O índio Arassari Pataxó se define “um guerreiro que luta pelo respeito dos direitos dos povos indígenas no Brasil”. Ele esteve em Roma para dar palestras em universidades, escolas e centros culturais sobre os problemas que sofrem os índios brasileiros, principalmente sobre a demarcação das terras.
O representante da etnia Pataxó do Sul da Bahia, local onde nasceu, conta à RFI que há tempos que seu povo luta pela proteção dos seus territórios, que são alvo de agressões e invasões porque possuem muitas riquezas, principalmente madeiras e minérios.
Segundo Arassari, muitos processos de demarcação de terras encontram-se bloqueados. Ele está cursando Direito Penal na Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro para ajudar nas reivindicações dos povos indígenas. “Nós indígenas nos reunimos em associação para defender nossos direitos e para reivindicar a demarcação total das nossas terras”.
Em todas as conferências que participou na capital italiana – organizadas pela Associação Cultural Alberos – ele se apresentou com seu cocar de penas coloridas e também explicou as antigas tradições do seu povo.
“Eu vim a Roma para trazer a voz dos povos da floresta. Porque nós, povos indígenas, temos a missão de preservar e residir dentro das florestas. Antes de ser chamado Brasil, era a Terra Pindorama. Ali era de todos os povos. Era um paraíso. Minha luta é justamente ajudar a salvar aquele paraíso, que hoje está condenado à destruição pela ganância do homem. No Brasil, está sendo tirado o nosso direito de voz. Então eu venho clamar para o mundo que respeite os nossos direitos e que as autoridades brasileiras possam demarcar o nosso território e nos deixar viver em paz”, diz Arassari.
Degradação
Apesar de os povos indígenas sofrerem com problemas há muitos anos, segundo Arassari, a situação piorou com o governo de Jair Bolsonaro. As declarações do presidente brasileiro contra a demarcação de terras indígenas começaram antes da campanha eleitoral de 2018 e continuaram depois que ele assumiu a Presidência da República.
Depois de assumir o mandato presidencial, Bolsonaro editou uma medida provisória para reorganizar ministérios e extinguir algumas pastas. Pela medida, a Funai (Fundação Nacional do Índio) sairia do Ministério da Justiça e Segurança Pública e passaria a ser competência do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, chefiado por Damares Alves. A Funai também perderia a função de demarcar terras indígenas, que passaria a ser do Ministério da Agricultura.
No entanto, o Congresso rejeitou essas mudanças. No texto final da medida provisória, aprovado no fim de maio, a Funai continuou no Ministério da Justiça, e responsável pelos estudos que servem de bases para as demarcações.
Ganância
Arassari critica a gestão do governo de Bolsonaro sobre a preservação ambiental. Segundo ele, prevalece a ganância.
“A situação piorou bastante porque esta gestão presidencial tem dito que, para o Brasil crescer economicamente, tem que usar o solo indígena, tem que vender o ouro, destruir, vender as madeiras. Isso é um equívoco deles. Eles estão errados porque a maior riqueza é a preservação ambiental, gerando vida para toda a humanidade, equilíbrio climático.”
“É preocupante quando ele diz que vai usar a Amazônia para enriquecer o país. Cerca de 50% da população indígena está ali, dentro da Amazônia. Os índios são responsáveis pela proteção do território. Quando a gente tem uma visão panorâmica do Brasil vemos que todas as terras indígenas têm água potável, têm solo fértil. Eles são gananciosos”, ressalta.
Relação com as ONGs
Recentemente, Jair Bolsonaro acusou as Organizações não-Governamentais, de mandar incendiar a Amazônia e responsabilizou o ator Leonardo DiCaprio por financiá-las. Arassari rebate as declarações do presidente.
“Quem fala pelos povos indígenas são os povos indígenas. Está na constituição federal, no artigo 231 e 232, que é respeitado aos povos indígenas suas formas de organização social. Qualquer instituição pode conversar com os povos indígenas. Até então nenhuma ONG tem prejudicado a natureza, tem interferido nas decisões dos povos indígenas. Ele usa isso para tirar a nossa terra e entregar nas mãos das grandes empresas, na mão dos ruralistas.”, acusa.
