Os sindicatos surgem no início do século XIX na Inglaterra como forma de organização de luta e representação dos trabalhadores e com duas motivações principais: 1ª: reação ao modo capitalista de produção; 2ª: necessidade de solidariedade, união e associativismo para enfrentar a exploração do Capital, reivindicar salários decentes e melhores condições de trabalho. As motivações que deram origem aos sindicatos, quando surgiram na Inglaterra, continuam muito atual: luta contra um regime opressor e solidariedade com os irmãos da classe trabalhadora.
O surgimento do sindicalismo no Brasil carrega as características de um país cujo capitalismo se desenvolveu de forma tardia e atrasada, no qual predominava o capital agrário, após quase 400 anos de regime de brutal escravidão. A organização de uma estrutura sindical é registrada em 1903, entidade ligada, como seria de se esperar, à agricultura e pecuária. A normatização do trabalho é muito recente no Brasil. Na revolução de 1930, que teve como líder Getúlio Vargas, o Brasil não tinha direitos. O Ministério do Trabalho foi criado em (1930), o trabalho das mulheres foi regulamentado em (1932) e o salário mínimo foi criado em 1938 (e começou a ser pago em 1940). Os sindicatos surgem, assim, atrelados ao Estado, com o objetivo, dentre outros, de mantê-los sob “rédea curta”. Dentre outras exigências, inclusive, os sindicatos só eram reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, o que fornecia do Estado grande poder de controle das entidades. Não havia liberdade e autonomia sindical.
Na estrutura sindical brasileira, acima dos sindicatos, estão as entidades de grau superior, as federações e as confederações. As federações são entidades sindicais de grau superior organizadas no âmbito Estadual. Assim, pela regulamentação brasileira, não existe federação nacional, ela sempre atuará em âmbito estadual. A federação pode ser instituída, desde que reúna pelo menos cinco sindicatos, que representem um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas. Essas federações poderão agrupar sindicatos de determinado município ou região a ele filiados. As federações poderão assinar convenções coletivas, acordos coletivos e instaurar dissídios coletivos, quando as categorias de determinadas locais não estiverem organizadas em sindicato, ou seja, quando não houver representação de primeiro grau.
As confederações são entidades sindicais de grau superior, de âmbito nacional, sendo formadas por ramos de atividades (indústria, comércio, transporte), como, por exemplo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. Em geral as confederações coordenam as atividades de entidades de grau inferior (sindicato) e também as de grau superior ao nível dos estados, ou seja, as federações. Em 1976, a Lei 6.386, veio definir as regras sobre as fontes de receitas e outros aspectos sobre o funcionamento da estrutura sindical em seus três níveis.
Com a Lei 11.648 de 2008, as centrais sindicais são reconhecidas de direito. Algumas delas já tinham o reconhecimento de fato, em função de sua representativa política e sindical. Os trabalhadores sempre tiveram dificuldades de terem reconhecidas suas entidades de classe, especialmente as centrais, que organizam a classe trabalhadora do ponto de vista geral, destacando os aspectos em comum. Até 1985 vigorava uma portaria que impedia a criação das centrais sindicais, com a alegação de que existiria incompatibilidade jurídica no texto constitucional quanto à sua criação.
Atualmente as centrais sindicais são as maiores unidades representativas na estrutura sindical, estando hierarquicamente acima das confederações, federações e sindicatos. Considera-se central sindical a entidade associativa de direito privado, composta por organizações sindicais de trabalhadores, segundo o parágrafo único do artigo 1? da Lei 11.684/08. A central é pessoa jurídica de direito privado, especificamente, de associação civil. Cabe à central a coordenação das grandes lutas das categorias, a representação geral das categorias. As lutas mais específicas, de caráter corporativo, devem ser encaminhadas pela estrutura primária e secundária dos sindicatos. A organização de uma greve geral, por exemplo, é uma atribuição típica e precípua da central sindical.
Esta representação geral dos trabalhadores não poderia ser realizada por uma confederação, visto que essas organizações operam basicamente sobre uma categoria, enquanto as centrais representam e devem organizar o conjunto da classe trabalhadora. É fundamental que, acima dos interesses corporativos defendidos pelas confederações, esteja a defesa do conjunto da classe trabalhadora realizada pelas centrais. Organizando, inclusive, o conjunto das confederações.
Assim, a organização sindical brasileira estrutura-se em quatro níveis:
Sindicato: representante direto e primário dos trabalhadores;
Federação: que pode ser formada com a reunião de cinco ou mais sindicatos de uma mesma categoria profissional, desde que representem a maioria dos trabalhadores do setor;
Confederação: fundada com a junção de três ou mais federações representativas. A confederação, de caráter nacional, deve ter sede em Brasília;
Central Sindical – com caráter de representação geral e intercategorial.
Cada uma dessas instâncias tem funções diferentes, que devem ou deveriam se complementar. Mas atualmente as dificuldades conjunturais têm colocado em xeque a estrutura sindical brasileira e a própria sobrevivência das entidades sindicais. De 2012 a 2019 os sindicatos perderam 3,8 milhões de filiados no Brasil, segundo dados da PNAD Contínua/IBGE, divulgados no dia 26 de agosto. Em 2019, das 94,6 milhões de pessoas ocupadas no país, 11,2% ou 10,6 milhões de profissionais estavam associados a sindicatos. Em 2012, 16,1% da população ocupada era sindicalizada ou 14,4 milhões de profissionais.
