“Favela: O lugar de onde eu vim se inquieta com o preconceito dos capitalistas”

‘Preconceito’ e Periferia, foram temas de discussão do Seminário da Cidade realizado em São Miguel do Oeste- SC, no último mês. História de violência foi retratada por um jovem militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e contexto desperta para mobilização maior a respeito do tema.

Por Claudia Weinman.   

Nascido em uma comunidade empobrecida de São Miguel do Oeste-SC, a qual fora denominada como Nossa Senhora das Graças, Paulo Roberto Fortes, 21 anos, é estudante. Na comunidade onde nasceu, aproximadamente 60 famílias dividiam o território que tinha como proprietário um empresário desconhecido pelos moradores das margens. O terreno foi sendo desapropriado aos poucos e no ano de 2006, Paulo e a família passaram a residir no Conjunto Habitacional Vila Nova I, situado às margens de São Miguel do Oeste. Outras famílias também passaram a compor a Vila, vinham de diferentes lugares do município, especialmente e prioritariamente, o sistema os tornou moradores de periferia.

            A antiga ‘Nossa Senhora das Graças’ foi totalmente desapropriada no ano de 2011, quando todos os moradores foram transferidos para o Conjunto Habitacional Vila Nova II, que fica próximo à Vila Nova I e é berço de diversos problemas sociais, culturais, econômicos, principalmente por ser uma das comunidades mais esquecidas de São Miguel do Oeste por parte do poder público municipal, que tem se omitido em implantar projetos políticos sociais na comunidade. A exemplo da Vila Nova II, a comunidade onde a família de Paulo busca sua sobrevivência também passa por dificuldades.

            Entre os principais problemas enfrentados pelas duas comunidades, está o preconceito, que é intrínseco e está diretamente ligado à criminalização, especialmente dos jovens que não conseguem emprego como alguém que mora na cidade, vivem rotulados e por isso as amizades fora do espaço são limitadas e ainda, são subjugados até mesmo ao adentrar um estabelecimento comercial, por mais simples que seja. “Isso tudo gera revolta, constrangimento, e também desejo de mudar essa realidade. No entanto, as alternativas para isso acontecer nem sempre chegam até o local que frequentemente é ‘visitado’ pela polícia, que também criminaliza e violenta moralmente e fisicamente os moradores”, relatou o garoto.

Paulo foi agredido por policiais militares e até hoje recorda a história de terror que vivenciou. Foto de arquivo.
Paulo foi agredido por policiais militares e até hoje recorda a história de terror que vivenciou. Foto de arquivo.

A história de Paulo e de diversas pessoas que sobrevivem nas favelas de São Miguel do Oeste e do Brasil todo, foi tema de debate no último mês, quando aconteceu mais uma edição do Seminário da Cidade, realizado pela Paróquia São Miguel Arcanjo, de São Miguel do Oeste. Entre as oficinas, as pautas “Periferia” e “Preconceito”, mediada pelo coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR), trouxe uma abordagem histórica sobre a formação das favelas\periferias, resgatando segundo o Jovem Wesley Padilha, que é um dos militantes do coletivo, a resistência de um povo excluído pelo sistema Capitalista.

Preconceito

Ao falar sobre o preconceito enfrentado pelos jovens e moradores das favelas, Padilha trouxe para reflexão o preconceito inconsciente que ocorre quando trata-se a favela como periferia. “Periferia refere-se ao um conceito geográfico, pois tudo que está entorno de um centro é periferia. Assim denominam favela como periferia, comunidade ou aglomerado subnormal para maquiar e oprimir a luta que se tem nesses espaços”, explica.

Padilha reforça ainda dizendo que além da luta que se encontra no campo da semântica, elementos sobre a disputa que se tem no campo cultural das favelas, é muito forte. “A resistência contra o sistema capitalista se manifesta por meio da música, da dança e do esporte, disputa espaço com o nicho de mercado que é imposto pela indústria cultural. As reflexões realizadas na oficina e no seminário como um todo, deixam claras as necessidades de se conhecer as realidades dos povos para de fato se fazer uma igreja CEBs, provenientes das Comunidades Eclesiais de Base”.

O preconceito discutido durante a oficina, também já foi vivenciado pelo Jovem Paulo Roberto Fortes, que no início desta matéria, evidenciou parte de sua realidade. Muito antes de integrar o coletivo como jovem da Pastoral da Juventude do Meio Popular, ele já conhecia como era nascer em um local onde as políticas públicas apareciam apenas de tempos em tempos, especialmente nos períodos eleitorais. No entanto, ao sofrer com a violência policial, aplicada diretamente a ele, a percepção sobre a necessidade de mudança dessa realidade, foi aumentando.

