Etarismo ou a merda de ser velho no capitalismo. Por Elaine Tavares.

Foto: Kindel Media/ Pexels

Por Elaine Tavares.

Tenho observado muita gente falando nas redes sociais sobre o lance da velhice e sobre o direito de se parecer velho. Li textos e vi vídeos de mulheres discutindo a beleza de envelhecer e de seguir o rumo da vida, libertas de tintas e estereótipos estéticos. Embutido nesse discurso, claro, a crítica de um mundo no qual o velho é totalmente esquecido e dispensado de atuar como sujeito criador. Ao velho, dizem, é relegado o papel passivo de aposentar e abrir espaço para os jovens. E, diante disso, faz-se essa defesa do direito de envelhecer com dignidade, aceitando o processo.
Quero me permitir um pitaco.
Já faz sete anos que cuido do meu pai, que é velho e tem a doença de Alzheimer. Posso afirmar sem medo de errar que ser velho é foda. E ser um velho doente, mais foda ainda. Já ser velho, doente e empobrecido, aí é o inferno de Dante. Então, creio que há que se ter muito cuidado com esse elogio da velhice desvinculado da condição de classe.

Ficar velho é condição natural da vida. Mas, a condição de classe da pessoa determina situações muito diferentes. Tiro isso por conta da experiência com o pai. Faço parte de grupos de familiares que têm Alzheimer e observo o drama das famílias de trabalhadores empobrecidos para dar um mínimo de qualidade de vida para seus velhos doentes. É uma batalha inglória tanto para quem cuida quanto para quem é cuidado. As famílias hoje são pequenas e não há gente suficiente para cuidar, já que o cuidado é de 24h. Daí é comum recorrer a remédios que dopam ou asilos. Isso não é falta de amor. É falta de condição.
Hoje ficamos mais velhos que há décadas passadas. E com tanto de vida pela frente sentimos necessidade de ser criador, seguir contribuindo com a sociedade. Mas, nos pedem que saiamos, para dar lugar aos jovens. E, apesar de todo esse discurso sobre a “terceira-idade”, “melhor idade” e o escambau, o velho é jogado para o esquecimento. Se ele não se mantiver ligado nas redes sociais, fazendo dancinhas ou qualquer outro espetáculo, está fora, esquecido. Não importa se foi alguém que fez coisas importantes, na vida, no trabalho, na cultura da sua comunidade. Se ele saiu, pronto. Esquecido.
Outro dia me surpreendi vendo um ator famoso, lindo e jovem, ser escalado para fazer um velho num filme. E todos os atores velhos que estão aí esperando um papel? Não importa. Estão velhos. Não dá mais. Então, caracteriza um novo para ficar velho. E se o ator velho, que já foi grande, faz um papel pequeno ou bobo num filme, lá vêm críticas… Não há paz para o velho. O velho que vá pra casa descansar. Bueno, há velhos que conseguiram juntar grana e podem curtir a aposentadoria, viajando, fazendo coisas legais. Mas a maioria dos velhos – que são da classe trabalhadora – não consegue juntar dinheiro para viagens ou curtição. As aposentadorias minguadas servem para comprar remédios que vão tratar doenças adquiridas nessa vida de sacrifício. O capital lhes tira tudo, a vida produtiva e depois a alegria da aposentadoria. Essa é a realidade. Assim as coisas são.
Então, por isso que ao falar sobre a velhice a gente tem de pensar sobre o modo de vida que produz essa sociedade egoísta, produtivista, capitalista. O velho, nesse mundo, está fadado ao sofrimento. Porque ele já não produz mais para o capital, porque ele não é útil para mais ninguém, porque ele vira um incômodo.
Não é de espantar então atitudes como a do nosso querido Flávio Migliaccio, ou Walmor Chagas, ou agora o lindo Alan Delon. O velho, doente e incapacitado, se vê e é visto como um estorvo. Se é rico ainda consegue decidir sobre sua vida/morte, se é pobre não tem chance alguma. Nem nesse momento. Nem nessa hora noa.
Ainda há muita estrada para andar nesse tema da velhice. Mas se a gente não pensar primeiro sobre a necessidade urgente de se ter uma sociedade capaz de lidar com o velho, sem comiseração, mas com respeito a tudo que ele foi, continuará sendo um fardo pesado envelhecer. E quando digo envelhecer não tem nada a ver com a gente não pintar mais os cabelos, mas enfrentar toda a decrepitude que a idade traz, inclusive a intelectual, e o abandono que lhe segue. Saber que teremos cuidado quando essa hora chegar pode mudar muito nossa relação com a velhice.
Mas, hoje, como o mundo é, é impossível ter alguma esperança. Só mesmo a angústia de saber que chegará a hora em que nos deixarão no meio do caminho, abandonados e sós.
Com o meu pai, venho mudando minhas práticas e aprendendo muito sobre esse processo. Mas, cuidar de um velho não pode significar a morte do jovem. Há que existir espaço para os dois. Espaços de vida, de alegria e de fruição. E, no capitalismo, “my friend”, isso não vai acontecer.
Elaine Tavares é jornalista.

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