Eu escolhi não ter filhos, e isso não me faz menos feliz ou completa

9

Por Revati Upadhya.

“Você vai superar isso algum dia”, dizem algumas pessoas, não considerando o fato de que isso, na verdade, é uma escolha consciente sobre a qual eu já ponderei bastante.

Ao longo dos meus vinte e poucos anos, assim como muitas mulheres da minha idade, eu aguardei pacientemente o despertar do meu instinto materno. Com o passar do tempo, passei a suspeitar que talvez ele nunca aflorasse. Não é que eu não goste de crianças; na verdade, amo passar meu tempo com os filhos dos meus amigos e com as crianças da minha família. Eu só não sentia vontade de ter meus próprios filhos. E ainda não sinto.

Dois anos atrás, quando eu completei 30 anos, algo aconteceu. Meus amigos e minhas amigas começaram a ter filhos. Ao vê-los tendo que equilibrar seus empregos e suas vidas sociais com a criação das crianças, passei a me perguntar onde é que eles encontravam tanta energia e empatia para seguir em frente.

Eu ainda não queria ter filhos, mas certamente já começava a me sentir pressionada a me encaixar nesse padrão. Além disso, começava a ficar cansada de explicar por que eu não queria me encaixar. Se eu ganhasse uma moeda toda vez que recebesse um conselho sem ter pedido um, já poderia ter me aposentado anos atrás.

“Vamos lá, tenha seus filhos agora. Assim você estará totalmente livre quando tiver 40 anos. É melhor planejar o futuro, não é”?

A pressão aumentava quando eu estava rodeada de crianças em festas de família.

“Ta vendo só, você é tão boa com crianças. Por que você não quer ter suas próprias? Você gosta tanto delas. Eu não consigo entender”.

Talvez eu pudesse ser uma boa mãe. Mas, e se mesmo assim, eu não quisesse ser?

A maternidade está tão profundamente enraizada em nosso conceito do que significa ser “maduro” que todas as opiniões contrárias são vistas como uma loucura temporária. Se você é adulto, então você precisa se casar. Se você é casado, então você precisa ter filhos (ou pelo menos tentar). E é completamente normal para todos – pais, sogros, vizinhos – darem conselhos sobre os porquês e as razões da procriação.

Ser lembrada constantemente sobre meu “relógio biológico” me fez sentir como se eu precisasse ser mãe para ser completa. No entanto, minha vida não parecia incompleta sem um bebê, e eu sabia que meu marido pensava a mesma coisa. Então por que eu ainda me sentia imperfeita? Agora eu sei que eu carregava um pouco de vergonha. A pressão para cuidar de um produto com o meu próprio DNA era real, e eu simplesmente não queria isso.

Nós estamos tão obcecados com a procriação que acabamos legitimando a intrusão sobre as escolhas reprodutivas de uma mulher. Com o passar do tempo, isso pode até fazer a mulher mais confiante e segura de si sucumbir ao medo da solidão que é associado a uma vida sem filhos.

Até mesmo uma visita ao ginecologista para discutir métodos anticoncepcionais carrega uma parcela de vergonha.

“Por quê você quer um DIU?”

“E se você mudar de ideia e tiver dificuldades para engravidar depois?”

Ou, a pior de todas: “Você vai se arrepender disso algum dia.”

Cada conselho não solicitado resulta em corpos femininos sendo policiados, sem o nosso consentimento, para se encaixarem nos limites estabelecidos por uma cultura, de forma arbitrária e sem nossa opinião. Isso reflete uma disposição cultural mais ampla de projetar a maternidade em mulheres que não a escolheram, frequentemente com repercussões violentas.

Em um mundo que ainda defende a maternidade como sinal de sucesso e aceitação – sem importar com o que mais você espera fazer da vida – a opção de não ter filhos é automaticamente vista como preguiçosa, infantil e rebelde. Meu direito e minha opção de não ter filhos é marcada como “egoísta”.

No ano passado, eu me deparei com o livro “Selfish, Shallow, And Self-Absorbed: Sixteen Writers On The Decision Not To Have Kids” [Egoísta, Supérflua e Autocentrada: Dezesseis Escritoras Sobre Sua Decisão de Não ter Filhos], editado por Meghan Daum. O livro é uma coleção de textos articulados, incisivos e sinceros que desafiam nossos tabus envolvendo uma vida sem a maternidade.

