Feijão deverá ter muito mais agrotóxicos do que já tem atualmente

Dos 1.033 novos produtos liberados pelo governo Bolsonaro desde janeiro de 2019, pelo menos 114 são usados nas plantações de feijão

Rico em preoteínas, vitaminas, fibras e ferro, o feijão poderá se tornar uma ameaça à saúde. Foto: Fábio Nolêto/Embrapa

Por Cida de Oliveira.

O feijão está na feijoada, na dobradinha, no baião de dois, no tutu, no virado à paulista e, assim, ao lado do arroz, forma a base do cardápio típico, e quase que diário, do povo brasileiro. Mas se o feijão é agro e é pop, é também carregado de agrotóxicos. A situação é tão séria que os empacotadores passaram a fazer testes rápidos no feijão ainda na carreta, para detectar os níveis de resíduos de agrotóxicos. As cargas com resíduos acima do permitido já são devolvidas no ato para os produtores. Segundo o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), a devolução de carretas e carretas está deixando esses agricultores “irados com a situação atual”.

O procedimento que tem desagradado agricultores exagerados no uso de agrotóxicos foi a saída encontrada pelos empacotadores para evitar multas pesadas, aplicadas pelo Ministério da Agricultura. Muitas delas chegam a R$ 490 mil por carreta.

Rastreabilidade do feijão

“Infelizmente ainda há um grande número de produtores que não se importam em produzir um feijão que eles próprios não consumiriam”, disse à RBA o presidente do Ibrafe, Marcelo Lüders. Essas multas, segundo ele, são uma forma de o ministério pressionar o setor a acelerar o processo de rastreabilidade da cadeia do feijão. Na prática, isso significa a adoção de tecnologias que concentrem todas as informações do produto desde a escolha da semente e preparação do solo até a chegada na prateleira dos supermercados.

Ou seja, um banco de dados que informe onde aquele feijão foi cultivado, que agrotóxicos foram usados e em quais quantidades, entre outras coisas. Boa prática para o consumidor, que pode finalmente saber o que está comendo, a rastreabilidade valoriza e fortalece a cadeia produtiva, aumenta a produtividade e abre portas para o mercado externo. Afinal, o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de feijão. Mas exporta apenas 8% de sua produção devido ao alto consumo interno.

Feijão para o futuro

“O feijão será uma das principais fontes de proteína no futuro. Isso porque é crescente o número de pessoas que deixam de comer carne, aumentando a demanda por nutrição vegetal. Além das mudanças no perfil de consumo, há também a necessidade de produção mais sustentável, com menor uso de água e baixa emissão de carbono”, disse Lüders. Sem contar o preço mais acessível, apesar das altas e baixas de preços ao consumidor. Um prato de feijão custa cerca de US$ 0,20 atualmente.

É nessa produção de qualidade superior mirando o mercado externo, mais exigente e intolerante com os agrotóxicos, que repousam as esperanças de que esse alimento básico seja mais saudável para todos.

Os empacotadores não informaram quais são os princípios ativos mais encontrados nas carretas devolvidas. Mas há algumas pistas espalhadas que ajudam a dar uma ideia de que venenos estão no prato junto com o feijão nosso de cada dia.

Resíduos de agrotóxicos

O último monitoramento da presença de agrotóxicos no feijão no âmbito do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) corresponde ao período de 2013 a 2015. Na época o programa coordenado pela Anvisa em conjunto com órgãos estaduais e municipais de vigilância sanitária analisou 709 amostras da leguminosa.

O agrotóxico mais encontrado foi o fungicida Carbendazim, em 457 amostras. Em oito havia concentrações acima do limite máximo permitido das substâncias fempropatrina, flutriafol, imidacloprido, permetrina, pimimifós-metílico, procimidona e tiametoxam.

