“Feminismo Camponês” é tema da XIII Assembleia Estadual do MMC em Pinhalzinho/SC

Por Claudia Weinman e Julia Saggioratto, para Desacato. info. 

Durante os dias 21 e 22 de outubro ocorreu a XIII Assembleia Estadual do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Pinhalzinho/SC. A Assembleia teve como tema o “Feminismo Camponês” e o lema “Mulheres e Agroecologia no Campo e na Cidade”. No sábado, mulheres camponesas de várias regiões trouxeram suas experiências com a Agroecologia e sobre a construção do Feminismo Camponês. Dentre as falas das camponesas questões como a educação machista, o trabalho invisível das mulheres com o cuidado e manutenção da casa, a conquista da paridade nos espaços e organizações foram apontadas. As mulheres ainda falaram sobre a construção da agroecologia pela via feminista, como um projeto em defesa da vida e da Mãe Terra.  

 

Ao longo do debate sobre o Feminismo Camponês, se discutiu que este se dá a partir da vida e da luta camponesa. Uma das representantes do movimento, Catiane Cinelii, ressaltou que apesar da dificuldade de as mulheres, muitas vezes, assumirem o feminismo, o desejo de participarem da organização da luta e serem ouvidas as fez assumir a luta de gênero e classe, a luta do Feminismo Camponês. “Nesse contexto as mulheres camponesas lutam por sua emancipação e libertação, em uma sociedade que as educa para não terem coragem e não saírem de casa. O Feminismo Camponês, como um movimento de classe, objetiva a transformação da sociedade e, dentro deste contexto, a transformação das relações de gênero”.  

Uma atividade mencionada nessa discussão foi sobre o ato realizado em 2006 por mais de 1500 mulheres da Via Campesina, lideradas por mulheres do Movimento de Mulheres Camponesas, que destruíram a plantação de eucalipto da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro. A Aracruz é uma das principais representantes do agronegócio no Brasil. A atividade tinha como objetivo a manifestação das mulheres contra o deserto verde criado pelo monocultivo de eucalipto, em razão da devastação que estas plantações, que cobrem grandes áreas do Brasil e de toda a América Latina, causam ao solo, dizimando a biodiversidade e os rios, além de toda a poluição gerada pelas fábricas. Neste ato as mulheres reivindicavam uma outra forma de agricultura, com soberania alimentar, sem agredir a natureza e a saúde das pessoas e animais.  

No decorrer do debate relembrou-se, ainda, que em 2008, na 5ª Conferência Internacional da Via Campesina, em Moçambique, se iniciou uma campanha pelo fim da violência contra a mulher camponesa, fomentando a discussão de gênero. Na 5ª Conferência da Cordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo (CLOC) foi criado o grito de ordem “Sem Feminismo não há Socialismo”, na busca por uma sociedade transformada para mulheres e para homens.  

No domingo as mulheres demonstraram por meio de uma peça teatral como se dá o processo machista dentro das famílias camponesas. Desde as falas, a naturalização da violência e a aceitação da sociedade diante de várias situações. Segundo a redação da peça, fazem parte da construção do feminismo camponês não apenas as mulheres, mas também os homens, sendo essa, uma construção coletiva.

Mulheres contra o golpe e em defesa do feminismo camponês

Em entrevista ao Portal Desacato, a liderança estadual do movimento, Justina Cima, falou sobre a importância da assembleia no contexto das lutas e desafios que nacionalmente envolvem os/as trabalhadores/as do campo e da cidade. Ela mencionou a retirada da presidenta Dilma Rousseff e a atuação do presidente Michel Temer. Para Justina, desde que Temer assumiu a presidência ele tem movido um processo de destruição dos direitos, ameaça à democracia, desmonte do estado e venda dos recursos naturais.  

Justina Cima.

Justina ressaltou que a assembleia refletiu sobre os impactos da retirada dos direitos não apenas das mulheres mas de toda a classe trabalhadora. Além disso, citou o tema do encontro “Feminismo Camponês”, como sendo um debate importante que reflete o projeto que as mulheres camponesas defendem. “O feminismo camponês é um projeto de vida, aonde as relações entre as pessoas são construídas a partir da igualdade de direitos, da dignidade. É um projeto que se preocupa com a distribuição da renda, da terra, com os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos”, disse ela.

O feminismo nesse contexto, segundo Justina, busca desconstruir com a falácia de que ele seria o contrário de machismo. “Feminismo não é o contrário de machismo. O machismo tem destruído a natureza, provocado a violência contra as mulheres, ele, aliado ao capital, mata cada dia os mais pobres”, disse ela.  

