Famílias do MST acampadas em Castro (PR) colhem 4 mil quilos de feijão orgânico para doação

Mutirões de colheita ocorreram neste sábado e nesta segunda-feira, nos acampamentos Maria Rosa do Contestado e Padre Roque Zimmermann.

Colheita na comunidade Maria Rosa do Contestado / Crédito: Joka Madruga.

Apesar das chuvas dos últimos dias, cerca de 4 mil quilos de feijão orgânico foram colhidos de lavouras de duas comunidades do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Castro (PR), neste sábado e nesta segunda-feira. Para além de não utilizar agrotóxicos, o diferencial desta safra está no objetivo: dar continuidade às ações de solidariedade com famílias urbanas que enfrentam a fome neste período da pandemia do coronavírus. O feijão fará parte das cestas de alimentos que serão doadas a pessoas em situação de vulnerabilidade em Ponta Grossa, no mês de fevereiro.

Os mutirões ocorreram em lavouras coletivas dos acampamentos Maria Rosa do Contestado, no sábado (16), e Padre Roque Zimmermann, nesta segunda (18), com colheita de 2 mil quilos em cada área. Cerca de 50 pessoas participaram em cada um dos dois dias de trabalho, entre moradores das comunidades e também do assentamento Contestado, da Lapa.

A decisão de doar feijão considera a alta no preço deste alimento tão popular no prato dos brasileiros. Em 2020, o quilo do feijão teve aumento médio de 45,39% na região metropolitana de Curitiba, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada em dezembro.

A venda do alimento caiu cerca de 35%, sendo substituído por outros alimentos menos nutritivos, como macarrão. A estiagem e a falta de políticas públicas do governo Bolsonaro em apoio à produção de alimentos estão entre os principais fatores para o alimento custar de R6 e  9 reais nas gôndolas dos supermercados.

Ademir Fernandes é morador da comunidade Padre Roque Zimmermann e comenta a satisfação das famílias durante a colheita: “A gente está muito feliz com esse processo, por saber que vamos estar ajudando outras famílias com esse feijão, pra completar o seu alimento de cada dia”.

É o que reforça o agricultor Arlan Carlos de Lima, enquanto ajuda no mutirão: “A gente fica muito feliz por saber que estamos contribuindo e ajudando muitas famílias e pessoas que precisam. Assim como a gente já precisou, a gente também pode retribuir o que a gente está conseguindo aqui. É muito gratificante”. As famílias das duas comunidades lutam para permanecer na terra e continuar a produção de alimentos saudáveis e vida digna.

Outros 4.200 quilos de feijão orgânico foram colhidos de uma lavoura coletiva no assentamento Contestado, na Lapa (PR), no último dia 10. Neste caso, a colheita será destinada a três cozinhas comunitárias de Curitiba e para famílias urbanas da capital e da região metropolitana. Ao todo, as três comunidades da região sul do Paraná colheram 8.200 quilos de feijão orgânico para doações.

Produção 100% agroecológica

Colheita no acampamento Padre Roque Zimmermann: Foto: Rose dos Santos e Guilherme Martins.

Os dois acampamentos de Castro têm em comum a decisão de não utilizar agrotóxicos e transgênicos, e adotar a agroecologia como método de cultivo de alimentos. Iniciada em agosto de 2015, a comunidade Maria Rosa do Contestado conquistou a certificação 100% agroecológica para todas as famílias em março do ano passado, por meio da Rede Ecovida.

Diferentes tamanhos, cores e formas compõem as quase 60 variedades de sementes crioulas cultivadas pelos “guardiões e guardiãs das sementes”, como são chamados os agricultores que preservam os grãos.

Rosane Freitas Mainardes é uma das guardiãs, responsável por boa parte dos 25 tipos de sementes de feijão presentes na comunidade. Manteiga, mouro, 60 dias, rajado, carnaval, amendoim, azuki, carioca e mulatinho são algumas das variedades de feijão cultivadas pela comunidade Maria Rosa.

“Muitos feijões aqui são do tempo da minha avó, ela plantava muito. Quando eu chego numa feira de sementes, eu me sinto muito feliz por a gente ter tanta variedade e poder fazer as trocas”, relata a agricultora, que também faz parte da coordenação da comunidade.

Para Celio de Oliveira Meira, integrante da coordenação do acampamento e da direção do MST, a escolha da agroecologia foi decisiva para a melhora na qualidade de vida das pessoas. “Para além do feijão, temos uma grande variedade de produtos, que é a mandioca, a batata doce, arroz, alface, hortaliças em geral, pra gente ter a autonomia e não ficar escravo do trabalho e do sistema […]. Estamos mostrando aqui, na prática, que é possível produzir de forma alternativa e viver bem, em harmonia com a natureza”, afirma.

Vanderlei Vieira da Rosa, coordenador do Setor de Produção da comunidade, conta que a cada ano a terra tem se tornado mais produtiva, e sem o uso de insumos agrícolas, somente com a “força da cultura da terra”.

“Eu desde criança trabalho na lavoura e sempre com agrotóxico. Se hoje eu estivesse trabalhando com agrotóxico ainda, acho que eu nem existia mais”, relata, se referindo à melhora que percebeu na qualidade da saúde desde que se tornou praticante da agroecologia. “Vamos seguir produzindo alimentos sem veneno, porque a saúde do povo brasileiro e paranaense é pela agroecologia”, garante o agricultor.

Ações de solidariedade do MST no Paraná

Colheita no acampamento Padre Roque Zimmermann: Foto: Rose dos Santos e Guilherme Martins.

De março de 2020 até agora, 504 toneladas de alimentos foram doadas por famílias Sem Terra a entidades, hospitais e pessoas carentes do Paraná. Já a ação Marmitas da Terra produziu e distribuiu 38 mil refeições de 2 de maio a 23 de dezembro, com ações semanais de entrega de refeições a pessoas em situação de rua e famílias vulneráveis de Curitiba e Região.

As iniciativas de solidariedade do Paraná se somam à campanha nacional do MST, iniciada em abril de 2020 em todo o país. As ações terão continuidade em 2021, diante da grave crise que o Brasil atravessa, por consequência das faltas de iniciativas do governo Bolsonaro para mudar este cenário. A estimativa é de que a pobreza extrema (pessoas que vivem com US$ 1,90 por dia) deve chegar a 10% e 15% da população brasileira (27,4 milhões de pessoas) neste mês de janeiro, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas.

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