Em 48 foram detectados resíduos de agrotóxicos não autorizados para uso no cultivo do feijão, entre eles o pirimifós-metílico, detectado irregularmente em 2,4% das amostras monitoradas em 2015. Dois anos antes, a Anvisa excluiu o feijão das culturas alvo do produto.

Proibido na União Europeia, o carbendazim está sendo reavaliado pela Anvisa desde janeiro de 2020. Segundo a Anvisa, há fortes indícios de que cause câncer e que faça alterações no DNA das células. Esse dano pode levar ao aparecimento de diversos tipos de câncer, entre outras doenças, além de prejudicar o sistema reprodutivo e o desenvolvimento.

Efeitos nocivos

Entretanto, pesquisas recentes relacionam o produto a consequências ainda mais complexas e nefastas. “O carbendazim tem a capacidade de atravessar a placenta, atingindo o embrião ou feto e causando diversas alterações e malformações. Está associado também à infertilidade, a disfunções nas células do fígado, do sangue e à desregulação no sistema endocrinológico. Ou seja, prejudica as glândulas que secretam os hormônios que controlam funções vitais. Sem contar efeitos nocivos ao meio ambiente”, disse o professor e pesquisador Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).

Pedlowski criou uma espécie de observatório das liberações de agrotóxicos pelo governo Jair Bolsonaro. Conforme a fonte de dados, dos 1.033 liberados desde sua chegada à presidência, em janeiro de 2019, 114 são indicados para as lavouras de feijão.

Desse total, 43 são proibidos na União Europeia. É o caso do fungicida Mancozebe. A ficha de informações de segurança do produto de nome comercial Dithane, da Dow Agrosciences, um dos fabricantes, informa que a exposição crônica trouxe danos ao fígado e à tiróide de ratos de laboratório. E ainda causou câncer em caso de exposição a doses elevadas. Cobaias fêmeas expostas tiveram crias com defeitos congênitos, já que o produto é tóxico para o feto.

O ingrediente ativo será banido a partir de junho na União Europeia. Isso porque uma reavaliação da Agência Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) apontou o produto como causador de alterações endocrinológicas. Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) o avalia como provável cancerígeno.

Tumor maligno

Fungicida mais vendido no Brasil segundo a associação de fabricantes de agrotóxicos genéricos, a Aenda, o Mancozebe é classificado pela Anvisa como medianamente tóxico. No entanto, o Insituto Nacional de Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, o fungicida está associado ao desenvolvimento de linfoma não-Hodgkin. Esse tumor maligno, que ataca o sistema imunológico, tem levado pessoas doentes dos Estados Unidos a processar a Bayer, fabricante do glifosato, outro princípio ativo relacionado à grave doença.

Outro agrotóxico perigoso à saúde na lista é o inseticida Clorpirifós, classificado como altamente tóxico. Segundo o Inca, está relacionado a leucemias, linfomas não-Hodgkin e de pâncreas. Pesquisas como as da pesquisadora Barbara Demeneix, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, aponta que o princípio ativo causa danos como distúrbios hormonais, deficiência mental irreversível nos fetos e diminuição de até 2,5 pontos de QI (quociente de inteligência) das crianças.

Mas não se pode esquecer os produtos letais às colmeias de abelhas em todo o mundo, como os inseticidas fipronil e o tiametoxam, banidos da União Europeia em 2017.

Ameaça à saúde

Outra evidência gritante do envenenamento do feijão brasileiro é o limite máximo de resíduos para o inseticida malationa no Brasil, que é de 8 miligramas por quilo (mg/kg), o que significa uma tolerância 400 vezes maior do que a da União Europeia, que é de 0,02 mg/kg. A discrepância é mostrada no Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, de autoria da professora e pesquisadora do Departamento de Geografia da USP Larissa Mies Bombardi

Se nenhuma medida efetiva for tomada em relação a um problema tão grave, os empacotadores deverão devolver ainda muitas e muitas carretas aos produtores. E o feijão se tornará uma ameaça à saúde.

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