Para o médico, advogado sanitarista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Dourado, a falta de robustez do plano nacional de vacinação contra a covid-19, divulgado pelo ministério da Saúde, está diretamente ligada à “falta de vontade política do governo federal de agir”. Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, o especialista observa que “por todo esse cenário” é difícil imaginar que a imunização chegará logo para toda a população.
“Minha expectativa é que pelo menos para a população de risco, os grupos prioritários, profissionais de saúde, idosos, populações mais vulneráveis, (a vacina) chegue pelo menos no primeiro semestre (de 2021). Temos ainda dificuldade de saber quando será, porque o plano de vacinação do Ministério da Saúde não traz uma data precisa”, aponta. “Depois de 10 meses, já daria tempo de ter minimamente um planejamento, uma organização (sobre a distribuição da vacina) e nem isso foi feito. O cenário não é animador”, avalia Dourado.
O plano de vacinação incerto
Até o momento, o plano do governo, entregue no domingo (13) ao Supremo Tribunal Federal (STF), prevê a imunização de apenas 51 milhões de pessoas no primeiro semestre do próximo ano. O ministério indica a distribuição de 108,3 milhões de doses do imunizante, em quatro fases. O primeiro segmento inclui os trabalhadores da saúde, idosos com mais de 75 anos e indígenas.
O segundo grupo é composto de pessoas com 60 até 74 anos e as pessoas com comorbidades estão na terceira fase do plano. Na quarta e última etapa, as doses serão destinadas para os professores, profissionais das forças de segurança e salvamento e do sistema prisional. O documento confirmou a exclusão da população privada de liberdade, que deixou de constar sem maiores detalhamentos por parte do governo. O plano também não fixa data de início e término para implementação da medida. A ausência dessas informações foi questionada em ofício pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Nesta segunda-feira (14), o presidente Jair Bolsonaro e auxiliares manifestaram em reuniões ao longo do dia que o cronograma “depende do aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aos imunizantes”. De acordo com informações da Folha de S. Paulo, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, também vem repetindo essa informação aos auxiliares. Ao jornal, interlocutores declararam que o governo não quer se comprometer com uma data “antes que haja sinal verde da Anvisa na forma de autorização emergencial ou de registro final de um imunizante”, o que não aconteceu até o momento para nenhuma das quatro vacinas em testes no Brasil.
Críticas internacionais
A ausência de um programa de vacinação detalhado foi alvo de críticas de uma reportagem do diário estadunidenseThe New York Times. Publicada nesta terça (15), a matéria chama a atenção para o fato de que os brasileiros “não têm noção de quando poderão obter alívio de um vírus que colocou o sistema de saúde pública de joelhos e esmagou a economia”.
A epidemiologista Denise Garrett, que trabalha para expandir o acesso às vacinas, criticou na reportagem a postura do governo. “Eles estão brincando com vidas”, advertiu. “Beira um crime.”
A publicação também destacou que o programa de imunização brasileiro, de renome mundial, estava ameaçado por conta de “brigas políticas internas, um planejamento a esmo e um movimento antivacina”. Lembra também que o presidente Bolsonaro, que rejeitou as evidências científicas, chamou a covid-19 de “gripezinha” e foi contra medidas de isolamento social para combater o vírus, agora emplaca discursos contra a vacinação.
Discursos antivacina
Ao afirmar que iria assinar uma medida provisória para liberar R$ 20 bilhões para a compra de vacinas, Bolsonaro voltou a colocar em dúvida a eficácia de um possível imunizante. Segundo ele, quem for vacinado com as doses da Pfizer, que já são aplicadas no Reino Unido e nos Estados Unidos, deverá assinar um termo de responsabilidade. “A Pfizer é bem clara no contrato, ‘não nos responsabilizamos por efeitos colaterais’. Tem gente que quer tomar, então toma. A responsabilidade é tua. Se tiver algum problema aí, espero que não dê”, disparou o presidente.
Na análise do médico e advogado sanitarista, Daniel Dourado, essa postura do presidente também pode prejudicar a campanha de vacinação. Última pesquisa Datafolha deste mês mostrou que é maior o percentual de pessoas que não querem ser imunizadas. Houve um salto de 8%, em agosto, para 22% entre os entrevistados que afirmaram que não irão tomar a vacina contra a covid-19. A pesquisa também aponta que, quando questionados sobre a origem do país da vacina, 50% declaram que “não tomariam uma vacina oriunda da China”.
Para Dourado, isso prova também que parte da população tem o comportamento induzido pelo presidente da República. Dados levantados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) mostraram que o país já se aproxima de 7 milhões de casos. Ao menos 433 mortes foram notificadas ontem, totalizando quase 182 mil vidas perdidas em decorrência da covid-19.
A responsabilidade é do governo
Os óbitos no Brasil já representam 11% do total de mortes pela doença registradas no mundo, sendo que o país tem cerca de 2,7% da população mundial. O cenário, como explica o médico, poderia ser diferente, o que não aconteceu por conta da “falta de responsabilidade política de Bolsonaro e seu governo”, segundo ele. Apesar disso, para 52% dos brasileiros, segundo pesquisa Datafolha, acham que o presidente não tem culpa pelo total de mortes na pandemia. Dourado destaca, no entanto, que o governo federal tem “responsabilidade direta” com o atual estágio da covid-19 sobre o país, que se agrava.
“Tem essa responsabilidade direta porque o Bolsonaro e Ministério da Saúde não incentivaram medidas de saúde pública que comprovadamente diminuem a disseminação comunitária do vírus. Não fizeram isso em momento nenhum, pelo contrário. Em todas as oportunidades continuaram negando a importância do distanciamento físico, questionando que a máscara não funciona. E, mais grave, incentivando medicamentos que não têm nenhuma eficácia. É muito grave. Era possível sim ser diferente, os países que fizeram diferente tiveram resultados melhores”, destaca.