Por Viegas Fernandes da Costa.
Eu queria chamar de Desterro esta floresta de humanos que meus olhos percorrem todas as manhãs. Mas o campo por onde se espalha a floresta, entre as pistas da rodovia Gustavo Richard, nasceu sobre o mar coberto pelo aterro. Então é nesta Florianópolis, que desterrou o mar, que se desterram humanos, faça frio, faça calor. Os corpos juntos em pequenos grupos, como bambuzais de carne e fome. A passarela do samba, próxima. Também o imponente edifício do Poder Judiciário e as janelas do Legislativo estadual. Sob os olhos do Estado, a floresta de humanos!
Outro dia, manhã fria, um ser humano dormia enrolado em seu cobertor puído. Escolhera como abrigo a canaleta de águas pluviais que descia da avenida para os baixios que outrora já foram praia – a Prainha. Ali, enfiado no valo de concreto, amanhecera. O trânsito acima de si rugia.
Na floresta de humanos, há muitas barracas, de variadas cores. Das barracas saem trabalhadores, microempreendedores na ironia das estatísticas oficiais, que oferecem suas mercadorias sob os semáforos da Gustavo Richard. Há inclusive, um que vende livros usados, páginas amarfanhadas, palavras.
Tem a senhora que pede moedas, um cão no colo. Também o “cavaleiro partido ao meio”, ziguezagueando com sua muleta entre o trânsito nervoso. Vez ou outra, disputando o território, as moças uniformizadas entregando prospectos de casa própria, apartamento de 70 metros quadrados na Beira Mar Norte: “localização privilegiada e heliporto privativo”.
A floresta de humanos ali, espalhando-se sobre a grama que cobre o aterro que cobre o mar que cobre Desterro. Empurrada pelos senhores de azul para fora dos corredores estreitos da cidade, a floresta multicolorida, corpos esquálidos, os pequenos grupos – que são muitos – espalhados como bambuzais de carne e fome, sob as janelas do Estado e sob os olhos nossos que passamos apressados.