Por Leonardo Coelho.
O prédio da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro foi ocupado na última sexta-feira (20/10) por dissidentes da atual diretoria. Segundo os ocupantes, a FAFERJ vem sendo lentamente destruída em seu papel pelo presidente Rossino Carvalho, que está há dois mandatos à frente da instituição.
A ocupação se deu de forma pacífica, com mais de 80 pessoas tomando o prédio histórico da federação, que fica no centro do Rio de Janeiro. A polícia foi chamada pela atual diretoria e levou os representantes de ambos os lados para a quarta delegacia de polícia, que decidiu que a situação deveria ser tratada no âmbito jurídico.
De acordo com os manifestantes, uma das justificativas para o protesto foi a desativação da associação durante a atual gestão. Em entrevista à Ponte, o atual presidente, Rossino Carvalho, admitiu que o CNPJ está inválido desde fevereiro de 2015, mas que o nome FAFERJ persiste, ainda que como nome fantasia de uma outra associação de sigla FAFCAERJ (Federação das Associações de Favelas Comunidades e Amigos do Estado do Rio de Janeiro). “A federação tinha várias dívidas e ficou inadimplente”, disse Rossino quando questionado. “Mas eu fiz reunião com os associados e foi concedida uma autorização para constituirmos uma nova entidade para prosseguir o trabalho social que a FAFERJ fazia. O cartório registrou tudo. Eu pedi pra eles que postassem em ata para que usássemos o nome FAFERJ como nome fantasia já que não tínhamos mais CNPJ”, explicou.
A representante dos ocupantes, Deusimar da Costa, afirmou que o que houve foi uma omissão costumaz, que é um conceito do direito tributário para um CNPJ que é desativado por falta de pagamento de tributos. Uma consulta rápida no site da Receita Federal comprova a versão de Deusimar. Em fevereiro de 2015 a FAFERJ teve seu CNPJ original (30493993000141) baixado devido à Omissão Costumaz.
“Mesmo estando há 12 anos na direção ele deixou isso acontecer” disse a representante, que ainda adicionou que o mandado de Rossino terminou em 2016. “Nós não invadimos nada, apenas retomamos a FAFERJ porque esse é um local aberto pra quem vem de comunidade”. Segundo os dissidentes representantes de 125 favelas do Estado do Rio de Janeiro, descontentes com os rumos da federação, se reuniram para refundar a FAFERJ em ata promulgada no último dia 11 de setembro.
Outra questão de discordância entre os grupos é o destino do prédio, que foi cedido pela União ao Estado do Rio de Janeiro, que fez a cessão para o funcionamento da FAFERJ durante o governo de Marcelo Alencar e tem seus andares superiores sublocados. Segundo a atual diretoria, essa sublocação serve para ajudar a pagar a manutenção do prédio, que gira em torno de 3 mil reais mensais. Em uma caminhada pelo prédio, que se encontra em péssimo estado de conservação, a reportagem observou uma gráfica em funcionamento, uma sala cheia de gatos em gaiolas e uma cozinha para confecção de marmitas, além de um cubículo alugado para um comerciante.
A dita nova federação quer fazer o que supostamente não vem sendo feito pelo grupo de Rossino, que é transformar a FAFERJ novamente em um nome de referência nas lutas sociais. Gilson Rodrigues, vice-representante do grupo dissidente, comentou que o papel histórico da FAFERJ, que tem origem em 1963 e transcorreu todo período de ditadura e redemocratização, vem sendo esvaziado. “Hoje muitos nem sabem nas comunidades o que é e o que fez a FAFERJ. Nosso Estado tem mais de duas mil favelas. Isso aqui era pra ser uma potência”, lamenta.
Secretário da FAFCAERJ, Felipe dos Anjos discorda sobre o esvaziamento da instituição. “Nossa principal função é fundar e regularizar associações de moradores e isso vinha sendo feito.” disse, em alusão às ações disponíveis na página da FAFERJ no Facebook. Deusimar afirma que agora resta começar o trabalho do zero e o primeiro passo já foi dado. “Vamos fazer as declarações que não foram feitas e pagar as multas adquiridas pela FAFERJ. Nosso objetivo é reestabelecer o CNPJ original”.
Histórico da FAFERJ
A história das associações de favelas no Rio de Janeiro tem origem décadas antes da criação da FAFERJ. Em meados da década de 40 foram criadas as primeiras Comissões de Moradores em comunidades de Copacabana para resistência à remoção para os chamados Parques Proletários. Esse processo associativo seguiu nos anos seguintes com o apoio da Igreja Católica, que orientou a criação de outras diversas associações. Entre 1954 e 1959, foram criadas a Unia?o dos Trabalhadores Favelados (UTF) e a Coligac?a?o dos Trabalhadores Favelados (CTF), que viriam a ser os protótipos de uma associação unificada de moradores de favelas.
A história da FAFERJ se inicia em 1963 no contexto das lutas contra as remoções promovidas pelo então governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda. Segundo o estudo da historiadora Eladir Fátima Nascimento dos Santos, a atuação de Lacerda no poder pontuou fortemente o que era chamado então de “desordem urbana”, prometendo romper um suposto atraso que impedia o desenvolvimento da cidade. “Durante o processo de remoc?a?o da favela do Pasmado, em Botafogo, vinte e oito associac?o?es surpreenderam os poderes pu?blicos num processo de disputa pelo espac?o urbano, quando resolveram se organizar em federac?a?o e empreender uma luta contra o remocionismo. Dessa forma foi criada, em junho de 1963, a Federac?a?o das Associac?o?es de Moradores do Estado da Guanabara (FAFEG) com o objetivo de organizar a luta contra as remoc?o?es de favelas.”
Sua atuação durante a ditadura militar (1964-1985) foi marcada inicialmente por um grande enfrentamento com o governo, que teve severas consequências. Diversos membros originários da FAFERJ foram detidos. Parte desse núcleo criador participou inclusive da criação do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). De 1964 até 1977, parte da FAFERJ foi dominada por um grupo político da direita fluminense, sendo retomada apenas no contexto da redemocratização.
No estudo feito por Eladir dos Santos, a historiadora entrevistou o líder comunitário do Chapéu Mangueira, Lúcio de Paula Bispo, que afirmou que os favelados contavam com uma vantagem na luta contra a ditadura: “Os aparelhos de repressão, por preconceito contra os favelados da cidade, não acreditavam que estes fossem capazes de se organizar politicamente e lutar contra ditadura militar”.
Fonte: Ponte