Farinhas do mesmo saco

Por Lúcio Flávio Pinto*.

Políticos que já ocuparam seu lugar na história do Pará encerraram ou estão encerrando suas carreiras melancolicamente. Outros, que começam agora ou agora se aproximam do poder, podem sequer chegar a essa posição. Mesmo que ganhem. Quem perde é o Pará.

O domínio da política do Pará durante o regime militar (de 1964 a 1985) ficou dividido entre os coronéis Jarbas Passarinho e Alacid Nunes. Até o golpe militar que depôs o presidente João Goulart, os dois eram “anfíbios”. A denominação se aplicava aos militares que tinham um pé no quartel e o outro na política.

Como fez o curso de Estado Maior, que faltou a Alacid, Jarbas foi protagonista na cena política nacional antes de nela ingressar como detentor de um mandato eletivo. Era um dos “jovens turcos” atraídos para a militância política pelas lideranças udenistas, gravitando em torno do mais brilhante dos seus quadros, o jornalista Carlos Lacerda. Jarbas chegou a exercer função técnica na SPVEA, que antecedeu a Sudam, e a superintendência da Petrobrás na Amazônia.

A participação de Alacid sempre foi mais discreta. Fora do quartel, o máximo que ele conseguiu foi ser delegado de polícia no Amapá, onde conquistou o título de “sargentão” por seus métodos um tanto truculentos. Mas tinha um padrinho poderoso: o marechal Cordeiro de Farias, um líder tenentista também com um pé na carreira castrense e outro na política (e mais um, nada simbólico, embora fisicamente impossível, na indústria; no caso, o cartel do cimento de João Santos).

Jarbas e Alacid subiram juntos em 1964. Jarbas, como sempre, indo mais alto, ao governo, enquanto Alacid ficava na prefeitura de Belém. Na eleição seguinte, a de 1965, a última tolerada pelos militares para a escolha dos principais executivos públicos, Alacid substituiu Jarbas, que, no ano seguinte, foi para o Senado.

Com brilho nacional, Jarbas se descuidou das bases locais e deu folga à esperada fidelidade do companheiro e correligionário. A disputa de 1966 foi o derradeiro exercício de fidelidade incondicional entre ambos. A partir daí, os antagonismos foram crescentes, até se tornarem inimigos odiados, um procurando a destruição do outro.

Acabaram ambos destruídos – por si e com a decisiva participação de um coronel sem divisas, formado na própria política. Ao invés de apoiar Jarbas para sucedê-lo, como fora acertado pelos coronéis diante do general-presidente João Figueiredo, Alacid deu o golpe fatal: colocou a administração estadual a serviço do deputado federal Jader Barbalho, que era da oposição ao regime militar, que deu poder político aos dois coronéis.

Jader derrotou o empresário Oziel Carneiro a duras penas. A máquina estadual se mostrou mais eficaz do que o aparato federal, mesmo contando com menos recursos (é porque está mais próxima do cidadão e, por consequência, do eleitor). Mas a aliança de Jader com Alacid só durou um semestre: logo o governador inventou um pretexto (a suposta traição dos “alacidistas” à candidatura de Tancredo Neves à presidência da república, para apoiar Paulo Maluf ou Mário Andreazza) e rompeu o acordo. Queria governar sozinho.

Surpreendentemente, Jader foi atrás de Jarbas para lhe oferecer apoio quando a esposa do seu novo aliado, Ruth, morreu em pleno início de campanha para a recuperação do mandato senatorial. Jarbas cuidou da mulher e o governador dos currais eleitorais. Passarinho foi eleito – mas pela última vez. O veneno não fez efeito imediato. Mas foi letal.

Sempre amparado pela força coercitiva do regime militar, Alacid se esqueceu de que suas vitórias não eram pessoais. Parte dos trunfos se devia a aliados e correligionários. Achando que tinha liderança própria bastante para se eleger sem depender de ninguém, Alacid dormiu eleito deputado federal no final da apuração dos votos e acordou na suplência. O jovem (mas nada neófito) Vic Pires Franco tomara-lhe o lugar. E Alacid nunca mais o recuperou.

Foi com derrota que os dois principais líderes políticos do regime militar encerraram suas carreiras. Este é agora o destino de outro líder político, que transitou da ditadura para a democracia pulando barreiras e queimando pontes superadas: o médico Almir José de Oliveira Gabriel.

Almir foi derrotado por Ana Júlia Carepa, em 2006, quando imaginava que a sua consagração como novo governador era apenas uma questão de tempo. Passou à frente de Simão Jatene para conquistar a glória de ser o único governador eleito pelo voto direto do povo para um terceiro mandato. Perdeu mediocremente para uma candidata do mesmo tipo.

Desde então Almir experimentou vários partidos, diversos discursos, as mais disparatadas companhias, mas não encontrou o seu lugar. Depois de tantos ziguezagues e de posturas bizarras, imaginou, afinal, ter acertado: voltaria a ser prefeito de Belém. Não mais como em 1985, quando deveu o cargo ao governador Jader Barbalho, do qual seria tão somente o secretário municipal da capital. Agora Almir retornaria com o povo.

