Assim diz Joge Zabalza
Por Samir Oliveira.
O ex-tupamaro Jorge Zabalza disse, em entrevista coletiva na manhã de quarta-feira (12), que os governos da Frente Ampla no Uruguai deixaram de representar um “programa popular” e passaram por uma “mudança ideológica”. Preso político durante 11 anos no país vizinho, Zabalza está em Porto Alegre para participar da mostra “Cine Memória e Justiça”, promovida pela Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela, pelo Movimento Autônomo Utopia e Luta, pela Federação Anarquista Gaúcha (FAG) e pelo coletivo Catarse.
Ex-militante da Frente Ampla, ele deixou o partido no início dos anos 2000, após considerar que seus representantes passaram a integrar “a classe política do grande capital”. Fundado em 1971, o partido surgiu como uma coalizão política de dezenas de forças da esquerda uruguaia e só foi chegar à presidência da República em 2005, com o médico católico Tabaré Vásquez. Atualmente, a Frente Ampla governa o país com o ex-guerrilheiro tupamaro José Mujica.
Jorge Zabalza informou que, em 2003, havia 10 mil hectares de soja plantados em território uruguaio e, hoje em dia, o país colhe 1 milhão de hectares do grão. “Nos governos de Tabaré e Mujica, passamos de 10 mil para 1 milhão de hectares de soja transgênica no país, o que fez com que o uso de agrotóxicos fosse multiplicado em 800%. A transformação do Uruguai em um país ‘sojeiro’ não estava prevista em nenhum projeto político da Frente Ampla ou dos setores que compõem o partido”, criticou, acrescentando que Mujica facilitou a entrada do capital estrangeiro na produção de soja e que a exportação do grão “não paga um centavo de imposto” no país.
Para o ex-tupamaro, a Frente Ampla abandonou seu programa popular e de independência econômica. “Começou a haver uma mudança ideológica a partir de 1990, quando a Frente Ampla conquistou a prefeitura de Montevidéu. Foram deixando de ser a expressão de um programa popular para se converterem em um setor político do grande capital”, condenou.
Para ele, os grandes empresários do país e do exterior “se surpreenderam” com José Mujica. “Para eles, foi uma surpresa e uma sorte terem encontrado um governante como Mujica. Alguém que elimina resistências populares com o discurso, mas que, com a ação, abre as portas do país ao capital estrangeiro.”
Um dia após o golpe chileno ter completado 39 anos, Jorge Zabalza lembrou que até hoje nenhum país latino-americano governado pela esquerda deu passos concretos em direção ao projeto político de Salvador Allende. “O programa de governo da Unidade Popular começou pela expropriação e nacionalização do principal recurso chileno: o cobre. Nem a ditadura voltou a privatizá-lo. Para que haja algo parecido no Uruguai, seria preciso fazer a mesma coisa com a terra”, comparou.
O ex-guerrilheiro disparou também contra uma área na qual, para muitos países, o Uruguai é exemplar: a punição aos agentes de Estado que cometeram crimes de lesa-humanidade durante a ditadura (1973-1985). “Todas as conquistas foram graças aos familiares de desaparecidos e às organizações de direitos humanos, que venceram as resistências nos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, tanto quando a direita governava o país como agora”, opinou.
Para ele, após as eleições de 2009 ficou muito claro que há intenção política de “desvirtuar” essa luta. “Não conseguimos anular a ley de caducidad (lei que anistiou os militares uruguaios) porque nenhum candidato da Frente Ampla fez campanha em favor disso”, alfinetou.
Fonte: http://sul21.com.br/