O representante Pataxó defende as ONGs: “As ONGs na maioria das vezes têm feito um grande trabalho que é de preservação, de trazer autonomia para aquela nação que não tinha voz. Por exemplo, em certos casos, é preciso viajar cinco dias de barco para chegar a uma aldeia. E como chegar um médico lá? Às vezes mesmo pagando os médicos não querem ir à aldeia. Aí nós temos alguns voluntários que entram na aldeia porque amam a causa. O governo não apoia este tipo de iniciativa. O motivo de eles ficarem falando tudo isso é porque querem que o indígena fique lá morrendo sem atendimento”.
O Sínodo para a Amazônia
Em outubro passado concluiu-se, no Vaticano, o Sínodo para a Amazônia, uma iniciativa inédita da Igreja Católica. Segundo Arassari, o Papa Francisco abriu o diálogo com o mundo trazendo a questão indígena por meio deste Sínodo.
Segundo ele, os indígenas estão preocupados com “a diminuição das florestas, as queimadas, com a fauna e a destruição do solo, mas principalmente porque na Amazônia, está a maioria dos povos indígenas e isso coloca a vida dos povos em risco de extinção. Eu acredito, assim como meu povo, que esse encontro com o papa foi uma abertura para o mundo conhecer a nossa realidade, que até então não era contada. O papa trouxe essa oportunidade para que a humanidade perceba que a questão indígena diz respeito ao mundo”.
Relação com Igrejas Evangélicas
“É muito preocupante, porque esta religião evangélica já chega dizendo que a nossa cultura é do inferno, que nós temos que garantir um espaço no céu. Os nossos velhos, que são as nossas grandes lideranças, dizem que a gente não pode aceitar esse tipo de religiões dominantes, pois entra em contraste com o nosso entendimento. Porque a nossa religião é indígena, nós não precisamos deste tipo de interferência religiosa. Também uma nação deve ser diferente, e as outras culturas devem respeitar a forma indígena como pensamos. Eu não aceito religião na minha aldeia. Temos uma luta constante contra isso” ressalta.
Etnias indígenas no Brasil
Arassari conta que no Brasil existem 380 etnias indígenas que falam 184 idiomas.
“Hoje tem cinco tipos de indígenas no Brasil. O isolado, que é aquele que nunca teve contato com outras culturas os civilizações. O semi-isolado, que já teve contato com a Fundação Nacional do Índio, ou com outra etnia. Também temos o índio aldeado, que é aquele que vive na aldeia e, apesar de ter contatos com outros povos, não quer sair da aldeia. Além disso, temos o índio em contexto urbano, que é aquele que fugiu da sua aldeia por motivo de guerra ou saiu para estudar e está residindo na cidade. Por fim, temos o indígena que está em sistema de reconhecimento da identidade. É aquele que nasceu na cidade porque o pai fugiu da aldeia e quer regressar à tribo original”, explica.
O povo Pataxó
Os Pataxós são o nono povo mais populoso do Brasil, com 23 mil indivíduos que vivem em 18 aldeias. Hoje estão localizados em três Estados brasileiros. Na Bahia, em Porto Seguro, Cabrália e Prado; em Minas Gerais, na cidade de Carmésia; e também no Rio de Janeiro, em Paraty.
Eles foram os primeiros a entrar em contato com os europeus porque estavam no Monte Pascoal, chamado assim porque os portugueses chegaram na Páscoa.
“Pataxó significa som da água batendo na pedra. Somos povos ágrafos, não usamos a escrita. A nossa transmissão e propagação de conhecimento é na oralidade. Os nossos velhos se tornam arquivos vivos para nos ensinar. Todas as nossas informações, nós sentamos na fogueira com o velho e ele nos ensina tudo da vida. Nas outras culturas, principalmente europeias, a pessoa mais inteligente é aquela que tem diploma, que fala vários idiomas. Para o nosso povo o mais inteligente é aquele que vive mais, é o velho, por isso que ele é sagrado para nós”, acrescenta.