Pela primeira vez na minha vida, descobri que existem outras pessoas como eu: pessoas reais com histórias reais, pessoas para as quais uma vida completa não inclui ter filhos. Lendo o livro, percebi quão pouco discutimos sobre este assunto na Índia, onde vivo. Tirando conversas privadas com amigas que estavam em cima do muro ou já começavam a se inclinar em ter uma vida sem filhos, eu não lembro de ter expressado livremente minha opinião nenhuma vez.

“Você vai superar isso algum dia”, dizem algumas pessoas, não considerando o fato de que isso, na verdade, é uma escolha consciente sobre a qual eu já ponderei bastante.

Daum descreve isso lindamente em sua introdução: “Já está na hora de pararmos de confundir autoconhecimento com egoísmo”.

Um dos meus textos favoritos no livro chama Beyond Motherhood [Além da Maternidade], de Jeanne Safer. Estas frases me tocaram em especial:

“Não há vida sem arrependimentos. Toda escolha importante tem suas vantagens e desvantagens, queira as pessoas admitam isso ou não ou até mesmo reconheçam o fato: não ser mãe traz a liberdade radical e duradoura que é essencial para minha felicidade. Eu nunca conhecerei a intimidade ou o impacto que ser uma mãe tem sobre um filho. Perdas, incluindo a perda de possibilidades futuras, são inevitáveis na vida; ninguém consegue ter tudo.”

E, nessas palavras, encontra-se o meu conforto em optar por essa vida. Eu não posso me preocupar com um possível arrependimento futuro. Assim como os pais escolhem ter filhos por uma variedade de motivos que fazem sentido para eles, essa é uma escolha que faz mais sentido para mim agora.

Todos os conselhos que já recebi são baseados na suposição de que essa é uma escolha temporária. As pessoas tentam insistentemente me convencer que esta é uma fase que uma hora vai passar.

Você não está com medo de perder isso? Você e seu marido não querem algo novo na vida de vocês? Você não está sentindo o desejo de se tornar mãe e ter alguém para cuidar de você quando ficar velha?”

A única resposta que vem consistentemente na minha cabeça é um retumbante não.

A verdade é que essa foi uma escolha natural para mim. Uma escolha que, ao contrário da maioria das outras decisões da minha vida adulta, não causou nenhuma angústia. Além do fato de eu não sentir vontade de ter filhos, não sou otimista sobre a direção geral a qual a Índia e o mundo estão rumando para que eu sinta vontade de gerar uma vida.

Sinceramente, o que acontece dentro do meu útero ou aquilo que escolho fazer com minhas partes íntimas deveria ser um problema meu. E, a menos que seja meu companheiro, meu médico ou alguém que eu tenha escolhido, ninguém precisa saber o motivo pelo qual eu decidi não querer ter filhos. Courtney Hodell fala com clareza em seu texto sobre isso: “É impossível evitar parecer que você está na defensiva quando fala sobre não querer ter filhos, como se estivesse tentando provar a incontestável beleza de uma existência egoísta e sem problemas”.

Nenhum conselho bem-intencionado já me comoveu ou me fez repensar minha escolha. Eu sempre senti que a única razão para ter um filho é querer ter um filho. E já que esse sentimento nunca chegou, aqui estou com 32 anos, casada há quase 8 e em paz com o fato de que talvez essa vontade nunca chegue.

A famosa escritora feminista Urvashi Bhutalia diz que, seja qual o rótulo que você escolhe colocar em uma vida sem filhos, no fim é apenas uma outra opção de vida.

Ainda sobre o texto “Beyond Motherhood”, este trecho colocou de forma sucinta aquilo que eu levei dois anos para entender:

“A autoaceitação e a libertação real envolvem reconhecer as limitações, não negá-las em tom grandioso. As mulheres podem se sentir realizadas com ou sem filhos. Você certamente pode ter o suficiente sem precisar ter tudo.”

Eu agradeço muito por viver em uma época, em uma família, em um segmento socioeconômico e em um grupo onde essa escolha ainda é minha, no final das contas. Eu agradeço por ter saúde, por ter segurança e por ser a maior autoridade sobre meu corpo. Poder exercer essa escolha em paz, com todas suas vantagens e desvantagens, é uma experiência infinitamente libertadora.

Este post foi traduzido do inglês.

Fonte: Buzz Feed.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.