Na última quinta-feira (22/05), a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) decidiu, por votação no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), abolir o vestibular e adotar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como única forma de ingresso na instituição. A medida provocou alvoroço na cidade, causando revolta entre o empresariado local e gerando reações contrárias até mesmo da prefeitura.
Na manhã desta quarta-feira (28/05), uma mobilização organizada pela Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Santa Maria (CACISM) e com apoio da administração municipal e de governos de municípios vizinhos percorrerá o centro de Santa Maria para expressar o repúdio à extinção do vestibular na UFSM. Em entrevista à imprensa local, o prefeito Cezar Schirmer (PMDB) chegou a declarar que a mudança “é um desastre” e qualificou o Enem como “uma prova ideológica”.
Na esteira do debate gerado, muitas manifestações nas redes sociais têm criticado, também, uma outra decisão adotada pelo Cepe no mesmo dia: a de destinar 50% das vagas na universidade a alunos oriundos de famílias com renda per capita igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo. Uma página na internet ironiza vários comentários de pessoas irritadas com o fim do vestibular na UFSM e com a ampliação das cotas – que atende a uma determinação da lei federal 12.711/2012.
A discussão em torno das formas de ingresso na UFSM surgiu a partir de uma proposta da Pró-Reitoria de Graduação, que previa a distribuição de 30% das vagas via Sistema Unificado de Seleção (SiSU) – que distribui as oportunidades dos alunos que fazem o ENEM – e 70% pelo vestibular. Entretanto, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) pediu vistas ao processo e apresentou uma outra alternativa: a destinação de 100% das vagas pelo SiSU. Essa proposta acabou sendo aprovada por 27 votos favoráveis e 12 contrários.
De acordo com a assessoria de imprensa da UFSM, atualmente existem 20.391 alunos de graduação na universidade. Desse total, 5.525 são beneficiários de alguma política de cotas.
A universidade não se resume ao vestibular, diz reitor
Uma das principais críticas à decisão da UFSM está relacionada ao fato de ela ter ocorrido apenas um dia antes do fim das inscrições para o ENEM. O reitor da universidade, Paulo Afonso Burmann, esclarece, contudo, que o exame já é obrigatório para alunos do Ensino Médio e recorda que há pelo menos 20 dias a instituição vinha anunciando que adotaria o SiSU como forma de seleção.
O professor explica que a seleção mediante o ENEM contribui para democratizar o acesso ao Ensino Superior. “É uma política de equalização nas oportunidades de acesso dos estudantes, especialmente aqueles das regiões mais distantes do estado. Talvez a taxa de inscrição no vestibular pudesse ser um empecilho. O ENEM não tem custo e o aluno pode prestar a prova na sua própria escola”, compara.
Burmann considera que os críticos ao fim do vestibular precisam entender que a UFSM não se resume ao evento gerado pela aplicação da prova seletiva. O reitor diz que é preciso respeitar o “histórico importante” que envolve o vestibular da universidade, mas defende que a comunidade não fique presa “aos modelos totalmente tradicionais”.
O reitor entende que tanto o Enem como o vestibular trabalham em cima de conteúdos aprendidos durante o Ensino Médio e que “o estudante que vai bem no vestibular, vai bem no Enem, e vice-versa”. Paulo Afonso Burmann projeta que os cursinhos preparatórios para o processo seletivo continuarão existindo. “Vamos continuar tendo de 20% a 25% dos candidatos com condições de fazer cursinhos, que continuarão preparando os estudantes, seja qual for a forma de acesso”, calcula.
Empresários entrarão com ação na Justiça contra a decisão
Presidente da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Santa Maria (CACISM), Luiz Fernando Pacheco informa que a entidade irá entrar com uma ação judicial contra a decisão da UFSM. Ele qualifica a votação do Cepe como “uma decisão arbitrária, que vai causar grandes impactos sociais na região”.
Pacheco critica o fato de a extinção do vestibular ter sido aprovada um dia antes do prazo final para as inscrições no Enem. “É mudar as regras do jogo com o jogo andando”, resume.
Ele considera que a UFSM deveria adotar uma política semelhante à da UFRGS, que gradualmente vai diminuindo a influência do vestibular e destinando mais vagas ao Enem no processo seletivo. “Extinguiram de forma total um processo que estava consolidado há décadas na região”, lamenta.
O empresário assegura que o descontentamento da CACISM com a decisão não está calcado em preocupações econômicas – como a situação das escolas particulares e dos cursinhos pré-vestibular. “Essa decisão não vai trazer impactos econômicos. Quem vem pelo Enem também precisa de um lugar para morar, precisa fazer refeições, usar os restaurantes. Para a economia, não interessa a origem da pessoa, contanto que ela consuma”, argumenta.
Ele aponta que a inexistência do vestibular vai gerar impactos sociais e desestruturar a região, já que, com o SiSU, os estudantes das redondezas terão que disputar as vagas com alunos de todo o país. “Entendemos que haverá um deslocamento de estudantes que poderiam permanecer na região. Terão que sair devido a um processo seletivo que considera o Brasil inteiro de forma igual, ao aplicar a mesma prova do Oiapoque ao Chuí. Esse sistema não nivela de forma adequada os estudantes”, critica Pacheco.
Para professor, decisão é positiva, mas retira autonomia da UFSM
Professor de História da UFSM, Luís Augusto Farinatii considera que a decisão de utilizar apenas o Enem como forma de seleção possui pontos positivos e negativos. Ele entende que a medida “democratiza o acesso e amplia as bases geográficas” da universidade, mas, por outro lado, acarreta em uma “perda de autonomia sobre a prova de seleção”. “Não vejo como positivo a assunção completa de uma prova sobre a qual se tem pouquíssima ingerência”, pondera.
O professor entende que a decisão tenha causado polêmica na cidade, já que, “para o bem e para o mal, o vestibular marcava o calendário de Santa Maria”. Contudo, Farinatti entende que isso não é motivo para que não se promovam mudanças na forma de seleção. “O vestibular é um evento comercial de geração de renda e de divulgação da cidade, mas não acho que esse seja o motivo para que ele seja mantido”, comenta.
“Essa decisão democratiza o acesso e acaba com a indústria do vestibular”, diz ex-presidente do INEP
Ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – órgão ligado ao Ministério da Educação, responsável pela organização do ENEM -, Eliezer Moreira Pacheco comemora a decisão da UFSM. “Essa decisão democratiza o acesso e acaba com a indústria do vestibular”, sustenta.
Atual secretário municipal de Educação de Canoas, Eliezer diz não compreender como as universidades insistem em seguir adotando o vestibular como processo seletivo. “Sempre me intrigou o fato de as universidades manterem enormes e onerosas estruturas de vestibular, quando o MEC oferece um exame gratuito, de qualidade e extremamente democrático, onde gente de qualquer recanto do país pode fazer sem precisar se deslocar”, comenta.
O secretário considera que “o vestibular é uma coisa arcaica, fundamentado na decoreba e em conhecimentos descartáveis”, enquanto que o Enem “utiliza o conhecimento das várias disciplinas para resolver problemas concretos”. Eliezer identifica as resistências ao fim do vestibular como oriundas “dos cursinhos, setores privados e da classe média”.
Foto: Ítalo Padilha.
Fonte: SUL 21.