em Caracas. Seu pai, Pavel Rondón, foi combatente da guerrilha urbana na Venezuela nos anos 60 e ex-embaixador venezuelano na Colômbia em 2008. “Postales de Leningrado”, um relato bastante autobiográfico sobre uma menina que nasce em meio aos embates da guerrilha com o exército, circulou por inúmeros festivais em 2007 e conquistou vários prêmios. Nele, também o olhar infantil é o que descreve um mundo habitado por adultos cegos, muito à semelhança da nossa realidade extracinematográfica.
Fonte: Opera Mundi.