Extinção de municípios é mais um retrocesso do governo Bolsonaro

Se aceita a proposta, isto significará a extinção de 1.217 cidades das 5.570 existentes. E não implicará em solução nenhuma.

Foto: Marcos Corrêa/PR

Por Tarcísio de Paula Pinto.

O governo federal encaminhou ao Congresso um pacote de medidas que aponta a extinção dos municípios com até 5 mil habitantes, cuja arrecadação própria seja inferior a 10% da receita total, agregando-os aos municípios próximos de maior porte, em muitos casos as próprias sedes de que tenham se emancipado anos atrás. Se aceita a proposta, isto significará a extinção de 1217 municípios (22%) dos 5.570 existentes, e não implicará em solução nenhuma, na medida em que 82% dos municípios brasileiros têm arrecadação com os limites apontados.

A última grande expansão no número de municípios (incremento em torno de 35%) ocorreu nos anos 90, após o estabelecimento de regras do pacto federativo na Constituição de 1988. Mas, este processo foi também reflexo da crescente movimentação da população para as áreas urbanas, inclusive como consequência da eliminação de postos de trabalho no campo.

A emancipação de distritos e localidades ocorreu sempre com plebiscito local, traduzindo demandas de aproximação dos serviços públicos de saúde, educação, saneamento, e outros, a uma população mais concentrada, não raro, localizada a grande distância das sedes originais. Nas demais ocasiões, a emancipação exprimiu a necessidade de firmar a “identidade local”, mas também ocorreram casos originados meramente de disputas entre grupos políticos, circunscrevendo o “feudo do coronelismo local”.

Fragilidades na oferta de serviços públicos

Mais de duas décadas após o boom da criação de municípios, grande parte deles continuam convivendo com a mesma deficiência de serviços que muitas vezes motivou sua emancipação. Muitos demonstram significativa fragilidade na resposta aos desafios da gestão municipal. Com poucos recursos, sem equipes, sem assistência, não avançam em alguns dos serviços, apesar de, em outros temas – as relações de vizinhança, a zeladoria dos espaços – serem exemplo de convivência saudável.

Da década de 1990 para cá, tivemos períodos de marasmo e de avanços em políticas públicas para os municípios brasileiros. Até mesmo um Ministério das Cidades conseguiu-se organizar, mas o atual governo cuidou de extinguí-lo. Dívidas da nação se acumulam – com a reforma urbana, com a universalização do saneamento, com o direito à moradia e de acesso à terra – e a concentração da população nas cidades continua avançando, só que agora mais idosa, com maior dependência da eficiência dos serviços públicos.

A proposta do governo (PEC do Pacto Federativo) não resolve a questão. Não é nenhum passo adiante, é passo atrás, retrocesso sem solução, desrespeitoso e autoritário, fomenta o conflito entre os pequenos municípios e os vizinhos do entorno, quando o caminho é o inverso, é a indução e priorização da Solidariedade Regional para a solução de problemas comuns.

A solução autoritária do atual governo, fiscalista, ignora as demandas reais que levaram à emancipação. O fiscalismo que elimina direitos trabalhistas, dos desempregados e aposentados, também conduz à marginalização nossas pequenas cidades.

Ausência da União e estados no apoio aos municípios

A Constituição de 1988 firmou direitos, mas as “velhas estruturas” resistem, e muitas das suas diretrizes não são aplicadas.

Os municípios se emanciparam, mas são raros os exemplos da União, ou de Estados, prestando-lhes suporte – o suporte mais significativo no período, o “Mais Médicos”, dando soluções às demandas por acesso à Saúde, está em franco desmantelamento, pari passu ao desmonte do SUS.

No que diz respeito ao saneamento, ao invés de suporte aos municípios, o que o atual governo e seus aliados vêm insistentemente propondo é o desmonte das companhias estaduais e da titularidade municipal, expondo todos os municípios à sanha do mercado. Especificamente os pequenos municípios, que não constituem mercado para os que buscam lucro, serão mais ainda marginalizados.

A gestão de Resíduos Urbanos, parte do Saneamento, recebeu diretrizes nacionais em 2010 (Lei 12.305, da Política Nacional de Resíduos Sólidos). Mas, como podem a União e Estados dar assistência aos pequenos municípios se a União não tem ainda um Plano Nacional de Resíduos – versão preliminar, de 2012, não foi ratificada, e sua revisão, iniciada em 2017, não chegou ao final – e se muitos Estados não desenvolveram os Planos para seus territórios e não têm estratégia definida para interação com seus municípios? Já se passaram quase 10 anos!!!!