Na condição de primeira e mais importante linha de defesa do trabalhador, os sindicatos se movem, historicamente, sob violento fogo cerrado. Além dos ataques patronais, há inúmeras outras dificuldades no trabalho de sindicalização e de arregimentação de pessoas para o trabalho coletivo. No mundo todo há uma mobilização dos trabalhadores que pode ser considerada de baixa intensidade, que impacta bastante o trabalho de sindicalização e ação geral do sindicato. Essa é uma situação que começa a mudar, conforme podemos observar pela movimentação na América do Sul (Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Brasil, etc.). Mas, por enquanto os sindicatos estão sendo obrigados a “remar contra a correnteza”.
A sistemática desqualificação dos sindicatos feita através da mídia comercial, empresas, instituições em geral torna muito difícil os trabalhadores enxergarem a importância que exerce o sindicato nas suas vidas. É complicado o trabalhador comum entender que a existência do salário mínimo é uma conquista fundamental, numa sociedade na qual quase 60% da população vive com renda domiciliar per capita igual ou inferior ao valor do salário mínimo, e 43,1 milhões de pessoas, 20,6% da população, vivem em uma situação de insegurança alimentar. A conquista do salário mínimo, que se estende, direta ou indiretamente, a 70% da população, é fruto de décadas de lutas organizadas dos trabalhadores. Ou seja, da luta sindical.
A cultura de valorização do individual, tão cultivada na sociedade, leva os trabalhadores em geral a achar que conseguem resolver seus problemas solitariamente, sem a ajuda do sindicato ou de outras formas de organização coletiva. Uma parcela dos trabalhadores imagina que se trabalhar muito mais do que a média conseguirá ser reconhecida pela empresa e subir profissionalmente, sem precisar da ação coletiva do sindicato. E isso é verdade. O problema é que a fórmula funciona para um trabalhador em cada mil. Analisado o problema de perto, veremos que todos os direitos existentes são frutos das lutas coletivas dos trabalhadores.
Outro problema importantíssimo no trabalho sindical é a elevadíssima rotatividade do trabalho no país. Existem categorias nas quais a taxa de rotatividade é mais do que 100%, ou seja, são admitidos e contratados um número de trabalhadores superior ao número total de trabalhadores no setor. Além disso, aumentam as dificuldades de os dirigentes estarem na sua base sindical e conversarem com os trabalhadores. Há poucos dirigentes liberados, especialmente no setor privado. O trabalhador “comum”, em geral, não quer ser sindicalista, dado o nível de adversidades que a função enfrenta, incluindo a possibilidade de ficar “amaldiçoado” no setor e não conseguir mais se reempregar.
É certo também que a vida duríssima do trabalhador (desemprego, baixos salários, péssimas condições de trabalho, etc.), dificulta que ele pare para refletir sobre questões de importância vital. A situação é tão desfavorável que o trabalhador nem quer parar para ouvir os argumentos dos sindicalistas, independentemente do assunto. Dessa forma, textos e materiais em geral produzidos pelo sindicato não são lidos pela maioria dos trabalhadores. Ou por falta de tempo, medo, desinteresse, falta de curiosidade, etc. Também o assédio moral e a superexploração dificultam muito o trabalho do sindicato.
O trabalhador, pressionado pelo conjunto de dificuldades (e, neste momento, em franco processo de perda de renda), muitas vezes espera do sindicato vantagens de caráter assistencialista, as quais a entidade não consegue oferecer, por crescentes limitações financeiras. É certo que o assistencialismo não deve ser praticado pelo sindicato como um fim em si mesmo. A assistência não é função da entidade sindical, que nem dispõe de recursos para praticá-la. Porém, dada a extrema gravidade da crise econômica atual, de desemprego recorde e franco empobrecimento da classe trabalhadora, se o sindicato dispuser de condições, penso que ele deve amparar o trabalhador em suas dificuldades. Não existe ação sindical em meio à fome. Não me refiro à assistência social tradicional, acrítica e como um fim em si mesmo. É uma ajuda que o sindicato pode prestar ao trabalhador desempregado de sua base, se isso não ameaçar a sua própria sobrevivência. Mas sempre vinculando a referida ajuda a um processo de formação básica sobre sindicalismo, deixando claro para o trabalhador que sua situação não é uma fatalidade, e sim resultado direto da exploração que ele sofre.
Uma grave dificuldade da ação sindical é que, historicamente, há uma sonegação à população em geral e à juventude, da história dos direitos e dos sindicatos. Isso ocorre na escola tradicional, nas instituições, nas empresas, nos meios de comunicação, etc. A história em geral é desconhecida, mas principalmente a história dos trabalhadores. Em consequência, uma parcela significativa da população, especialmente a juventude, supõe que os direitos existentes “caíram do céu”, ao invés de serem frutos de décadas de muita luta. Essa visão a-histórica dos direitos, por ironia, está sendo violentamente negada pela história recente, a partir do golpe de 2016, quando os direitos estão sendo destruídos em escala e velocidade industriais.
Dirigentes sindicais, normalmente, não são preparados (“treinados”) para o trabalho de sindicalização. Além disso, falta muitas vezes firmeza política e ideológica para o desempenho desse trabalho. A tarefa de sindicalização requer conhecimento do sindicato e de algumas noções de economia e de política, que a maioria dos trabalhadores não dispõe. Um fenômeno que dificulta a sindicalização também é a política antissindical das empresas, com a disseminação de calúnias, associação do sindicato com desemprego, ou com corrupção, etc. Isso dificulta muito porque a empresa exerce grande influência sobre o trabalhador, na medida em que a vida deste e de sua família dependem do emprego.
—
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
—