Exposição da artista Letícia Cardoso discute voz e a mudez feminina por meio do hibridismo da linguagem contemporânea

“Língua Louca” traz pinturas, vídeos, instalações e performances; a exposição abre para visitação na próxima sexta-feira, dia 12, e segue até 31 de janeiro, na Fundação Cultural BADESC

Língua Louca – Foto Divulgação

“Língua louca”, exposição da artista Letícia Cardoso, abre nesta sexta, dia 12 de janeiro, na Fundação Cultural BADESC, em Florianópolis/SC. Com temática forte, que dialoga com discurso feminista, comportamento humano e psicanálise, a obra se materializa no hibridismo da linguagem contemporânea em que a escrita é contaminada pela cor e o vídeo pela pintura.

O projeto Li?ngua Louca discute a tema?tica que rodeia o imagina?rio estereotipado do “feminino histe?rico”, produzindo respostas com a linguagem artística frente a uma luta histo?rica contra a viole?ncia impressa nos corpos femininos. A artista visita o conceito de histeria, doença descrita pelo médico e cientista francês Jean-Martin Charcot no século 19 que patologiza as mulheres, essas submetidas a tratamento e que, muitas vezes, apaixonavam-se pelos médicos e correspondiam às expectativas de seu imaginário acerca dos sintomas.

“Hoje falamos em homens histéricos também. Este termo no manual de doenças nos anos 60 associa-se a doenças psicossomáticas. O deslocamento do nome ocorre aliado ao trabalho das mulheres artistas e feministas. É uma conquista histórica de liberdade”, explica Letícia Cardoso.

A instrumentalização do discurso feminista, a produção de artistas mulheres e a vida da artista numa intensa pesquisa sobre a voz e a mudez feminina permeiam o trabalho de Letícia Cardoso.

“A articulação da língua louca para mim também é uma resistência à submissão feminina em  tentar corresponder a uma imagem idealizada como mulher. Acredito na arte contemporânea como uma estratégia criativa para reagir a este estereótipo ainda impresso na linguagem”, afirma.

Ocupando o Espaço Paulo Gaiad da Fundação Cultural BADESC, a artista apresenta pinturas em pastel seco sobre papel e tinta à óleo sobre tela.  Com elementos pictóricos que transitam entre cores quentes e frias, suas pinturas carregam memórias e sonhos, em palavras que são rasuradas, escritas e apagadas com as mãos.

São vários os momentos em que a artista abandona o pincel, trabalhando no chão e na parede, deixando transparecer pegadas e manchas nos papéis.

A linguagem pictórica se mescla com fragmentos de leituras, pensamentos e escritos que se formam e se apagam em um movimento contínuo.

A exposição tem ainda vídeos, instalações e performances que se desdobram em narrativas e ficções.  É parte do projeto Língua Louca, aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura Municipal (Fundação Franklin Cascaes), que conta com uma exposição, uma publicação e uma oficina para mulheres vítimas de violência na Ilha de Santa Catarina. A oficina com outras mulheres visa amparar e empoderar as vítimas de violência.

O projeto Língua Louca tem Apoio Cultural da Duda Imóveis, Apoio da Alecrim Conteúdo e da Fundação Cultural BADESC. O patrocínio é da Prefeitura Municipal de Florianópolis, Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte e Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Florianópolis. A produção é do Studio de Ideias Produtora Cultural.

Processo criativo

As pinturas de Letícia Cardoso neste trabalho são movidas por um raciocínio ficcional presente em sua tese “Sono Histe?rico: as personagens Rosa e a Ruino?loga Visual como procedimento de investigac?a?o da pra?tica arti?stica”, realizada no Doutorado em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina (CEART/UDESC) defendida em 2022. Durante os quatro anos de pesquisa, a artista teceu relações entre arte contemporânea, feminismo, ficção e psicanálise. Utilizou os sonhos como processo de criação e a escrita de cartas tentando encontrar respostas para sua angústia como mulher, artista e pesquisadora.

De agosto de 2017 até setembro de 2018, Letícia Cardoso conviveu com a estrutura arquitetônica do Sobrado na Ladeira, casa do século 19. Ali deu seus mergulhos naquela época e na construção dos personagens Rosa, Ruinóloga Visual e seu psicanalista. Usou a  ficção como um deslocamento para acessar o passado coletivo e pessoal e reinventar seu presente.

“Ficava pensando em como seria viver no século 19 como mulher em Florianópolis fora dos padrões normativos na época. E esse questionamento veio num momento em que eu, Letícia, com 40 anos, mãe solo, com filho em idade de alfabetização, dava aula na Udesc e escrevia minha tese durante a pandemia e vivenciava desilusões amorosas meio perdida nos amores líquidos ”, conta Letícia.

O porão do Sobrado virou espaço de trabalho. Rosa, muda ou silenciada, rasurava as paredes do porão e, por meio da personagem, a artista deu vida à obra e escreveu como a Ruinóloga Visual uma especialista em ruinologia, conceito retirado da obra “A Ruinologia” de Raul Antelo.

“O desejo era dar voz às mulheres silenciadas por um diagnóstico médico ao ouvir ruídos que o Sobrado teria sido no século XIX e XX uma clínica para tratamento de histeria. No primeiro dia no Sobrado, escrevi em uma das paredes: o amor romântico foi dormir, acordou molhada. Após inscrever a frase torta na parede rugosa, o desejo de apagar e silenciar essa informação se manifestou com a mão esquerda”, conta a artista sobre seu fazer artístico, entendo que ali o irracional vaza, o que escapa do controle racional aparece e denuncia a angústia.

“A arte, para mim, permite escuta e trabalho para questões que atravessam meu corpo como mulher. O amor romântico e o conceito de histeria são criados no século XIX e ambos colocam a mulher idealizada em destaque seja por seu silêncio ou sua língua louca. Duas formas de normatizar o comportamento feminino e o masculino, acho que vivemos num momento de reinvenção destes padrões que contaminam os afetos e as respostas. A arte, para mim, possibilita a escuta  do que me angustia e aponta resistências na minha história pessoal e a pesquisa na coletiva. A língua louca, para mim,  resiste em submeter-se à língua comum”, afirma a artista.

O trabalho, relata Letícia Cardoso, é para resistir como mulher, para organizar afetos, os conteúdos lidos e vividos como mãe, mulher de 45 anos e artista contemporânea no contexto da Ilha de Santa Catarina.

“O projeto aprovado e lutado por 3 anos é minha resistência para seguir existindo e apostando no jogo da arte”, afirma.

Sobre a artista

Letícia Cardoso é artista visual representada pela Galeria Helena Fretta e, atualmente, professora colaboradora de Pintura na UDESC. Graduada em Artes Plásticas na UDESC em 2001, mestre em Poéticas Visuais UFRGS em 2005 e doutora em Artes Visuais pela UDESC em 2022.  Participou do 32 Panorama das Arte Brasileira (2012), premiada com a Bolsa Iberê Camargo de intercâmbio para artistas, em Austin, Texas, (2009); pelo Programa Rumos Itaú Cultural em (2001/2003), entre outros.

Artista Letícia Cardoso – Foto Divulgação

Serviço

O que: Exposição “Língua Louca”, de Letícia Cardoso

Abertura: 12 de janeiro de 2014, às 19h

Visitação de 15 a 31 de janeiro de 2024, segunda a sexta, das 13h às 19h

Local: Fundação Cultural BADESC – Rua Visconde de Ouro Preto, 216 – Centro – Florianópolis/SC

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