O DNA da centenária figueira da Praça XV de Novembro, no Centro de Florianópolis, foi decifrado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O mistério que envolvia a origem e a espécie de um dos principais cartões-postais da capital catarinense, citado inclusive no hino do município, finalmente chegou ao fim. O estudo realizado no Laboratório de Fisiologia do Desenvolvimento e Genética Vegetal, do Centro de Ciências Agrárias (CCA), concluiu que a árvore não é originária do Brasil. A figueira, identificada como sendo da espécie Ficus microcarpa, é natural da região compreendida pela Ásia tropical e Austrália.
A investigação, que nasceu com o propósito de descobrir se a planta era nativa ou exótica, foi conduzida pelo professor de biotecnologia Valdir Stefenon junto com os estudantes de pós-doutorado Yohan Fritsche e Thiago Ornellas, egressos do curso de Agronomia e do Programa de Pós-Graduação em Recursos Genéticos Vegetais. O trabalho de sequenciamento do DNA e de análises de dados via bioinformática durou cerca de três meses e foi finalizado no segundo semestre do ano passado. Conforme explica o professor, a pesquisa resultou no sequenciamento do genoma nuclear parcial e do genoma total do cloroplasto. O primeiro passo foi, a partir de folhas saudáveis, isolar o DNA da planta, parte responsável por todas as informações genéticas.
“Utilizando uma tecnologia moderna, o DNA é sequenciado e cada uma das milhares de bases que o compõem são identificadas em fragmentos de tamanho variados. Esses fragmentos são, então, ordenados, como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Nesta etapa, o genoma nuclear, o genoma do cloroplasto e o genoma das mitocôndrias são separados em análises de bioinformática”, explica o docente.
Na planta, cada um desses genomas tem sua própria função. O nuclear é o principal deles, sendo encontrado em todas as suas células. O cloroplasto, por sua vez, está nas folhas e é responsável pela cor verde e pela fotossíntese – processo pelo qual a planta produz seu próprio alimento: o açúcar. Já a mitocôndria é uma estrutura da célula que transforma em energia o açúcar que a planta produz.
Com esses resultados em mãos, as sequências genômicas são comparadas com outras depositadas no GenBank, um banco mundial de dados públicos criado pelos Estados Unidos em 1982 e que atualmente concentra informações sobre o sequências genéticas de milhares de seres vivos. Por meio dessa comparação, tornou-se possível identificar qual espécie documentada no planeta possui a mesma sequência de bases do genoma encontrado na figueira da Praça XV.
Para o professor Valdir, um dos aspectos mais importantes desse estudo é demonstrar como o conhecimento científico pode ajudar a desvendar a nossa história: “Entendo que essa pesquisa revela uma importante face da ciência, ainda pouco conhecida, que é sua ligação com a história e a cultura. Além de resgatar parte da história da cidade, mostramos que a ciência produzida dentro da Universidade pode ter diversas aplicações, só depende das demandas apresentadas pela sociedade e do incentivo de toda a sociedade civil e dos governantes para que seja desenvolvida”, afirma.
A iniciativa
A pesquisa para desvendar o mistério sobre a origem da histórica árvore da capital catarinense começou por meio de uma parceira com a empresa Arboran, contratada pela prefeitura para desenvolver um trabalho de revitalização da árvore e seu entorno. Foram realizados trabalhos de poda que possibilitaram a redução do número de escoras, “muletas” de metal que apoiam seus maiores galhos.
Segundo o Departamento de Arborização Pública e Hortos da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram), também estão sendo desenvolvidas outras ações, como diagnósticos fitossanitário e por tomografia; nutrição; monitoramento com análise de solo e foliar; e estudos dos serviços ecossistêmicos – aqui incluído o sequenciamento genético desenvolvido pelos pesquisadores da UFSC. A previsão é de que as ações sejam finalizadas ainda neste primeiro semestre.
Para o professor Valdir, estes são cuidados essenciais para que a árvore consiga manter a boa saúde. “A figueira, por estar em um ambiente bastante urbanizado, acaba por sofrer com a poluição dos carros e a menor interação com outras plantas e com animais. Apesar disso, ela está bem e, com os tratamentos que foram realizados, ela tende a permanecer bela e imponente por muitos anos na Praça XV”, avalia o docente.
Outra atividade em andamento pela equipe do Laboratório de Fisiologia do Desenvolvimento e Genética Vegetal é o processo de clonagem da figueira. A proposta é criar um “backup” da planta, de modo a permitir o plantio da mesma árvore em outros locais de Florianópolis. Essa pesquisa, no entanto, ainda está em estágio inicial. “A clonagem de espécies arbóreas em laboratório é um processo complexo até o momento de se estabelecer os protocolos de trabalho. Por enquanto, conseguimos estabelecer dois clones no laboratório, os quais ainda estão pequenos”, revela Valdir.
Para este trabalho, os pesquisadores selecionam pequenos pedaços de galhos jovens, brotos ou folhas da árvore e fazem uma desinfestação completa. Em seguida, a amostra é colocada em frascos de vidro com meio de cultura e reguladores de crescimento, acondicionados em uma sala climatizada com temperatura e luminosidade controladas, de modo a estimular a formação de inúmeros brotos. Na etapa final, esses brotos desenvolverão raízes e poderão ser retirados desses recipientes de vidro, aclimatizados e plantados em vasos, para posterior transplante no solo.
A história
Os arredores da Praça XV de Novembro já serviram (e servem) de cenário para manifestações importantes da cidade. Foram palco para a Novembrada, movimento popular contra a ditadura, e ainda hoje atraem dezenas de milhares de pessoas para eventos dos mais diversos públicos, como a procissão Senhor dos Passos e as festas de carnaval.
A figueira, no entanto, nem sempre ocupou a posição central destes acontecimentos. Ainda que não exista uma versão oficial sobre como a planta veio parar no Centro de Florianópolis, especula-se que sua origem é o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, de onde teria vindo junto com as palmeiras reais que ainda existem na praça, replantadas próximas ao monumento em homenagem aos catarinenses mortos na Guerra do Paraguai.
A árvore símbolo da capital fora anteriormente fixada em um pequeno jardim, situado à frente da Igreja Matriz – hoje Catedral Metropolitana –, por volta de 1870. A única certeza que existe, porém, é quanto à data da sua transferência para a praça. Assim revela uma placa comemorativa instalada no local, em comemoração aos 250 anos do município: “Foi numa manhã de verão, cheia de sol e vida, do mês de fevereiro do ano de 1891, que a jovem figueira, contando, talvez, seus vinte anos, foi retirada do jardim da Matriz e aqui carinhosamente replantada”.
Não se sabe ao certo por que a árvore foi removida, e as lendas e superstições que envolvem sua história são muitas. Há quem diga que um galho da árvore atrapalhava o contato visual entre um governante da época, quando o Palácio Cruz e Sousa era sede do Governo do Estado, e uma pretendente que residia na região onde hoje está instalada uma agência bancária ao lado da catedral. Existe ainda a crença de que a árvore só não foi cortada porque as bruxas que viviam dentro dela lançariam uma maldição a quem tivesse tal ousadia.
Até hoje o folclore popular perpetua a fama de “árvore dos desejos”. Os turistas que visitam a cidade ouvem que para retornar a Floripa precisam dar uma volta completa na velha figueira. Se quiser casar, então, são três. Agora, pra realizar outros pedidos, são necessárias sete voltas. Convenhamos que não seria um sacrifício. Por que não arriscar?
Jornalista Maykon Oliveira | [email protected]
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