Por Julia Saggioratto e Claudia Weinman.
A Escola de Educação Básica São Sebastião, de São Miguel do Oeste/SC, sofre ameaça de municipalização pela gestão municipal, que vem chamando a ação de “otimização”. A escola, que é estadual e atende turmas do 1º ao 9º ano, além de turmas da pré-escola em colaboração com o município, tem um dos melhores índices do Ideb da região, que é um indicador criado pelo governo federal para medir a qualidade do ensino nas escolas públicas. Já em 2016 estudantes cobravam a implantação do ensino médio na escola e temiam o fechamento da mesma. Em 2018 entrevistamos estudantes, educadoras e a direção sobre o posicionamento em 1º lugar no Ideb no município à época e a ameaça de municipalização.
A escola São Sebastião, SMO, ficou em primeiro lugar no Ideb no município;
Estudantes do São Sebastião, em São Miguel do Oeste/SC, cobram ensino médio na escola
Desde o dia 19 de outubro, quando a gestão municipal apenas comunicou a comunidade escolar que o processo de municipalização já estava em andamento, uma comissão formada por mães e pais de estudantes vem se reunindo, propondo e realizando ações para combater essa conduta. Para Lucilene Binsfeld, mãe de um estudante do 5º ano e integrante da comissão, o processo já iniciou de forma antidemocrática, já que a decisão sobre a municipalização foi tomada sem a consulta da comunidade escolar e da comunidade São Sebastião como um todo. Segunda ela, a estratégia tomada pelas gestões municipal e estadual foi equivocada.
Lucilene destaca que a Escola São Sebastião tem uma história junto à comunidade. Pais e mães que têm seus filhos na escola, também foram alunos da mesma. “Ela tem um pertencimento ao bairro São Sebastião, tem um corpo docente muito dedicado e acolhedor”, comenta a mãe. Ela menciona que muitas escolas possuem superlotação das turmas, o que dificulta o aprendizado. “Nesta perspectiva, tivemos relatos de mães que têm seus filhos na escola São Sebastião, de que quando seus filhos estavam na escola municipal estavam com uma tremenda dificuldade no aprendizado”, ela destaca que os relatos relacionam a melhora no aprendizado e evolução nos conhecimentos das crianças com a sua integração na EEB São Sebastião e que isso não pode ser ignorado.
A professora Maria Helena Mosquen, que trabalha na escola desde 2019, comenta que ao iniciar o trabalho o fato de a escola possuir o maior Ideb da região chamou sua atenção. “Comecei a descobrir os projetos que a escola faz, tem projeto de leitura há muito tempo, a escola faz a escuta dos estudantes e a partir dessa escuta se constrói o projeto pedagógico da escola, ela está no centro da comunidade do São Sebastião, tem um vínculo interativo”, comenta. A partir destas observações os/as professores/as da escola produziram um artigo investigando as motivações para a escola se destacar no Ideb, o qual foi publicado e apresentado.
Estudantes têm seu direito à educação violado
Com a municipalização turmas do 6º ao 9º serão encerradas, as crianças teriam de ser transferidas para outras escolas, entre as opções seriam a EEB São Miguel, no centro da cidade, ou para a EEB Professor Jaldyr Bhering Faustino da Silva, escola cívico-militar, além de escolas municipais. “No 6º ano, a maioria [dos alunos estão] com 11, 12 anos, é uma idade muito difícil para fazer uma mudança drástica, porque sair de uma escola menor, acolhedora, onde todos se conhecem, têm uma convivência, e ir para um espaço maior onde tem um público bem maior de estudantes e uma outra dinâmica, pode impactar na vida destas crianças e adolescentes”, ressalta Lucilene.
A notícia chegou com tristeza para os/as estudantes e professores/as, como comenta Maria Helena: “Isso começa a trazer para os estudantes a reflexão, a indignação, porque eles estão num espaço e esperavam que no ano que vem estariam no 6º ano, mas esse espaço não é mais deles. Então com essa perda desse espaço que se começa um debate na escola, nas salas de aula, com essa indignação”. Segundo a professora, que vem reunindo os relatos dos/as estudantes, o sentimento das crianças e adolescentes é de que seu direito está sendo violado, pois fechar escola é crime. A discussão realizada trouxe elementos como a identidade que foi construída na escola. “A escola é mais, é a vida na comunidade”, menciona a professora, que destaca que os/as estudantes não conseguem entender porque o espaço que gostam e que aprendem, onde existe muita produção, uma identidade construída há tantos anos, de repente não vai mais existir.
O debate realizado entre as crianças e adolescentes resultou em produções de poesias e cartazes. “O que está nos cartazes são opiniões, relatos e sentimentos dos estudantes”. O espaço da escola, como lugar de vida, de partilha e solidariedade abre caminho para que os/as estudantes possam dividir, além das alegrias e sonhos, suas dores e frustrações. Os/as educandos/as dividiram com o Portal Desacato o pedido e desejo de continuarem em sua escola, pede para que não seja municipalizada para atender interesses individuais dos chefes dos poderes no interior catarinense.
Também escreveram outras tantas cartas para o governador, deputados estaduais, para a coordenadora regional da GERED e para outros meios de comunicação, as quais foram entregues na tentativa de chamar atenção para a defesa do educandário.
