Prensa Latina.- O ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla admitiu pela primeira vez que a ditadura militar que teve início em março de 1976 matou sete ou oito mil pessoas, um número que -disse- não conformava os empresários nacionais.
As declarações de Videla, contidas no livro Disposição final, do jornalista Ceferino Reato, figuram hoje nas capas de todos os jornais e geraram a imediata repulsa de organizações de direitos humanos.
De seu calabouço no presídio de Campo de Mayo, o ex-tenente general, de 86 anos, argumentou sobre o genocídio que “tinha que eliminar um conjunto grande de pessoas que não podiam ser levadas à Justiça nem também ser fuziladas”.
Cada desaparecimento pode ser entendido como o mascaramento, a dissimulação de uma morte, assinalou com frieza o repressor, quem reconheceu que não tinha outra solução e era esse o preço para ganhar a guerra contra a subversão sem que fosse evidente para a sociedade.
Videla denunciou igualmente, ainda que sem mencionar nomes, empresários nacionais, a quem atribuiu recriminações com respeito a que o número de desaparecidos era insuficiente.
“Ficaram aquém, teriam que ter matado a mil, 10 mil mais”, afirmou o general golpista ter escutado quem dissesse que ” lavaram as mãos. Disseram-nos: Façam o que tiverem que fazer e depois nos golpearam com tudo”, publicou o jornal Página 12.
Em outra parte da extensa entrevista, de 20 horas de duração, o ex-governante de fato reconheceu que do ponto de vista estritamente militar o golpe de 24 de março foi um erro, pois era desnecessário.
Não podíamos pedir mais nem precisávamos de mais, manifestou antes de se questionar Para que o golpe de Estado, então? Nosso objetivo, afirmou, era disciplinar uma sociedade anarquizada e também “ao sindicalismo e ao capitalismo prebendário”.
Com relação às palavras que dão título ao livro, explicou que a frase solução final (para se referir aos desaparecidos e assassinados) nunca foi usada.
“Disposição Final foi uma frase mais utilizada; são duas palavras muito militares e significam tirar de serviço alguma coisa por inútil. Quando, por exemplo, se fala de uma roupa que já não se usa ou não serve porque está gasta, passa à Disposição Final”, esclareceu.
As revelações de Videla geraram imediata repulsa em organismos de direitos humanos, como as Avós da Praça de Maio, cuja presidenta, Estela de Carlotto, deplorou a falta de arrependimento do genocida.
Por sua vez, Taty Almeida, das Mães da Praça de Maio Linha Fundadora, deplorou que “ainda lhe permitam fazer declarações públicas e sair em um livro”, e considerou necessário tomar medidas ao respeito, porque não se trata de um tema de liberdade de imprensa, senão que se está falando de um genocida.
Não tem direito que suas provocações sejam publicadas. O que reconheceu sobre os desaparecidos não é necessário escutar de sua boca, porque já se sabe. O único que falta é que o agradeçamos porque reconhece as atrocidades que fez, que já são conhecidas e já reconheceu, disse.
Enquanto isso, o diretor do Centro de Estudos Legais e Sociais, Gastón Chillier, estimou que as declarações “têm um valor de confissão, porque é a primeira vez que (Videla) fala do desaparecimento sistemático de pessoas tão explicitamente e com um valor tão brutal”.