FIBRA: um depoimento

Por Raúl Fitipaldi.

Foto: Juliana Kroeger.
Pouco antes das 21:30, sentada num banco do CIC, Fabiana Brito  abraçava uma pasta azul clara que continha seu discurso público, sua proclama de inclusão e amor pela vida. Aproximei-me, conversei com ela sem lhe inquietar, perguntei-lhe se era protagonista do filme que eu iria assistir, confirmou-me que sim, tremia sua cara e suas mãos estavam apreensivas como se a pasta pudesse cair e quebrar a magia da noite. A deixei tranqüila depois de três ou quatro perguntas, enchi da emoção e fui até a entrada do local para esperar meus companheiros de Desacato e constatar a chegada do público. O cinema estaria lotado, com pessoas sentadas nas escadas minutos depois.
Durante muito tempo (uma quantidade de anos muito parecida à que levou a construção da Cooperativa de Pessoas com Deficiência Intelectual – Coepad, que produz materiais com papel reciclado e sementes, e que foi apresentada brilhantemente pela produtora DocDois filmes ontem à noite), quem escreve este depoimento os dedicou a colaborar na reinserção social, intelectual e econômica da sua filha tetraplégica à universidade, à autonomia básica, ao emprego e ao convívio social. Vinha justamente de tomar chimarrão com essa filha, a poucos minutos da projeção do filme, na Carvoeira, quando me encontrei Fabiana no banco do complexo cultural.
A oportunidade de incluirmos aos que têm deficiências visíveis passa por entender as “deficiências não visíveis” que nos proporciona a dor de ver os nossos seres queridos impossibilitados das ações e desfrutes dos que a maioria da sociedade participa. A impotência, a falta de interesse do Estado, o desrespeito da comunidade e a exclusão propiciados por uma sociedade calcada na imagem da simetria e do sucesso gritam quando a gente não dorme de desespero perto do quarto do alienado à aceitação social.

Substituir esse molde pelo amor criativo, pela dor construtiva, pela associatividade com o aparentemente deficiente para o “eficientismo” sistêmico, desenhar desde o passo atrás um pulo ao futuro, corresponder-se com o corpo e espíritos circunstancialmente aleijados em condições de igual, projetar-se mano a mano com aquele rejeitado, são exercícios que nos permitem fazer parte da VITORIA SOCIAL DO DIFERENTE. Uma conclusão revolucionária armada de amor, disciplina, esperança e objetividade, de pranto e risos impossíveis de conter, até a INCLUSÃO.
FIBRA trouxe-me em 25 minutos sensações que vão se afastando aos poucos, agora que aquela filha ultrapassa a metade da universidade, atravessando fronteiras, ganhando um salário, cuidando da sua casa, abrindo espaço para o amor companheiro de novo. FIBRA, isso: fibra com a qual mudar a intolerância, a verticalidade, a separação do “raro”, do “acidente social” que temos em casa. Fibra para transformar os sentimentos baratos, para derrotar a anti-vida. Fibra para sonhar esta noite com o SIM, que Fabiana espera do Luciano, e que está escrito na trama do amor à vida.

2 COMENTÁRIOS

  1. Grande Raul, que belo texto. Obrigado por compartilhar conosco essa sabedoria tão íntima. Teu texto é contagiante no sentido do civismo, no sentido da integração, no sentido do engajamento. És o cara!

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