Claudenir Catuzzi Dal Molin também é uma das lideranças do movimento. Ela reside na comunidade de Santa Lúcia, no município de Quilombo/SC. Ela também reforçou sobre a importância da mulheres se manterem organizadas isso porque, segundo ela, a perda de direitos envolve todos os trabalhadores no entanto, as mulheres são as maiores prejudicadas. “Não podemos perder nossos direitos, as mulheres são as pessoas que mais vão sofrer na vida trabalhista. No momento que quiser adquirir um direito a aposentadoria, salário maternidade, serão super prejudicadas. Nós já trabalhamos algumas na cidade, outras roça, cuidamos da casa, dos filhos, e não vai ser fácil”, mencionou.  

Claudenir Catuzzi Dal Molin.

A necessidade de participar da assembleia se apresenta tanto para quem está a mais tempo na organização do movimento como para quem iniciou a tarefa há alguns dias. Elis Regina Soares, de Orleans/SC, fala sobre como esse encontro de saberes é relevante para a sua região. “Fazem apenas três meses que eu estou no movimento e já trouxe pessoas novas para a assembleia, minha mãe inclusive está fazendo parte. Penso que é importante adquirirmos mais conhecimento através de outras organizações e levando conhecimento para as pessoas que não tiveram a oportunidade de vir”, avaliou.

Elis Regina Soares.

A agroecologia na vida das mulheres

Desde que o movimento surgiu, há 34 anos, ele vem se contrapondo a lógica do mercado capitalista. Conforme a dirigente estadual Jeneci Ribeiro dos Santos, do município de Campo Erê/SC, a agroecologia é um projeto realizado na contramão do modelo de agricultura imposta pelo sistema capitalista, do agronegócio. “O movimento vem construindo a agroecologia como uma proposta e um modo de vida. É um projeto de agricultura camponesa pensado e desenvolvido pelas mulheres do campo”, explicou.

Jeneci Ribeiro dos Santos.

Jeneci lembrou ainda que no cotidiano da vida das mulheres a agroecologia se dá através de vários processos. “ O movimento vem trabalhando a recuperação, produção e melhoramento das sementes crioulas. A prática da produção de sementes foi o início para as mulheres começarem a desenvolver a agroecologia nas unidades de produção, depois o movimento foi avançando na produção, no uso de plantas medicinais, no cuidado com natureza, água, com todo trabalho de fortalecimento da agrobiodiversidade”.

A dirigente reforçou também que esse trabalho vem sendo desenvolvido nas unidades de produção das mulheres e, na maioria das vezes, essa tarefa parte de uma atitude bem pessoal. “Em algumas famílias é difícil fazer com  que esse trabalho avance. Mas as mulheres conseguem desenvolver em seus quintais, na horta, no pomar, em torno da casa”, destacou.

Na assembleia, as mulheres camponesas mantiveram expostas às amostras da diversificação da produção. “A assembleia foi um momento de troca de saberes também diante de toda produção que se manteve na exposição nesses dois dias”.  

Primeira Assembleia das Crianças Camponesas

O Portal Desacato realizou uma entrevista coletiva com as crianças camponesas que realizaram a sua primeira assembleia durante a atividade do MMC. Você pode conferir o material na íntegra acessando:

Avaliação

O compromisso assumido pelo movimento após a realização da assembleia segundo Noeli Welter Taborda, da Direção Nacional do MMC, é de reorganizar e fortalecer a base das mulheres. “Precisamos fazer formação, temos a grande necessidade de continuar fazendo os estudos, entender o momento que vivemos. A  luta é central para não perdermos os direitos e por isso para nós ficam fortes os desafios de retornar com essa tarefa de construir estratégias de luta com os demais movimentos, pensar formas de sustentação do movimento, pensar a comunicação, aquilo que nós defendemos enquanto mulheres camponesas organizadas e que queremos mostrar para a sociedade”.

Noeli Welter Taborda.

Noeli disse ainda que o movimento possui um projeto em andamento relacionado aos quintais produtivos,  o qual envolve saberes sobre as sementes crioulas, o cuidado com a vida e a natureza. “Esse projeto já foi desenvolvido por meio de oficinas em 86 municípios, vamos retornar agora e dar continuidade a essas oficinas, ampliando para mais municípios. É importante dizer que a agroecologia pode ser feita em quintais produtivos na cidade, nas hortas urbanas, pomares. A agroecologia não acontece apenas na roça”, finalizou.  

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