Fabiula

Por Rosangela Bion de Assis, para Desacato.info.

Em 7 de outubro de 2016, conheci pessoalmente a Fabiula Fergutz. Ela foi uma entrevistada para o programa Saúde é Tudo, que a Cooperativa realizou para o Sindprevs/SC em 2015 e 2016. Ainda tenho guardadas as imagens porque foram impactantes em minha vida profissional. Em 27 de outubro, sábado, fomos informados do seu falecimento. Precisei resgatar aquele dia ensolarado, nas proximidades da comunidade São Francisco de Assis, em São Miguel do Oeste, em que Fabiula falou sobre o que é ser jovem e mulher da periferia.

Entrevistada pela jornalista, Claudia Weinman, Fabiula afirmou que “é quase impossível você ser acreditada, expor suas ideias. Você se apresenta para a entrevista, mas depois não é chamada, não recebe a oportunidade porque você veio de um lugar que não é valorizado. Só as lideranças dos movimentos ouvem você.” Ela citou a importância de Apafec (Associação Paulo Freire de Educação e Cultura Popular), PJR (Pastoral da Juventude Rural) e PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular)

“Nascer e crescer na periferia é bom, é difícil e desafiador. É um aprendizado desde a infância, desde o primeiro pirulito que você não ganha, porque você vai ter que correr um pouco mais.” Na comunidade, a escola só oferecia até  a quarta série do ensino fundamental e Fabíula afirmava que deveria ter ensino médio. “É triste, o povo está sofrendo mas não sabe o porquê. Há pessoas na comunidade que apoiam os golpistas porque eles usam chavões que ganham o povo da periferia, ou por causa de uma ajuda. A mídia está ganhando o pensamento do povo dentro da periferia. Nos diálogos, eles repetem o que ouviram na televisão. Está bem difícil o debate, porque não fomos preparados pra pensar. A maioria das pessoas não possui nem a quarta série. E as emissoras golpistas sabem entrar na mente e no coração das pessoas.”

Fabiula falou da importância do Desacato. “Nós conhecemos esse meio de comunicação que quer saber o que nós estamos precisando, o que estamos passando, que transmite a cultura que existe aqui e denuncia como a periferia está sendo esquecida. As outras emissoras não nos veem e só querem mostrar as coisas ruins.” Ela contou como foi gratificante distribuir o Jornal Comunitário. “O povo nunca tinha se visto num jornal antes, que mostrava as qualidades deles.”

Na entrevista ela reivindicava também um posto de saúde dentro da comunidade e acesso aos medicamentos. “As pessoas até pegam a receita mas não têm condições de comprar o remédio. E deveria ter um posto de Saúde lá dentro, são mais de 100 famílias”.

Sobre a segurança dentro da comunidade, Fabiula explicou que na periferia “ninguém é inimigo de ninguém”. “Nós temos segurança lá dentro. Mas somos perseguidos pelo simples fato de expor o que pensamos e por questionar. A única coisa que é transmitida é ‘um morador roubou tal coisa’.”

Como membro do grupo feminista, organizado pela PJR e PJMP, Fabiula descreveu como expandiu a sua crítica ao entender o pensar feminista. “Eu não sabia o que era o machismo, pensava que era tudo normal e tinha que aceitar. Mas depois você vê que as outras passam a mesma coisa, aí expandiu muito a minha crítica sobre o que era falado e comentado sobre o jeito da mulher falar e se vestir. Eu passei a ser mais crítica ao que é imposto. Eu sei é muito fácil para uma mulher ser independente quando tem um bom emprego, mas para uma mulher negra e pobre é muito mais difícil debater e revidar a provocação, por isso é tão importante esse feminismo dentro da classe trabalhadora.”

Quanta sabedoria, numa jovem da periferia que tinha, na época, somente 20 anos.

Fabíula Presente!

 

Rosangela Bion de Assis é jornalista, poeta e presidenta da Cooperativa Comunicacional Sul.

 

 

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