Retroceder ou avançar ? O caminho dos Consórcios Públicos

Há um caminho para solução dessas fragilidades e ela não passa pelas decisões autoritárias da União, mas pelos Estados assumindo processos de apoio e fomento à organização regional para operação de serviços públicos.

A Constituição de 1988, no Artigo 241, introduziu a perspectiva da gestão associada de serviços públicos, que foi efetivada pela Lei 11.107/2005, a Lei dos Consórcios Públicos (as Parcerias Público-Público), que abre uma “avenida de possibilidades” reposicionando a discussão do pacto federativo.

Aos pequenos municípios, mesmo com ausência de apoio da União e da maioria dos Estados, é extremamente interessante a perspectiva de apoios recíprocos por meio desses Consórcios Públicos.

Sem retrocessos, os Consórcios Públicos permitem que os municípios consorciados efetivem suas obrigações, promovendo a gestão associada de serviços públicos com escala adequada, redução de custos, com estabilidade na gestão e qualidade de atendimento. Consórcios Públicos são o instrumento de excelência para a superação de fragilidades regionais, sem perda de identidades locais.

No próximo período interessará aos pequenos municípios combater as propostas de extinção, mas que isto se faça apontando a direção das soluções, e uma delas certamente é a organização para cooperação regional por meio de Consórcios Públicos, autarquias operacionais para a gestão associada de serviços públicos com qualidade, que atendam às demandas originárias da formação dos municípios.

Ousadias levam a avanços significativos

Há exemplos claramente exitosos desta perspectiva, permitindo que municípios cumpram a missão de prover a infraestrutura de serviços necessária à vida urbana.

Inúmeros Consórcios de Saúde estabelecidos pelo país, com suas policlínicas e outras soluções regionais, promoveram avanços e ampliação da autonomia dos municípios na solução de suas demandas.

No Rio Grande de Sul, 31 municípios, com população total de 170 mil habitantes, compartilham uma solução centralizada para destinação de seus resíduos (CIGRES, Consórcio instalado em 2007). Quinze dos municípios consorciados têm população urbana inferior a 1.290 habitantes. O Consórcio Público lhes permite o cumprimento das obrigações municipais no tema gestão de resíduos.

Em São Paulo, 9 municípios na região de Campinas, a maioria de pequeno porte, organizaram o Consórcio Intermunicipal de Saneamento Ambiental (CONSAB, instalado em 2009) que dá escala para organização de serviços relativos aos resíduos urbanos, à utilização de resíduos de construção na recuperação de estradas rurais, e aos serviços de iluminação pública. O avanço conquistado é certamente muito além do que seria possível aos municípios isolados.

No Ceará, o Governo fomenta o consorciamento voluntário dos municípios, como Política de Estado para que avancem na gestão de resíduos; apoia o desenvolvimento dos Planos para retirar os resíduos dos lixões e conduzi-los às cadeias produtivas locais, em processos de economia circular. O Estado garante o repasse continuado de recursos vinculados do ICMS para implantação de instalações de manejo e mais de 80 % dos municípios já estão inseridos nos atuais 17 Consórcios Públicos (prováveis 21 consórcios, no curto prazo), que já ampliam perspectivas, assumindo a constituição de equipe técnica única para o licenciamento ambiental regional.

Combater os retrocessos – as eleições de 2020

Organizar Consórcios Públicos como instrumento para a cooperação na gestão, este é o mais promissor caminho para a evolução das políticas públicas nacionais traçadas nas duas últimas décadas.

Aos pequenos municípios é possível apontar a expansão e melhoria dos serviços, o efetivo atendimento das demandas dos humanos que os habitam, e não o retrocesso, a exclusão e marginalização proposta de forma autoritária pela atual equipe do governo aos entes federados.

No processo eleitoral de 2020, certamente merecem estar presentes o combate ao retrocesso e a defesa de soluções de cooperação regional. Para isso, os formuladores de propostas de governo certamente poderão contar com o apoio das universidades e suas atividades de extensão, além das articulações de especialistas como o Projeto BrCidades, dedicado à reconstrução de uma “agenda urbana com protagonismo da sociedade, que aponte para cidades economicamente dinâmicas, socialmente justas, ambientalmente responsáveis e culturalmente plurais”.

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