Por Thais Reis Oliveira.
Primeira operadora a assumir que trata pacientes do coronavírus com hidroxicloroquina ainda nas fases iniciais da doença, a rede Prevent Senior é frequentemente citada como exemplo da eficácia do remédio, ainda não provada cientificamente. Os números mostram, porém, que a realidade dos hospitais da rede não difere da média.
Dois dos três hospitais da Prevent Senior estão com 100% dos leitos de UTI para o coronavírus ocupados. E em todos eles, a taxa de ocupação da enfermaria ultrapassa os 93%. Os dados são do Censo Covid-19 do governo do estado de São Paulo, que monitora a ocupação de leitos, e foram obtidos com exclusividade por CartaCapital.
Segundo o relatório, a média de ocupação das UTIs da Grande São Paulo é de 83,9%. No Hospital Emílio Ribas, referência no atendimento à doença, a taxa de ocupação é das UTIs é de 85%. O informe foi divulgado sábado (17), e corresponde à lotação da sexta-feira.
O Ministério da Saúde restringe a recomendação a receita a doentes por covid-19 internados. Já na Prevent Senior o paciente da rede recebe em casa um kit com a hidroxicloroquina e a azitromicina. Bastando apresentar sintomas suspeitos leves, como perda de olfato ou paladar. A consulta pode ser feita via internet.
É um protocolo como esse que presidente Jair Bolsonaro espera ver nos hospitais públicos. A queda de braço culminou na saída do ministro Nelson Teich. O médico se negou endossar a mudança sem respaldo científico. Uma das postulantes à substituta é oncologista e imunologista Nise Yamaguchi, parceira da Prevent Senior.
O Censo Covid-19 monitora a taxa de ocupação dos leitos em 750 hospitais — públicos, de campanha e privados em São Paulo, e é atualizada diariamente pelos próprios hospitais. Desde o dia 30 de abril, o envio dos dados é obrigatório.
Apesar disso, a Prevent Senior não confirma os dados do relatório. Procurada por CartaCapital para comentar os números, a empresa respondeu em nota: “A taxa média atual de ocupação nos três hospitais exclusivos para tratamento de covid-19 é de 68%. Em nenhum deles é superior a 70,3%.” Disse que não tinha informações completas para avaliar o relatório e que “nossos dados são os que acabamos de apresentar.”. Também não respondeu quantos leitos enfermaria e UTI cada hospital reservara para doentes da covid.
O número também difere do informado à imprensa recentemente. Em entrevista à revista digital Oeste, publicada no dia 14 de maio, o diretor-executivo da Prevent Senior Pedro Batista afirmou que a taxa média de ocupação dos leitos era de 80%, e que a rede tinha 102 pacientes “entubados”.
Em março, quando a doença eclodiu em São Paulo, os pacientes estavam concentrados em uma única unidade da rede, no bairro do Paraíso. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta chegou a afirmar que o hospital se transformara em “ambiente de transmissão” da doença. O Ministério Público de São Paulo abriu inquérito criminal contra a rede para apurar se houve omissão de mortes pela doença. O caso segue em segredo de justiça.
Para um médico da Prevent Senior ouvido sob anonimato, o “sucesso” da cloroquina é outro. A telemedicina afastou os idosos do pronto-socorro e, com isso, diminuiu a contaminação de profissionais e e a contaminação cruzada entre pacientes. Fundada em 1997, a operadora é especializada no público mais velho e opera apenas na modalidade de contratação individual ou familiar. De acordo com a empresa, 75% dos clientes idosos de medicina de grupo na cidade de São Paulo são segurados da rede. O número total de beneficiários passa de 450 mil.
Em 17 de abril, a empresa apresentou resultados de uma pesquisa cujo objetivo era avaliar a eficácia e a segurança do coquetel na redução de internações em pacientes com suspeita de infecção pelo coronavírus. Em 20 de abril, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) suspendeu o estudo por suspeita de irregularidades.