Fakegeo: como mentir com imagens de satélite

Você sabe se essa imagem é verdadeira? No mundo das plataformas, surge nova forma de falseamento – seja por imagens criadas virtualmente ou até pela falta de atualização. Como formar jornalistas para checagem dessa linguagem essencial?

Por Antônio Heleno Caldas Laranjeira.

Em momentos históricos distintos, as imagens de satélite “escreveram a história com a luz”. Desde a primeira foto da Terra em que pudemos dizer “ela é azul” em 1972, o mundo passou a ser mais mundo com “fotografias aeroespaciais”.

Há uma máxima da Cartografia que diz que “o homem sempre se manifesta por formas geométricas”. Isso não descarta as imagens de satélite, que são as maiores bricolagens de fotografias que a humanidade conheceu. O globo virtual Google Earth é um produto possível graças à harmonização visual de centenas de milhares de fotos, em diversos momentos do dia (luz ideal para fotos de satélites).

Jornalismo e Geoprocessamento

Na contemporaneidade, o Geoprocessamento é a técnica e ciência de produção e análise de imagens de satélite. Essa subárea científica das Geociências marcou presença no Jornalismo Meteorológico, a partir anos 1980, e no Jornalismo Científico, especialmente nos anos 1990.

As imagens de satélite são processadas, selecionadas e descartadas. Assim se constrói uma feição de uma paisagem. Esse processo de “estatística da paisagem”, na definição do geógrafo Ricardo Castillo (Unicamp), atravessa período histórico de fortes tendências de popularização em territórios rurais e urbanos. O geoprocessamento tem sido cada vez menos do domínio exclusivo de cartógrafos e cada vez mais do interesse de jornalistas.

Nos últimos dez anos o termo miliar “geoespacial”, ou simplesmente o prefixo “geo”, ganhou uma conotação intrínseca de “inovação” para comunicação dos acontecimentos. Um exemplo é o “geojornalismo”, uma vertente do Jornalismo de Dados, um movimento brasileiro criado por um arranjo de jornalistas independentes de São Paulo que vem sendo adotada por diversas partes do mundo, na África, na Ásia e na Oceania.

O portal InfoAmazonia é um dos resultados deste movimento de jornalistas ambientais. Com imagens de satélite de períodos longos e curtos, as reportagens investigativas são construídas guiadas por dados da região, seja nas últimas 24 horas ou nos últimos 24 anos, para citar dois extremos das abordagens.

Fakegeo e fakenews

No entanto, além do geojornalismo, a popularização dos recursos de Computação traz também as “fakegeos“. As falsas informações, geradas com ferramentas de manipulação digital simples, têm preocupado cientistas. Engajados, pesquisadores da Universidade de Washington desenvolveram uma ferramenta de checagem geospacial de deep fakes com a função de garantir que uma imagem é verdadeira, especialmente quando essa foto de satélite estiver extraída do seu contexto, ou seja, sem dados de latitude e longitude que comprovem o fato geográfico representado.

Parece Tacoma, nos EUA, mas na verdade é uma imagem simulada de um bairro de Pequim, na China .Imagem: Reprodução/University of Washington

Mas afinal, como o jornalismo de profundidade pode checar os fatos e as fakes das imagens de satélite? A Global Investigative Journalism Network (GIJN) indicou uma lista de bancos de dados com imagens verificadas e de acesso público e facilitado além de algumas instruções chave para acessar esses sites.

No front do fato

Em 2021, mais um ataque de tropas de Israel à Palestina foram destaque na imprensa internacional, sobretudo porque dessa vez a imprensa foi um alvo material da guerra. O portal Al Jazeera produziu uma série de mapas de Gaza em que revelam como um “guia visual” os detalhes do território em guerra com Israel.

Outra face real do conflito foi tema de uma reportagem no portal BBC, que destacou que as imagens de satélite disponíveis para o Google Earth na área de Gaza estavam borradas além de estarem sem atualização para fins de cobertura, dia a dia, dos ataques do exército às sedes de organizações jornalísticas na Palestina.

À esquerda, imagem de Gaza no Google Earth (data de 2016); à direita, imagem da Maxar mostra torre destruída (data de 12 de maio de 2021)

Concluímos que é preciso formar jornalistas no Brasil atentos às possibilidades promotoras e detratoras do georreferenciamento, as políticas dos bancos de imagens de satélite e a economia das plataformas que servem gratuitamente destas fotos da Terra. A geopolítica atravessa todos estes temas. Na atualidade, o conhecimento geopolítico é o que define, tecnologicamente, qual o limite de uma organização jornalística ou de um indivíduo jornalista, na sua visão de mundo e na sua prática social.

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