Por Ion de Andrade.
O problema dos pacientes “Sem Leito” que aguardam um internamento em UTI numa fila que não retrocede e que vem flutuando ao longo dos últimos quinze dias em torno de 55 pacientes por dia é, dentre os problemas graves da pandemia no Rio Grande do Norte, o mais grave.
A fila, em lugar de ser temporária foi se consolidando como a periferia dos que tem acesso à assistência, à imagem do que é o Brasil em todas as áreas, porém, por ditame constitucional, a Saúde é um Direito de Todos, um dever do Estado e não se pode, sob nenhuma hipótese, abrir mão desse direito. Relativizar isso, para além da perda de vidas, poderá trazer prejuízos incalculáveis à (pouca e insuficiente) civilidade que a duras penas construímos até aqui.
O presente artigo, reconhece o imenso esforço da Secretaria de Saúde Pública do RN em abrir centenas de leitos de UTI, o que salvou milhares de vidas fato que merece relevo e que não pode deixar de ser citado e considera esse esforço extremamente meritório. O texto reconhece, portanto, que a atual insuficiência de recursos financeiros da Secretaria Estadual de Saúde (SESAP) é que é a causa maior de que não possa tomar as iniciativas necessárias a assegurar as vagas de UTI que faltam, pois se pudesse, seu histórico de compromisso nessa pandemia demonstra que o faria.
O presente texto não é, portanto, condenatório da SESAP, muito ao contrário aliás. Dirige-se ao conjunto do Poder Público do RN, Executivo, Legislativo, Judiciário e municipalidades, para que definam uma estratégia clara de enfrentamento do problema como manda a Constituição.
São os pontos que seguem.
- Conforme demonstrado pelo Sr. Secretário Estadual de Saúde, dr. Cipriano Maia de Vasconcelos em reunião com a Sociedade Civil ocorrida no último dia 12 de abril, a SESAP não tem mais recursos para o enfrentamento da Covid-19, se fizer novos gastos para contratar leitos e internar esses doentes, poderá não conseguir pagar o que está em funcionamento. Esse é um problema central que materialmente impede a Secretaria de tomar iniciativas capazes de resolver esse problema.
- Isso não isenta o Poder Público, sentido amplo, de cumprir o ditame constitucional. A Constituição de 1988 é anterior ao SUS e a Saúde é ali considerada como um direito de todos e um dever do Estado, o que compromete o conjunto do Estado brasileiro;
- Os custos envolvidos, considerando o preço/paciente/dia do contrato entre a SESAP e Liga Norte-rio-grandense contra o Câncer (LIGA), que à época dos primeiros meses da pandemia cobria todas as despesas do internamento do paciente Covid, (exceto as da hemodiálise), usando porém leitos e equipamentos pertencentes ao estado do Rio Grande do Norte, se situaram em de R$3.200,00. Esse contrato é um importante parâmetro de cálculo no que se refere a estimar, para a presente reflexão, quanto o Poder Público do RN gastaria se tivesse que internar esses pacientes da fila em leitos privados, como ocorreu no contrato com a LIGA. Se acrescentarmos 25% desse valor apenas para irmos definindo uma grandeza, pela inclusão do aluguel desta vez também de leitos e equipamentos, (hoje a SESAP não conta com essa disponibilidade), chegaremos a um custo/paciente/dia hipotético de R$4.000,00 por paciente por dia (uma projeção para podermos estimar, nesse exercício de viabilidade de um custo aproximado).
- Internar 60 pessoas por um mês, imaginando que será o tempo suficiente para a rede SUS ser ampliada e para termos atingido o topo e iniciado a descida da curva da epidemia, representaria, portanto, algo como R$240.000,00 por dia e R$7.200.000,00 num mês, o que pode obviamente variar para mais, mas a grandeza está estimada.
- O orçamento do RN (que financia o Executivo, o Legislativo e o Judiciário) corresponde a 13,4 bilhões de reais por ano. Um ano tendo 365 dias, tem 8.760 horas o que resulta numa arrecadação de R$1.529.680,00 por hora (ou, simplificando, um milhão e meio de reais por hora). Os custos de R$7.200.000,00 correspondem, portanto a cinco horas de arrecadação do estado do Rio Grande do Norte, destinadas ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Isso é uma simplificação matemática pois todos sabemos que os orçamentos são menores do que as necessidades. A obrigação do atendimento à ordem constitucional recai não somente sobre o Executivo, mas também sobre o Legislativo e o Judiciário, além do governo federal, que tem falhado e muito nos repasses referentes à Covid e sobre os municípios de onde se originam os pacientes em fila.
- Se a Sesap tiver dificuldades de abrir os leitos previstos para o Hospital João Machado, ou se os abrir e for constatado que não são suficientes para acomodar a todos os pacientes em fila, temos que responsabilizar o conjunto do Poder Público para assegurar o cumprimento da Constituição no que toca à Saúde. Os Poderes devem se entender para aumentar as disponibilidades financeiras para o SUS do RN via Sesap.
- Estamos portanto falando de uma grandeza que vai girar em torno de 7,2 milhões de reais, podendo eventualmente ser algo maior, na feitura do cálculo definitivo. Nesse esforço para financiar a obrigação, o Legislativo certamente tem como colaborar, o Judiciário tem reservas substanciais decorrentes de multas e poderia doá-las para que o direito à saúde e à vida possam ser respeitados. E o Executivo, embora esteja fazendo muito, deve considerar seriamente a hipótese de ter que fazer mais. Os municípios também devem cobrir parte dessas despesas, pois nessa fila há gente de todo o RN. Finalmente o governo federal deve ser responsabilizado pelo que lhe compete de repassar os recursos para o enfrentamento da pandemia.
Estamos falando de um montante que é irrisório em relação aos orçamentos dos Poderes no nosso estado, mas estamos provavelmente diante de um problema nacional.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) deve, portanto, sentir-se parte desse esforço e deve esforçar-se para pressionar o governo federal a cumprir a sua parte atualizando os repasses.
É hora do conjunto dos Poderes Constituídos respeitarem a Constituição e a vida das pessoas.
Ninguém pode ficar para trás!
Nosso agradecimento ao dr. Haroldo Vale que colaborou com o presente artigo