A médica Suhelen Calderon Cortez, 30, deixou a unidade de saúde em que trabalhava, na cidade de Bebedouro, interior de São Paulo, na tarde de quarta-feira (28), e, enquanto chegava em seu carro, foi baleada seis vezes e morreu na hora. O criminoso fugiu sem levar nada. Esse tipo de crime tem crescido vertiginosamente no estado.
Na contramão de todos os indicadores criminais, que estão em queda em São Paulo, o homicídio doloso — com intenção de matar — contra mulheres subiu 220% nos primeiros sete meses deste ano. Entre janeiro e julho de 2018, 71 mulheres foram assassinadas no estado. No mesmo período de 2019, foram 227 vítimas mulheres.
Os dados são da SSP (Secretaria da Segurança Pública) e estavam ocultados da página de estatísticas da pasta até o dia de hoje. A última atualização havia sido feita em dezembro de 2018, ainda na gestão do ex-governador Márcio França. Hoje, após a reportagem questionar o governo estadual sobre a falta das informações, os dados foram atualizados. Segundo a pasta, houve um erro no sistema.
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A divulgação dos dados de violência contra a mulher é baseada na lei número 14.545, de 14 de setembro de 2011, de autoria da deputada Analice Fernandes (PSDB). Segundo a lei — que fica exposta no topo da página da SSP —, o poder executivo deve manter organizado um banco de dados destinado a dar publicidade aos índices de violência contra a mulher, a fim de instrumentalizar a formulação de políticas de segurança pública.
Homicídios dolosos contra mulheres em 2019:
- Janeiro: 33
- Fevereiro: 27
- Março: 38
- Abril: 42
- Maio: 34
- Junho: 35
- Julho: 18
Homicídios dolosos contra mulheres em 2018:
- Janeiro: 5
- Fevereiro: 10
- Março: 9
- Abril: 26
- Maio: 10
- Junho: 4
- Julho: 7
Desse total de homicídios dolosos contra mulheres, apenas 73 foram tipificados na delegacia como feminicídios — quando a vítima é assassinada pelo fato de ser mulher — entre janeiro e julho deste ano. Um aumento de 9% com relação aos feminicídios registrados no estado no mesmo período do ano passado: 67.
Segundo a promotora de Justiça Gabriela Mansur, o número de feminicídios já está comprovado. “Muito embora os inquéritos policiais tipifiquem num primeiro momento como homicídio doloso, ao enviá-lo ao Ministério Público, cadastramos no nosso sistema como feminicídio, porque é uma morte violenta pelo fato de ser mulher”, disse.
De acordo com a promotora, “é triste que ainda não tenha investigação sob a perspectiva de gênero, para saber se a vítima tinha relacionamento abusivo e se estava num ciclo de violência”. Isso, segundo ela, seria importante para planejar políticas públicas de prevenção e de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Juliana Gentil Tocunduva, promotora de Justiça do Tribunal do Júri de São Paulo, afirmou que o dado, que “mostra um expressivo aumento”, vai ao encontro da ausência de políticas públicas de prevenção. “E de mudança de mentalidade da sociedade como um todo, porque essa violência é machista, fruto da posse, do ciúmes. E há a necessidade de se enfrentar essa situação para prevenir a prática desses crimes”, disse.
Fabiana Paes, promotora de Justiça do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica, disse que “o feminicídio é apenas a ponta do iceberg”. “Quando ocorre o feminicídio, é a demonstração de que não houve trabalho eficaz na prevenção, oitiva e investigação. Existe certamente falhas no estado brasileiro, num geral, porque somos o quinto país que mais mata mulheres no mundo. Esses dados são inaceitáveis”, afirmou.
Procurada, a SSP informou que a base de dados entre 2018 e 2019 é diferente. No site, não há informações sobre isso.
Dados ocultados pela gestão Doria
Enquanto os dados de todos os indicadores criminais que estão em queda são divulgados pelo governo Doria, o número de homicídios contra as mulheres estava ocultado até a tarde de hoje. Na aba do site de estatísticas da SSP que deveria mostrar esses indicadores, não havia atualização desde dezembro do ano passado.
Para Samira Bueno, diretora do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), “preocupa muito essa falta de transparência, em especial dos indicadores que têm crescido. A não atualização do site revela pouca transparência do governo.”
De acordo com ela, o aumento no número de feminicídios vem sendo observado nos últimos meses. “Os esforços do estado têm que ir além de criar delegacias. Não é suficiente quando a mulher não se sente encorajada para ir à delegacia. Manter as delegacias abertas é uma política importante, mas é preciso fazer o acolhimento dessa mulher. O estado tem, sim, o dever de proteger as mulheres, mas tem sido incompetente”.
Segundo a promotora Fabiana Paes, toda administração pública deve prezar pela transparência e publicidade dos dados. “É um preceito importante. No meu entendimento, de forma genérica, para qualquer governo de estado, em qualquer esfera, a administração pública tem que se pautar pela transparência. É parte da democracia”, disse.
“É importante manter as estatísticas atualizadas. Pois se não temos como ver, não temos como saber o que fazer. Os dados são importantes para traçar política pública de combate à violência contra a mulher. Se não há diagnóstico, não há remédio”, complementou a promotora.
Outro lado
Por meio de nota, a SSP informou que, “por um erro de processo interno, os dados de violência contra as mulheres — apurados, compilados e divulgados regularmente — ficaram indisponíveis para visualização no portal. A SSP agradece ao UOL por ter apontado a falha e informa que já sanou o problema.”
“Em que pese o erro, a Secretaria da Segurança mantém seus dados de qualquer tipo de ocorrência abertos e disponíveis para a população desde 2001. Somente neste ano e especificamente sobre violência contra a mulher, foram atendidos mais de 120 pedidos da imprensa e dez demandas de cidadãos”, complementou a pasta.
Ainda segundo a secretaria, “os dados estatísticos de violência contra a mulher apurados de forma contínua dão importante subsídio para as políticas públicas de segurança desta gestão. De janeiro para cá, apenas na área da segurança, este governo já ampliou de uma para 10 as delegacias de Defesa da Mulher 24 horas em todo o estado”.
A SSP informou que, nos primeiros sete meses do ano, todas as ocorrências de feminicídio registradas foram esclarecidas.