Por Mayara Bergamo, para Desacato.info.
Essa semana o Facebook retirou do ar 196 páginas e 87 contas vinculadas ao Movimento Brasil Livre – MBL, pela disseminação de fake news. Juntas, essas páginas tinham mais de meio milhão de seguidores.
“Antes tarde do que nunca” é a primeira coisa que me vem à mente. A segunda coisa é uma preguiça enorme. Em meio a todos os problemas que nos rodeiam como sociedade, nem era para perdermos tempo em discussões como essa. O falso é falso, pronto. Não deveria causar comoção, não deveria ser passado adiante, não deveria sequer, ser fabricado. E é justamente aí que reside o problema: ele é fabricado, é patrocinado e gera lucro para alguém.
A disseminação é outra coisa. Indivíduos que têm a escolha e o privilégio de investir em educação, cultura e informação e ainda assim não o fazem, especialmente quando inseridos em uma sociedade que congela esses mesmos recursos fundamentais por 20 anos sem parecer se importar, não têm como interpretar narrativas. Não tem como interpretar a realidade, seja a própria ou a alheia.
Em um dos dias da semana passada, a primeira coisa que vi quando acordei foi uma barbaridade que me fez abandonar essa preguiça e me envolver em uma discussão sobre o tema. De acordo com o vídeo, que até parecia bem produzido, a esquerda brasileira e os militantes LGBTQI tinham um plano secreto e cruel para legalizar a pedofilia no país, com a ajuda da Rede Globo. Não aguentei. Iniciei uma discussão que durou três dias e não levou a lugar algum. Aliás, as pessoas que compartilharam e acreditaram no vídeo, pareceram confiar ainda mais nele após esse episódio.
Nesses momentos, uma mistura de cansaço, preguiça, incapacidade, desolação e tristeza – por não poder dialogar sobre o contraditório com o outro, mantendo o respeito – me invadem e me fazem lembrar dos outros braços das fake news: a fofoca, a boataria e a difamação.
Não serei hipócrita e não farei a pregação da moral de cuecas aqui, afinal, é muito provável que, em algum momento da vida, nos vejamos como alvo, produtores ou reprodutores de alguma “fake news da vida privada”. Sabemos como pode ser difícil romper o ciclo de invenção de histórias, afinal, a fofoca também pode ser uma maneira de socializar, de criar laços. A pergunta que deve ser feita nesse momento, talvez seja: qual a qualidade dos laços criados dessa maneira? Tanto os pessoais quanto os que usamos para nos informar, para interpretar a realidade?
Celebremos a iniciativa (tardia) do Facebook. Mas não nos contentemos apenas com o desmantelamento da rede de fake news dos outros.
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Mayara Bergamo é fotógrafa e jornalista apaixonada pela cultura popular brasileira e pelo tripé literário formado por Gabriel García Márquez, Eduardo Galeano e Pablo Neruda.