Por Júlia Dolce.
A revisão das diretrizes de jornalismo divulgadas pelo Grupo Globo, divulgada neste domingo (1), já coleciona críticas de entidades de classe.
Sindicatos e associações de profissionais consideram que, por proibir a jornalistas da casa quaisquer manifestações em seus perfis pessoais nas redes sociais que possam “comprometer a percepção” de que o Grupo Globo é “isento”, é um tipo de cerceamento da liberdade de expressão.
A atualização aos Princípios Editoriais da empresa, divulgados pela primeira vez em 2011, ocorreu por meio de uma carta do presidente do Conselho Editorial do Grupo, João Roberto Marinho. No documento, Marinho justificou as diretrizes como necessárias para evitar que a isenção da profissão seja comprometida, ou a imagem da empresa, manchada.
Entre as diretrizes, por exemplo, estão a proibição de compartilhar mensagens que revelem posicionamentos políticos, partidários ou ideológicos, até mesmo em mensagens privadas no Whatsapp; de curtir postagens realizadas por figuras políticas; e até mesmo de criticar publicamente marcas ou produtos, como hotéis e restaurantes.
Por fim, as diretrizes estabelecem que, em caso de dúvida, a única solução para o jornalista é “consultar sua chefia”.
Censura prévia
Em nota, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) destacou que repudia a ação do Grupo Globo, por afrontar os direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal referentes à liberdade de manifestação de pensamento.
“Ao impor as novas ‘diretrizes’, o Grupo Globo amordaça os seus profissionais, estabelecendo a censura prévia. As ‘diretrizes’ aparecem como ‘recomendações’, mas fica evidente que quem não segui-las será responsabilizado e sofrerá consequências”, destaca o texto.
De acordo com Maria José Braga, presidenta da Fenaj, a assessoria jurídica da organização já está produzindo uma ação para apresentar ao Ministério Público e à Procuradoria Geral do Trabalho.
“A Constituição Brasileira preza pela democracia e pelas liberdades individuais e coletivas, asseguradas inclusive nas cláusulas pétreas. Então as empresas têm que observar esses direitos antes de baixarem suas normas. Seus trabalhadores são, antes de mais nada, cidadãos brasileiros”, ressaltou.
Para Marcos Urupá, coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, ao estabelecer tais diretrizes, o Grupo Globo cria uma confusão entre a vida profissional e privada dos jornalistas.
“O profissional jornalista, regido pelo seu próprio código de ética, já tem o compromisso de divulgar com máxima precisão, objetividade e apuração os fatos narrados e apurados jornalisticamente. Isso não se confunde com a opinião privada do profissional. Compreendemos que essa posição é completamente equivocada, não se aplica às atuais estruturas sociais com acesso à internet e conexões móveis. É uma contradição com o atual mundo que vivemos e uma penalização do profissional que não tem nada a ver com o que a empresa pensa”, disse.
Tendência
Nos últimos tempos, diretrizes do tipo vêm sendo colocadas por outros veículos de imprensa. Em outubro do ano passado, o jornal Folha de S.Paulo divulgou um código de normas que foi acrescentado ao Manual da Redação, afirmando que revelar preferências partidárias ou futebolística e escolher lados em situações “controversas” “tende a reduzir a credibilidade do jornalista e da Folha”.
O comunicado da Folha foi divulgado logo após a demissão do jornalista Diego Bargas, por ter realizado “perguntas inconvenientes” ao apresentador Danilo Gentili em uma entrevista, e, logo em seguida, ter sido perseguido pelos fãs de Gentili nas redes sociais por conta de seus posicionamentos políticos.
Em dezembro de 2017, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) também aprovou um código de conduta que dita regras que vão desde como os funcionários devem se vestir até a forma como devem se comportar em seus perfis nas redes sociais, e foram duramente criticadas pelos seus funcionários.
Segundo Gésio Passos, Coordenador Geral do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e Funcionário da EBC, a empresa tem realizado uma perseguição política dos funcionários que divergem de nova linha editorial imposta pelo governo golpista de Michel Temer (MDB).
“A EBC tenta castrar seus empregados a partir de punições mas ela, de fato, sem um processo administrativo, não pode demitir os empregados. Não chega a esse cúmulo que a Globo está fazendo. Lá, a tentativa de censurar os jornalistas faz parte de uma nova política da empresa de impedir que os empregados tenham opiniões diversas de sua linha editorial, e com isso, criando polêmica sobre sua própria cobertura que ela afirma ser isenta, e a gente sabe que não é, como a de nenhum veículo”, destacou.
Maria José Braga destacou também situações em que ações sindicais foram bem sucedidas contra veículos que tentaram cercear a liberdade de seus empregados. Foi o caso do jornal O Povo de Ceará, que recebeu um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Ministério Público do Trabalho (MPT), durante as eleições de 2016, após colocar diretrizes para o comportamento de seus jornalistas.
“Não é a primeira vez que isso ocorre nem uma exclusividade do Grupo Globo, mas o que chamou a atenção nesse caso é que as restrições são muito amplas, e são colocadas para a vida privada de um jornalista. Nunca tinha havido uma restrição tão grande”, pontuou.
Procurada, a assessoria de imprensa do Grupo Globo afirmou que não conseguiria responder às denúncias até a publicação desta reportagem.