Por Ana Beatriz Rosa.
Aos 12 anos ela teve contato com o seu primeiro computador. Aos 16 ela decidiu que ia aprender a programar. Hoje, aos 22 anos, Soraya Roberta dos Santos defende que a linguagem dos algoritmos é uma forma de liberdade, principalmente para as mulheres.
“Aprender a programar é evitar que você seja programado. Aprender a programar é uma forma de se comunicar. É poder criar algoritmos que são independentes desses que já são impostos para a gente. Aprender a programar é a base da comunicação”, argumenta em entrevista ao HuffPost Brasil.
A jovem é estudante de Sistemas da Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Mas engana-se quem pensa que Soraya é o estereótipo da estudante de matérias de exatas. Pelo contrário, foi por meio da poesia que ela se apaixonou por códigos. E agora ela está ensinando os conceitos de algoritmos e das linguagens de programação em escolas públicas de Caicó, uma cidade do interior do estado do nordeste com pouco mais de 60 mil habitantes.
Mas como poesia e programação podem se relacionar?
Em entrevista ao HuffPost Brasil, Soraya Roberta dos Santos fala como conseguiu unir sua paixão por escrever com a sua curiosidade de desbravar o mundo das tecnologias.
HuffPost Brasil: Você sempre gostou de tecnologia? Quando despertou o seu interesse por programação e códigos?
Soraya Roberta: Eu tive uma infância afastada da tecnologia por conta da falta de recursos da minha família e porque não chegavam essas coisas na minha cidade, Caicó (RN). A primeira vez que eu vi um computador foi as 12 anos. Aos 16 anos eu descobri que tinha uma escola técnica aqui no estado que ensinava informática e decidi que ia aprender a programar.
Eu sempre gostei de entender o que era o computador, apesar de não ter muito acesso, então eu pensei que o [curso] técnico em informática poderia ser uma saída pra mim. Eu queria entender como era que funcionava, mas não tinha ideia do que era esse mundo. Achava que no curso a gente ia aprender a criar um blog, um site, uma coisa simples. Não imaginava que seria esse mundo de possibilidades.
Você criou um movimento chamado Poesia Compilada. Como aconteceu esse projeto? Quando você percebeu que poderia unir poesia e programação?
Quando eu entrei no Instituto Federal para cursar o técnico, eu comecei a aprender uma nova linguagem, que é o algoritmo. Essa é a base de todas as linguagens de programação.
Durante uma aula de lógica de programação, meu professor de algoritmo pediu que a gente trouxesse um algoritmo que fosse metalinguístico, que fosse autoexplicativo. No mesmo dia, o meu professor de literatura pediu para a gente fazer uma poesia que fosse criativa.
Eu saí das aulas e fui para o laboratório de informática. Ao invés de de abrir o editor de texto, eu abri a página do software que a gente desenvolve os algoritmos e eu escrevi o primeiro poema. Era um algoritmo que falava justamente sobre a atuação de um programador quando está desenvolvendo um sistema. Eu levei o poema pras duas aulas e os professores amaram. Isso foi lá em 2012 e a experiência ficou por isso mesmo.
Mais tarde, eu participei de um evento sobre Python [linguagem de programação] em Natal. Lá, eu falei um pouco sobre a minha ideia de construir poemas com a linguagem de programação e, questionada mais sobre o tema, acabei levando mais a sério. Nasceu o Poesia Compilada. Voltei para Caicó e com ajuda de um colega, o Felipe Tavares, escrevemos um manifesto.
Os bytes são o novo sinônimo de Sociedade. A poesia está no silêncio caótico dos bytes. O algoritmo é a nova forma de comunicação entre as pessoas. A Poesia Compilada é apenas a expressão de como as pessoas veem-leem-escrevem o mundo. É uma nova estética que trata os bits não tão somente como compostos de 0 e 1. Algoritmos não são apenas sequências de passos programadas por pessoas, são projetos de vida, pensamentos palpáveis, a imaginação que vibra, interpreta e executa.Manifesto Poesia Compilada
O fato de ser mulher em uma área dominada por homens te atrapalha?
Eu me aproximei do feminismo ainda quando cursava o ensino médio no Instituto Técnico. Hoje eu me considero militante. Faço poesias compiladas falando de machismo porque acho que é uma forma de desconstruir algumas ideias dos meus colegas e dos meus professores. Eu entrei na graduação da UFRN com uma turma de 50 alunos. Desses, 45 eram meninos. Nós eramos em 5 meninas, mas 3 desistiram. Tem aulas que eu assisto que sou eu e mais 30 homens em uma sala.