E assim, ele contextualiza como conheceu a PJMP e também a experiência infeliz de sentir a sobreposição de uma farda, a sua condição social, sua cor, sua vida. “Minha identificação com a Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) se deu a partir do primeiro encontro de formação de base, realizado em São Miguel do Oeste. Fomos inseridos em pensamento e reflexão política dentro de uma mística que tr
azia como elemento principal um vídeo que mostrava o trabalho explorado em série. Essa cena me chamou atenção pelo fato que essa mesma rotina acontecia na minha casa, e na casa da grande maioria das famílias da Vila”.

 Paulo conta que foi percebendo as contradições mesmo no início do processo de formação junto ao coletivo. “Passei com isso a gostar do espaço da pastoral, das pessoas, era algo diferente que estava acontecendo na minha vida. A partir dessas experiências que foram ocorrendo aos poucos, não pensei mais em desistir da pastoral. Logo conheci a PJR que tem luta coletiva com a PJMP e comecei a contribuir mais tarde, nos encontros de grupos de jovens, auxiliando nas dinâmicas e também nas discussões”.

periferia
O garoto, de apenas 21 anos, mora na comunidade Vila Nova I, em São Miguel do Oeste, onde sobrevive principalmente ao preconceito. Foto: Claudia Weinman.

“Perseguição motivada pelo preconceito e arrogância de uma sociedade dividida em classes”

O ano de 2013, traz um marco importante na história do Paulo, pois ao discutir junto a PJMP e PJR a necessidade de mudança da realidade de quem mora na periferia, ao questionar o preconceito, a violência, o ataque policial mudou o rumo de algumas concepções. “Fui atacado diretamente pelas forças contrárias.  Ao sair de uma das formações em direção a Vila, junto a alguns companheiros da PJMP, policiais militares iniciaram uma constante perseguição motivada pelo preconceito e arrogância de uma sociedade dividida em classes”.

Dois policiais desembarcaram da viatura e agrediram Paulo com socos e pontapés, mandavam calar a boca, proferiam xingamentos e de maneira absurda não relatavam o ‘motivo’ das agressões. “Outros companheiros que estavam por perto conseguiram ligação com alguns integrantes do coletivo que chegaram ao local logo após a fuga dos policiais. Até hoje, a favela, o lugar de onde eu vim, se inquieta com o preconceito dos capitalistas”.

Esse fato, segundo Paulo, marca bastante a sua vida militante. “Me senti inferior naquele instante em que estava sendo agredido e ao mesmo tempo, vi a segurança que o coletivo me dá. Percebi que não fui agredido de maneira individual, mas que a agressão foi coletiva pois eu estava representado na fisionomia de um jovem morador de periferia, onde a condição social e a cor foram os únicos e exclusivos motivos que levaram os policiais a me agredirem. Muitos outros jovens também foram e são constantemente violentados, parte desses ou a maioria não denuncia por sentir-se ‘sozinho’, mas eu estava ali, machucado mas ‘protegido’ por um coletivo maior que denunciou as atrocidades e segue denunciando essa história de terror que vivemos naquele ano”.

Antiga comunidade Nossa Senhora das Graças, antes da desapropriação das famílias. Foto: Claudia Weinman.

Antiga comunidade Nossa Senhora das Graças, antes da desapropriação das famílias. Foto: Claudia Weinman.

“Está tudo errado no Brasil”

            Desde o falso descobrimento do Brasil e do real massacre de inúmeros povos, Wesley Padilha reforça a necessidade de se discutir o preconceito, a violência, criando estratégias para a libertação dos filhos\as da terra. “Tudo de errado no Brasil começa com seus elementos históricos. A invasão que fez com que o povo indígena vivesse um verdadeiro genocídio, o que continua na atualidade, os negros que foram ‘libertados’ com fome e sem-terra, enfim, está tudo errado no Brasil”, diz ele.

            Padilha reforça também a necessidade de construir uma nova forma de vida, que não seja alicerçada no ‘coitadismo’ e na caridade. “Tratam as pessoas que vivem nas favelas como coitados, os indígenas coitados, os negros, coitados. Basta desse pensamento. Distribuem balas aos ‘coitados’ nas épocas de natal, isso é ridículo, a luta perpassa, ela é maior. E por isso trouxemos todos esses elementos para a discussão durante o seminário, pois entendemos que precisamos superar conceitos estabelecidos pela sociedade capitalista para iniciar um processo de transformação”, finalizou.

Foto III: Claudia Weinman: O garoto, de apenas 21 anos, mora na comunidade Vila Nova I, em São Miguel do Oeste, onde sobrevive principalmente ao preconceito

Foto IV Claudia Weinman: Antiga comunidade Nossa Senhora das Graças, antes da desapropriação das famílias

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