Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec, mostrou que 88% do portfólio da Danone disponível nas prateleiras receberia um aviso de “alto em açúcar” ao ser submetido aos critérios do Perfil Nutricional da Organização Pan-Americana de Saúde, a Opas.
A pedido do Joio, o Idec submeteu todo o portfólio das empresas Nestlé, M. Dias Branco, Unilever, Mãe Terra, Mondelez, Danone, Vigor, JBS e BRF ao perfil nutricional da Opas – as empresas estão entre as mais importantes do mercado nacional de alimentos ultraprocessados.
Para tanto, foi utilizada uma base de dados coletada em 2017, que contém no total 12.000 produtos – sendo 1.515 produtos destas marcas, encontrados em cinco supermercados de diferentes regiões do país. Os resultados serão publicados ao longo de novembro em reportagens na página do Joio.
O perfil da Opas estipula que alimentos e bebidas com 10% ou mais de seu valor energético total (kcal) proveniente de açúcares livres devem ser considerados altos em açúcar.
O Brasil terá a partir de 2022 uma mudança na parte frontal das embalagens de alimentos. Por decisão da Anvisa, os pacotes deverão estampar uma lupa na cor preta com um aviso de “Alto em” sal, açúcar e gorduras saturadas se ultrapassarem as quantidades previstas de cada um desses ingredientes em suas formulações.
Inicialmente, a Anvisa havia sinalizado a possibilidade de adotar alertas frontais inspirados no modelo criado em 2016 pelo Chile. O perfil da Opas foi criado em seguida ao modelo chileno justamente para ajudar os governos nacionais a definir quais seriam as linhas de corte para o excesso de sal, açúcar, gorduras e gorduras saturadas.
Mas a Anvisa decidiu criar um novo modelo de rotulagem, inspirado num sistema adotado pelo Canadá. E também criou o próprio perfil de nutrientes, no geral com critérios mais brandos que os sugeridos pela Opas. Para que se tenha uma ideia, no caso da Danone, 91,8% dos produtos não receberiam nenhum alerta. Apenas 6,6% seriam considerados como excessivos em açúcar.
Os resultados do estudo, que podem ser conferidos aqui, mostraram que 1.273 produtos, ou 84% do portfólio dessas empresas, ganhariam ao menos um alerta de conteúdo nutricional previsto pelo Perfil Nutricional da Opas.
O perfil define seis alertas de conteúdo nutricional, que indicam excesso de sódio, açúcares livres (adicionados), gorduras saturadas, trans, totais, e presença de adoçantes artificiais (edulcorantes).
No caso de BRF e JBS, as duas maiores processadoras de carne do país, 61% dos seus portfólios receberiam alertas de alta quantidade de gorduras totais e 68% de alta quantidade de sódio.
Já as empresas Nestlé, Mondelez e Danone, especializadas na produção de alimentos e bebidas açucaradas, teriam 76% de seus portfólios classificados como “alto em” açúcar.
Para M. Dias Branco e Vigor, o percentual de produtos com alta concentração de gorduras saturadas é de 72%, enquanto a Unilever apresenta 68% de produtos com alta concentração de açúcar e 50% com alta concentração de sódio.
A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representam as empresas citadas no levantamento, foram procuradas pelo Joio, mas não responderam até o fechamento da reportagem
Mostramos recentemente que o Perfil Nutricional da Opas foi considerado “o mais restritivo já elaborado” em um documento encomendado pela Coca-Cola dos EUA.
Ele se mostrou mais rigoroso do que perfis nutricionais criados por outros escritórios regionais da Organização Mundial de Saúde e pelos critérios utilizados pela Food Standards Agency, a agência reguladora do Reino Unido.
Sob os critérios do perfil da Opas, alguns produtos vendidos no Brasil chegam a receber cinco alertas. É o caso do Iogurte Ninho Zero Lactose, produzido pela Nestlé e voltado ao público infantil, e do Activia Zero Lactose, fabricado pela Danone.
Desvantajoso para a indústria
Para uma das responsáveis pelo estudo, Giovanna Calixto, pesquisadora associada ao Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Faculdade de Saúde Pública da USP, o levantamento “deixa claro que o critério da Opas é desvantajoso para a indústria”.
“Muitas dessas empresas utilizam propagandas que vinculam seus produtos com saúde”, argumenta ela, “e ao mesmo tempo, agora, caso fossem submetidas ao perfil da Opas, poderiam trazer alertas de alto conteúdo de açúcar, gordura saturada, e assim por diante”.
Laís Amaral, nutricionista e pesquisadora em alimentos do Idec que também conduziu o levantamento, explica que o perfil nutricional da Opas é baseado em evidências científicas e tem como foco a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, podendo ser utilizado como critério para determinar quais alimentos devem ser tributados, receber alertas de alto conteúdo nos rótulos ou ter sua venda proibida em escolas.
“O trabalho mostra que a maior parte do portfólio da indústria tem baixa qualidade nutricional e de ingredientes; e seria ‘reprovado’ pelos padrões do perfil nutricional”, diz ela. “Mesmo marcas que se vendem como saudáveis não passariam no teste.”
A Mãe Terra, marca controlada pela Unilever que tem marketing orientado para a ideia de produtos “naturais” e orgânicos, teria 36% de seus produtos “reprovados” pelo critério de quantidade de açúcar e 30% pelo critério de quantidade de gorduras saturadas.
O Salgadinho Orgânico de Milho e Arroz Integral sabor Milho Verde da Mãe Terra, por exemplo, receberia alertas para alto conteúdo de gordura total, gordura saturada e sódio, enquanto o Biscoito Orgânico Integral Sabor Cacau e Castanhas receberia alertas para alto conteúdo de açúcar, gordura total e gordura saturada.