Outra coisa que me ajuda é escrever sobre o tema. Faço posts para o site Mulheres na Tecnologia falando sobre programação e empoderamento. A gente precisa desconstruir essa ideia de que mulher não sabe programar, não sabe pensar de maneira lógica ou que não serve para profissões ligadas à tecnologia.
Hoje o Poesia Compilada cresceu e se tornou uma ferramenta para facilitar o ensino da programação. Como você apresenta esse mundo dos códigos para quem nunca teve contato com isso?
Quando eu entrei no bacharelado de Sistemas da Informação, eu vi que meus colegas nunca tinham tido contato com nada da área e que eles sentiam muita dificuldade em entender os algoritmos. Foi aí que eu comecei a pensar em como eu poderia ajudá-los. Montei um minicurso para ensinar algoritmos por meio da poesia.
É só relacionar os conceitos. O algoritmo tem uma linha do código, tem o bloco do código, tem estruturas de repetições. O algoritmo é feito com base em uma entrada, o processamento e uma saída. O algoritmo tem um propósito. Eu usava a analogia dos poemas para explicar os algoritmos.
Essa experiência com o minicurso me rendeu uma participação em um congresso de tecnologia e educação em Natal. O artigo em que eu conto a minha experiência foi premiado durante o evento. Foi o pontapé que eu precisava para me aprofundar na pesquisa de metodologias de ensino de programação. Hoje, eu faço uma pesquisa na Universidade para validar e melhorar essa metodologia. Não posso dar muitos detalhes porque ainda não foi publicada (risos).
Pode explicar como tem sido essa experiência com os alunos mais novos?
Escolhi uma escola pública aqui na minha cidade para testar a metodologia. Foi a mesma que eu fiz o meu ensino fundamental. Os alunos não têm nenhum conhecimento de tecnologia, o máximo que eles conhecem são as redes sociais, o que já é um passo à frente. Mas com a mídia de programação eles não têm nenhum contato.
A escola não tem estrutura, os laboratórios são super sucateados. Eu tive que levar para eles a Poesia Compilada por meio de computação desplugada. Tive que ensinar programação para as crianças sem ter acesso aos computadores. Então a gente ensinava os códigos no quadro negro, eles faziam umas dinâmicas que a gente elaborou e agora estamos em processo de produção de artigos para poder testar com outras turmas. Depois, eles foram no laboratório da universidade aplicar o conhecimento que eles adquiriram. A gente utilizou a linguagem Python e todos eles produziram poemas. A turma é de alunos do 6º ano, eles têm entre 10 e 11 anos de idade. Tem sido uma experiência fantástica.
O meu objetivo com isso é poder simplificar e orientá-los sobre os conceitos que usamos. No fundo, todos nós sabemos o que são algoritmos. Todos nós realizamos algoritmos diários. Mas a maioria das vezes o processo ficou mecânico que a gente não consegue nomear o que seriam essas ações. Então, o que a gente faz é dar para as crianças o apoio que elas precisa para descobrir, por meio do que elas já conhecem, que todos aqueles conhecimentos vão levar a produção de um algoritmo.
E qual a importância desse tipo de conhecimento? O que você pretende com o Poesia Compilada?
É preciso entender que a tecnologia não é o fim, ela é o meio. Ela está em qualquer lugar. E você pode construir novas ideias só incentivando a criatividade dessas crianças.
Aprender a programar é evitar que você seja programado. Aprender a programar é uma forma de liberdade, é você criar algoritmos que são independentes desses que já são impostos para a gente. Aprender a programar é a base da comunicação de hoje e no futuro.
Eu quero que o Poesia Compilada consiga chegar em escolas onde a tecnologia ainda não conseguiu chegar. Que essa metodologia seja usada como base para a introdução do ensino de algoritmos para todas as crianças. Imagina ter professores usando? Seria incrível.
Lindo artigo Ana Beatriz Rosa, e que linda história a da Soraya Roberta. Parabéns! vou compartilhar… e enviar-lhes um convite…:
y ????Bom Dia, que bom amigas, que vocês apareceram, esta manhã com tão lindos textos. Ótimos temas. Penso que a solução estará no ensino e no trabalho, e não somente no “choro” arregaçar as mangas e apontar os defeitos e as qualidades: uma boa avaliação. Sentei no PC com um firme propósito de criar esta nova página. Ocupar-nos o quanto podemos da educação e convidando a todos a participar, temos bons jovens, formandos ou não, mais cheios de qualidades e talentos, vamos começar a caminhar, para diminuir todos os obstáculos e dificuldades que está fazendo nosso país, um país tão imenso e rico, no pior país do mundo…. há muito o que fazer…. vamos fazer… e sem interesse, apenas o de agregar, já se tornará um país economicamente sustentável para todas as classes, cores, crenças e demais opções… ao trabalho. fica meu convite. beijos