Era o que ele pensava, ao seu modo, cada vez mais surreal, febril, delirante. Se tivesse podido disputar a prefeitura de Belém, Almir devia essa possibilidade a uma pessoa: o atual prefeito Duciomar Costa. Atraído pelo canto de sereia do alcaide, o ex-senador e ex-governador jogou fora os resquícios de lucidez e respeito à própria biografia, à maneira da frase tristemente célebre do ministro Jarbas Passarinho em relação aos escrúpulos da consciência sobre o fúnebre AI-5, que ele assinou, já sem a consciência.

Duciomar Costa se celebrizou como o falso médico, que forjou um diploma para poder atender seus clientes como se fora um oftalmologista. Foi condenado por essa farsa pela justiça federal. Só não cumpriu a pena devida porque a ação prescreveu.

Quanto a Almir, não há dúvida ter sido médico – e, durante certo tempo, um bom médico. Nem por isso se sentiu eticamente impedido de apoiar o falso médico Duciomar Costa quando ele concorreu ao Senado como mais um “senador do governador”, que era Almir, pródigo no uso da máquina pública para os seus afilhados e, principalmente, acólitos (da sua insaciável vaidade).

O mundo girou desde então e agora as posições aparecem invertidas: o tacanho Duciomar era quem parecia dar nova vida ao semiarquivado Almir Gabriel, personagem da biografia que mais fotografias dedicou ao biografado nos anais dos livros humanos em todos os tempos.

O esquema parecia acertado – e, se fosse certo mesmo, já não seria bom: Almir seria o candidato do PTB de Duciomar; mas o prefeito apoiaria outro candidato, que seria o seu secretário e amigo do peito Sérgio Pimentel, em outro partido.

O risco para Amir de ser apenas o boi de piranha era grande. Mas parece que nem isso mais lhe resta. Fontes políticas garantem que ele não será mais o candidato do PTB, por um ou outro motivo (ou por todos eles, da rasteira de Duciomar à oposição da família, preocupada com as condições de saúde do ex-governador, considerada por outros como incapaz de resistir a uma campanha eleitoral), sacrificado pelo nome mais exuberante do invisível vice-prefeito Anivaldo do Vale, que é do PR.

Pode ser que tudo não passe de especulação para que mais especulação surja. Qualquer que venha a ser a decantação de tanta informação em circulação na praça, o certo é que talvez Almir Gabriel, o pregoeiro do novo Pará, o porta-estandarte da nova bandeira de dignificação do Estado, irá para casa (ou qualquer outro lugar) com um final mais melancólico do que o de Jarbas (que ele um dia declarou indigno) e Alacid (que o pôs na secretária de saúde do Estado no primeiro dos seus dois mandatos de governador), imaginando que o auxiliar jamais chegaria tão longe.

Longe foram esses líderes políticos do Pará. Caíram, porém, de uma forma súbita, cruel, paradoxal em relação ao que prometiam (e pretendiam) ser. Estes, pelo menos, já têm seu lugar marcado na história do Estado, mesmo que seja um lugar canhestro ou mesquinho.

E Arnaldo Jordy (do PPS), colocado numa pesquisa precária no segundo lugar entre os candidatos a candidatos à prefeitura de Belém na eleição deste ano, abaixo apenas do ex-prefeito e deputado estadual (do PSOL) Edmilson Rodrigues?

Jordy exerce mandatos legislativos há muito tempo. O máximo que conseguiu foi pular da Câmara Municipal de Belém para a Assembleia Legislativa do Estado. Os saltos seguintes, para o executivo, não deram certo. Não por falta de tentativas em alianças as mais diversas e imprevistas, num ziguezague que até se assemelha ao de Almir Gabriel, como personagem camaleônco merecedor de ser chamado de Zelig.

Mas agora, protegido dos acompanhantes mais críticos da sua trajetória e próximo dos que se deixam impressionar e cativar pelas aparências, Jordy surgia com possibilidades reais de interromper as alianças firmadas no poder municipal. Até que surgiu o escândalo em torno da gravação de uma conversa dele com a namorada, na qual sugeria que ela (muito mais jovem do que ele) praticasse o aborto.

É evidente que a revelação da gravação vão visa o bem da moralidade pública. Sua inspiração se transformou em arma de vingança, pessoal ou política (ou as duas coisas juntas). Fala-se que um ex-político, vítima da comissão antipedofilia comandada por Jordy. podia estar por trás da divulgação da conversa telefônica do casal. É detalhe importante e precisa ser esclarecido, assim como várias outras questões.

Independentemente dessa elucidação, porém, uma coisa é certa: a gravação escancara a contradição entre o público e o privado de políticos como Jordy. Não propriamente por ele estar recomendando o abordo em contraste com sua pregação antiaborto, que não existe explicitamente. Mas simplesmente porque fazer diferente do que diz é a marca de Jordy que mais destacam os seus críticos de longo tempo – e até mesmo quem nele já votou e hoje não vota mais.

A gravação dá razão a esses críticos e desmonta a imagem de Jordy, ainda que não se dê um passo adiante para penetrar na privacidade da questão. O que se dizia agora se confirma: Arnaldo Jordy não é novidade alguma em relação à velharia da política paraense, ontem, como hoje, sem oferecer opção verdadeira aos desalentados cidadãos. Mais uma eleição viciada para os paraenses.

*Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)

Fonte: Adital

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