As linhas escritas foram preenchidas com sensibilidade e carinho, com a letra e o sonho dessas crianças e adolescentes viverem em uma escola livre. Leia as demais cartas:
A professora fala também sobre uma pesquisa realizada por ela sobre o fechamento de escolas do campo e os impactos desta desterritorialização do/a estudante. “Quando a comunidade perde a escola, perde, também, algo junto com ela. Ela perde a identidade, o seu território, seu espaço, o lugar de debate, de produção, é o cartão postal da comunidade, um espaço de encontro e vivências”. Maria Helena ainda comenta que não foi feito um estudo de viabilidade, de impacto social na comunidade com o fechamento das turmas neste momento. “O que vai acontecer com a comunidade? A vida, a identidade aqui desse grupo não vai mais acontecer. Para esses jovens isso é um impacto muito grande. A escola vai estar sendo fechada para nós, 5º ano não tem mais matrícula aberta”, comenta. Para ela, a perda do vínculo dos/as jovens com o espaço onde vivem é o maior impacto do fechamento da escola.
Comissão de mães e pais se organiza
Um abaixo-assinado organizado pela comissão de pais e mães circulou pela comunidade e reuniu mais de 700 assinaturas contra a municipalização da escola. Além disso, a comissão solicitou uma reunião com o prefeito Wilson Trevisan (PSD), o qual, segundo Lucilene Binsfeld, não aceitou o abaixo-assinado, se referindo ao mesmo como algo ultrapassado, além de salientar que a decisão não teria volta pois seria um direito do município. “Foi bastante tumultuada a reunião, não teve um espaço democrático para expor as ideias, constantemente os pais e mães da comissão eram interrompidos”, destaca Lucilene. A partir desta reunião o grupo recebeu a orientação de que deveriam tratar do assunto com a Gerência Regional de Educação (GERED) e não com o município. “Nós entendemos que não, a GERED também é importante, mas a municipalização não se dá só pela GERED, ela tem a participação do município também”.
Em reunião posterior com a GERED a comissão foi recebida e ouvida pela coordenadora regional Eliane Galiazzi, momento em que a Gerência recebeu o abaixo-assinado e protocolou o ofício elaborado pelos pais e mães contra a municipalização. Neste momento de conversa a coordenadora Eliane ressaltou que a luta contra a municipalização é um direito das famílias.
Lucilene Binsfeld, que atuou em outubro deste ano como suplente da vereadora Maria Tereza Capra (PT), solicitou, durante este período, um requerimento de informação sobre a municipalização. A resposta da gestão sobre o requerimento foi de que ainda não haviam documentos pois as tratativas ainda estavam em andamento. Apenas as atas das reuniões realizadas com o corpo docente e com a comunidade no dia 19 de outubro foram enviadas.
“A gente sabe que aluno tem a ver com recurso financeiro”
Em Chapecó/SC, onde também existem tentativas de municipalização, seis das dez escolas que estavam ameaçadas conseguiram reverter a situação, ou seja, não existe uma obrigatoriedade em municipalizar. “A gente sabe que aluno tem a ver com recurso financeiro, infelizmente é essa a cifra que se vê neste processo, quanto mais alunos você tem na escola, mais o município recebe, (…) a partir do momento que o município assume turmas que hoje estão como responsabilidade do estado ele passa a receber um recurso por cada aluno”, comenta Lucilene.
Uma escola não é composta apenas pela estrutura física que a abriga, para Binsfeld a valorização e a qualificação dos profissionais, as condições para que as turmas não sejam superlotadas, assim como materiais didáticos e tecnológicos precisam ser considerados neste processo. Uma justificativa utilizada pelo município para a municipalização seria a baixa quantidade de alunos na escola. A proposta seria transferir alunos da Escola de Educação Básica Presidente Juscelino Kubitschek, que é municipal, para a EEB São Sebastião. Porém, ainda segundo Lucilene, para realizar essa transferência não é necessária a municipalização, já que estado e município podem e já atuam, inclusive no São Sebastião, como já mencionado acima, em colaboração.
Abraço à escola acontece na sexta-feira, 19/11
A comissão segue dialogando, propondo e realizando ações, além de buscar informações no âmbito jurídico sobre o processo e diálogo com o Ministério Público Federal. Além disso, segue organizando e mobilizando a comunidade em favor da manutenção da escola como está atualmente. No dia 19 de novembro, na próxima sexta-feira, às 7h30 da manhã, acontecerá um abraço solidário à escola.
“A gente entende que esse processo é prejudicial para os nossos filhos. É um dever e um direito nosso lutar pela educação que a gente quer”, comenta Lucilene Binsfeld.
A professora Maria Helena, ao comentar que a notícia sobre a municipalização tirou o chão de toda a comunidade escolar, destaca que, apesar disso, buscam criar perspectivas de que é possível reverter a situação e que as crianças têm direito à educação. “Eram pais vindo para a escola chorando, todo mundo ficou impactado com a notícia, isso acabou desmotivando muitos professores, mas, por outro lado, a gente foi em busca da luta por esse espaço que temos como uma família, nos unimos por esse motivo e para criar outras perspectivas”, finaliza.