Por Akemi Nitahara.
Estranho, esquisito, excêntrico, fora da norma. Essa é a tradução da palavra inglesa queer, que nos anos 1920 começou a ser usado de forma pejorativa para designar as pessoas homossexuais nos Estados Unidos. Com o passar do tempo, o termo foi ressignificado e incorporado pela comunidade LGBT como símbolo de identificação popular e, a partir dos anos 1980, surgiram os estudos acadêmicos que foram chamados de teoria queer, tendo como marco a publicação do livro Problemas de Gênero, da filósofa Judith Butler.
Essa é uma das bases da exposição Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira, que será reaberta no sábado, 18 de agosto, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no bairro do Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro. Nesta quinta-feira, jornalistas fizeram uma visita prévia à exposição e conversaram com o curador Gaudêncio Fidelis, e o diretor da instituição, Fabio Szwarcwald.
A mostra foi suspensa pelos organizadores em setembro do ano passado em Porto Alegre, onde era exibida no Centro Cultural Santander, após campanha agressiva em redes sociais contra o conteúdo da exposição, e ficou fechada durante um mês, período que faltava para terminar a temporada, com fitas para isolar a área dentro do espaço cultural.
Após o fim antecipado, os produtores chegaram a negociar com o Museu de Arte do Rio (MAR), que é ligado à prefeitura, mas acabou vetada pelo prefeito Marcelo Crivella. Então, o Parque Lage, espaço do governo do estado, abriu as portas para a mostra. Szwarcwald explica que a Escola de Artes Visuais do Parque Lage sempre foi um espaço de resistência, criado durante a ditadura militar, e teve amplo apoio e financiamento da sociedade para receber a Queermuseu.
“A Secretaria de Cultura nos deu carta branca para iniciar essa campanha, muito desafiadora, contra a censura, no momento em que a gente vivia um obscurantismo muito grande nas artes. Lançamos o crowdfunding no dia 31 de janeiro desse ano e o resultado foi impressionante, já que foi a maior campanha de crowdfunding do Brasil”, afirmou o diretor da Escola de Artes Visuais.
No total, foram arrecadados mais de 1 milhão de reais em 58 dias, com 1.659 colaboradores na vaquinha virtual, o que possibilitou a reforma da cavalariça do Parque Lage para receber a exposição.
A exposição apresenta 214 obras de 82 artistas, um número menor do que as 264 da exposição original. Segundo o curador, Gaudêncio Fidelis, a redução não cortou nenhum artista e não modificou a integridade conceitual da mostra, mas foi necessária para adaptar ao espaço expositivo, menor do que o de Porto Alegre.
Esta é a primeira curadoria sobre a temática queer no Brasil e na América Latina e abrange obras desde o século 19 até a atualidade, com artistas como Adriana Varejão, Cândido Portinari, Alfredo Volpi, Lygia Clark, Alair Gomes, Guinard, Leonilson e Pedro Américo, reunidas de coleções públicas e particulares.
Segundo Fidelis, o objetivo da exposição é expor as diferenças entre as pessoas, indo muito além das questões de gênero e de sexualidade, abordando todo tipo de comportamentos pensado e construído fora da perspectiva exclusivamente normativa e que se estabelece dentro da institucionalidade.
“Algumas pessoas têm uma certa dificuldade de entender. Até porque a gente não pode pensar gênero e sexualidade fora do universo da cultura, no seu sentido mais amplo, contemplando o território dos costumes e do conhecimento. Inclusive porque o termo queer, uma vez que foi reapropriado de maneira positiva, ele dá a sua contribuição pela sua amplitude, por contemplar todo um campo de manifestações que a própria sigla LGBT não contemplava”.
O curador explica que a teoria queer dá uma contribuição para a exposição, mas que a mostra não é uma ilustração dessa teoria. “A exposição se alimenta da teoria queer assim como outros campos teóricos, como o marxismo, o estruturalismo, formalismo”.
Fidelis considera que a reabertura da exposição para a sociedade brasileira “designa a vitória da democracia”. Ele destaca que todo o debate que se seguiu após o fechamento em Porto Alegre é um dos legados da exposição, além do combate ao fundamentalismo no país.
“Ela abriu o debate de uma maneira extremamente ampla, onde setores muito remotos da sociedade passam a debater gênero e sexualidade em consonância com a arte. Setores inclusive que não tinham pensado, debatido ou dialogado sobre arte até então. O debate continua, 11 meses depois do fechamento da exposição. Tem matéria, debate, discussão, teses de mestrado e doutorado, isso é muito importante”.
A exposição Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira poderá ser vista na Escola de Artes Visuais do Parque Lage do dia 18 de agosto até 16 de setembro. A escola fica aberta todos os dias. Além da mostra, o público terá acesso, também gratuito, a uma grande programação de debates sobre o tema, com curadoria de Ulisses Carrilho, e atrações musicais selecionadas por Julio Barroso entre artistas que militam no movimento LGBT. A mostra recebeu classificação indicativa de 14 anos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).