Por David Swanson.
O jornal The Guardian da segunda-feira (15/6/2015) tornou público um documento da CIA autorizando seu diretor a
(…) aprovar, modificar ou desaprovar quaisquer propostas relativas a pesquisas com seres humanos.
Pesquisas com o quê, mesmo?
Em Guantánamo, a CIA deu doses cavalares de uma droga aterrorizante chamada mefloquina a prisioneiros sem o seu consentimento, como também lhes administrou um suposto soro da verdade, a escopolamina. Um ex-guarda de Guantánamo, Joseph Hickman, documentou torturas perpetradas pela CIA, algumas levando à morte, e não acha outra explicação para aquilo a não ser pesquisas:
[Por que] homens de pouco ou nenhum valor foram mantidos sob essas condições, e submetidos a repetidos interrogatórios, meses ou anos depois de terem sido detidos? Mesmo se tivessem alguma informação importante quando chegaram à Guantánamo, que interesse haveria em fazer isso anos depois?… Uma resposta parece jazer na descrição que os Majores Generais [Michael] Dunlavey e [Geoffrey] Miller fizeram ambos de Guantánamo. Eles chamam aquilo de “laboratório de batalha da América”.
Experiências não consensuais em adultos e crianças internadas em instituições eram algo comum nos Estados Unidos antes, durante e mais ainda depois dos Estados Unidos e seus aliados levarem os nazistas a julgamento por estas práticas em 1947, sentenciando alguns deles a prisão e sete à forca. O tribunal criou o Código de Nuremberg, padrões para a prática médica que foram imediatamente ignorados pelos estadunidenses uma vez de volta ao lar. Alguns médicos estadunidenses consideraram o código algo “apropriado para bárbaros”.
Diz o Código em seu preâmbulo:
Faz-se mister o voluntário, bem-informado e inteligente consentimento do sujeito humano no gozo pleno de suas capacidades.
Uma exigência similar está incluída nas regras da CIA, mas não tem sido cumprida: médicos têm prestado assistência durante o emprego de tais técnicas de tortura como a simulação de afogamento.
Até agora, os Estados Unidos nunca aceitaram realmente o Código de Nuremberg. Quando o Código estava sendo criado, os Estados Unidos estavam contaminando pessoas com sífilis na Guatemala. E fizeram o mesmo com afro-americanos em Tuskegee. Durante o julgamento de Nuremberg, fezes contaminadas com hepatite foram servidas como alimento a crianças da escola Pennhurst, no sudeste da Pensilvânia.
Há outros casos de experimentações escandalosas: o Jewish Chronic Disease Hospital em Brooklyn, o Willowbrook State School em Staten Island, e a Holmesburg Prison na Philadelphia. E, é claro, o CIA’s Project MKUltra (1953-1973), um festival diferentes experimentações humanas. As esterilizações forçadas de mulheres em prisões da Califórnia não cessaram. Pela primeira vez, houve compensações financeiras pagas a vítimas de tortura pela polícia de Chicago.
Se quisermos deixar este comportamento desprezível para trás, devemos romper com certos maus hábitos. Nos últimos anos, o Congresso voltou a banir a tortura em diversas ocasiões. Agora, é preciso parar com esse joguinho e ao invés disso instar o Procurador Geral a fazer cumprir o estatuto contra a tortura, que fazia desta uma felonia antes de George W. Bush se tornar presidente.
É bom que John Oliver denuncie a tortura. E ele tem razão em investigar as mentiras ditas sobre a tortura num programa de entretenimento popular. Mas ele também está espalhando a falsa ideia de que isso é legal. “Verificamos”, disse ele, ao revelar que seu time de investigadores descobriu que o único banimento da tortura está numa ordem executiva escrita pelo presidente Obama. Isso é um perigoso non sense.
Os Estados Unidos participaram da Convenção Contra a Tortura e fizeram desta uma felonia antes de George W. Bush se tornar presidente.
Desde então, o Congresso “baniu” repetidas vezes a tortura, mas isso da mesma forma que a carta das Nações Unidas baniu a guerra legalizando, na verdade, algumas guerras.
Pretendendo substituir o banimento total da tortura presente no Kellogg-Briand Pact por um banimento parcial, os esforços do Congresso (como o Military Commissions Act of 2006) na verdade legalizaram certos casos de tortura, substituindo (pelo menos na cabeça das pessoas) o banimento total que já existia no Código dos EUA e num tratado do qual os EUA são partícipes.
A mais recente proposta de “banimento” do senador McCain e amigos criaria exceções formais ao Army Field Manual, e advogados sustentam que o próximo passo seria reformar o próprio Manual. Mas se você esquece ambos os passos e reconhece a existência de estatuto contra a tortura no código dos Estados Unidos, então pronto. O que se deve fazer é pressionar para que o Código seja aplicado.
O erro de Oliver, como, aliás, de muita gente, está fundado em dois mitos.
O primeiro: a tortura começou com Bush. O segundo: a tortura acabou com Bush. Muito pelo contrário, a tortura tem estado presente nos Estados Unidos e em toda parte por muito, muito tempo. Da mesma forma que a prática de “bani-la”.
A tortura é proibida pela Oitava Emenda da Constituição dos Estados Unidos, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pelo Pacto Internacional pelos Direitos Civis e Políticos, bem como pela Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanas ou Degradantes. Com efeito, pela lei internacional, a tortura nunca pode ser legalizada e está banida para sempre.
O segundo mito é também um equívoco. A tortura nunca cessou e não vai cessar enquanto houver impunidade. Um procurador geral pode ser questionado e ameaçado de impeachment até que nossas leis sejam cumpridas. Um novo sítio web foi criado na segunda-feira (15/6/2015).
Entre nele e mande seu e-mail ao Congresso para pedir-lhe que faça isso.
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[*] David Swanson (nascido em 1969) é norte-americano, ativista social, blogueiro e articulista e escritor. Obteve um mestrado em filosofia na University of Virginia, em 1997. Como um ativista é co-fundador do site After Downing Street (agora War Is A Crime .org). Swanson liderou campanha acusando de crimes de guerra o ex-presidente George W. Bush e o vice Dick Cheney através extinto site ConvictBushCheney.Org. Contribuiu com Dennis Kucinich em The 35 Articles of Impeachment and the Case for Prosecuting George W. Bush. Ajudou na organização de campanhas como a Velvet Revolution em oposição à United States Chamber of Commerce. Participa ativamente do movimento Occupy Washington originado de Occupy Wall Street.
Como autor, escreveu vários livros:
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War Is a Lie (2010), (em .pdf via internet)
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When the World Outlawed War (2011) e
– Counterpunch
Traduzido por Emerx.
Fonte: RedeCastorPhoto.