Por Pedro Mara.
Em 14 de março, quando se completou um ano do assassinato da Marielle, eu fui informado pela mídia que o meu nome estava na lista dos pesquisados por Ronnie Lessa, o assassino da vereadora. Enquanto todo o mundo se perguntava quem mandou matar Marielle, eu me fazia a pergunta “por que meu nome está nessa lista?”
Foi um fato assustador por natureza descobrir que seu nome está em uma lista da organização criminosa mais sofisticada do Rio de Janeiro. Foi pior ainda descobrir que poucas pessoas tiveram sua vida, em maior ou menor grau, vasculhadas por Lessa. A periculosidade da organização não diminuiu com a prisão dos assassinos, tem muitos milicianos ainda soltos.
Na véspera, eu estava trabalhando, me despedi da escola e das pessoas que eu gosto. No outro dia eu volto para o trabalho e, de repente, estou na lista de uma organização criminosa. Tinha de deixar o estado urgentemente. De sexta-feira para o domingo, não pude sair de casa, com medo do que pudesse acontecer e de eventuais ações. Os volumes das notícias também me deixavam vulnerável frente às pessoas que acompanhavam o noticiário: não tinha mais garantias de que não iam me agredir na rua.
Minha militância inteira foi no campo da educação.
E eu não faço ideia da razão de aparecer nessa lista do Lessa, mas o relatório da Polícia Civil é muito claro. Quando faz a referência a mim, fala: “O professor Pedro Mara, diretor do CIEP 210, em Belford Roxo, que teve atrito, na época, com o deputado estadual Flávio Bolsonaro”. Isso é o que está escrito no inquérito. Se foi o Flávio que mandou, se não foi o Flávio que mandou, não sei.
Tenho uma história imensa de luta na educação do Rio de Janeiro. Eu fiz parte do movimento estudantil, sou professor, fui comandante de greve, fui de sindicato. Só que a minha militância inteira foi no campo da educação. E só no campo da educação. Nunca militei em nada que não fosse isso. Nunca mexi com interesses econômicos de milicianos, nunca denunciei excesso das polícias na comunidade. Eu nunca fui líder comunitário.
Estou sofrendo um processo de exoneração por ter faltado aulas enquanto estava cumprindo um protocolo de segurança.
O secretário de educação do estado do Rio, Pedro Fernandes, foi comunicado pelo presidente da Comissão de Educação, Flávio Serafini, da necessidade do meu afastamento, e foi pedido um prazo de afastamento de duas semanas para tomarmos medidas avaliativas. Mas, surpreendentemente, apesar de ter ciência do que estava acontecendo, o secretário optou por aceitar um processo de exoneração e deu início a ele em tempo recorde.
O processo teve início no dia 25, mas recebi a notificação oficial apenas no dia 29 de março. Descobri primeiro pela mídia. Estou sofrendo um processo de exoneração por ter faltado duas semanas de aula na qual estava cumprindo um protocolo de segurança. O que você justifica para exonerar um servidor por faltas é se ele teve a intenção de faltar. Eu não estou afastado para tirar férias e, sim, porque corro risco de vida e informei a secretaria sobre a minha situação. Eu tenho riscos reais: não foi uma ameaça de uma ligação anônima, foi um inquérito da Polícia Civil que constatou que meu nome era procurado por uma organização de milicianos. De uma hora para a outra, apareci no meio do crime mais sofisticado do Brasil nas últimas décadas.
Mas a perseguição da Secretaria de Educação não é de agora.
HOJE, estou formalmente afastado da escola e sem receber salário porque, quando a secretaria entra com um processo de exoneração, seu salário é bloqueado automaticamente. Como exonerar um professor, um diretor, que teve que sair do estado por conta de ameaça de vida? O dinheiro já era curto com o salário de professor. Sem ele, é uma situação desesperadora. Tive de sair do Rio às pressas, alugar um apartamento fora do estado e depois tive de retornar para me defender, quebrando o protocolo de segurança.
E já percebo a hostilidade na rua. No domingo, saí de casa para ir à feira e parei para falar ao telefone com uma amiga, e observei que uma mulher xingava, mas pensei que ela estava reclamando de outras pessoas que estavam passando. Quando me dei conta, estávamos só nós dois na quadra, e a senhora xingando. Ela continuou caminhando e olhando pra mim, me encarando e me insultando. Quando ouvi algumas palavras como “maconheiro, veado”, e outras coisas assim, pensei, é comigo.
Mas a perseguição da Secretaria de Educação não é de agora. Conheci o clã Bolsonaro em 2017, em uma audiência pública sobre o Escola sem Partido, na Câmara Municipal de Niterói, na Semana de Niterói. Na época, eu era professor e já tinha sido eleito diretor de escola. Havia uma divergência moral entre nós, os professores de escola pública, e a família Bolsonaro, porque do lado de lá, eles nunca botaram um filho em escola pública, falam de problemas que são inexistentes, criam um pânico moral, se estruturam em cima de fake news. Enquanto isso, as escolas públicas seguem caindo, com falta de professores, sem estrutura adequada, com turmas e escolas sendo fechadas. De um lado estava quem defende a escola pública e gratuita de qualidade e, do outro, quem está querendo destruir, usando os argumentos mais absurdos possíveis, como é o caso do clã Bolsonaro.
Mas não houve apenas a sindicância sobre a apologia às drogas: também abriram, na Secretaria da Educação, uma sindicância para investigar insubordinação contra a antiga diretora, que havia perdido a eleição para mim, e também investigava o descumprimento de regras em geral, se havia lançamento de notas, se os diários estavam corretos. Após três investigações em uma só, nós também vencemos. Esse foi o primeiro indício de perseguição.
Da segunda semana letiva em diante, praticamente todos os dias, um fiscal da secretaria visitou minha escola.
Além das sindicâncias, após minha chapa vencer a eleição para o cargo de diretor, a secretaria tentou impugná-la, alegando que os outros dois integrantes praticavam nepotismo por terem um grau de parentesco. Mas a Secretária de Educação havia homologado a candidatura, e só encontrou problema depois que vencemos a eleição.
No início deste ano, tentaram fechar cinco turmas na nossa escola, mesmo com uma evasão baixíssima, e ignorando todos os novos estudantes. Denunciei os cortes de vagas e a dificuldade de se fazer a matrícula, e o RJ2 fez uma reportagem sobre o assunto. Quando se começa a incomodar, surgem reprimendas. Da segunda semana letiva em diante, praticamente todos os dias, um fiscal da secretaria visitou minha escola para ver o que estava acontecendo, verificar se as aulas estavam ocorrendo, procurar algum problema de merenda, ver se havia alguma irregularidade.
Além de tudo, eu ainda tenho que respeitar o protocolo de segurança. É assustador quando você descobre que seus momentos de vida, até os mais triviais, estão na mão de uma organização criminosa. Isso é muito violento.
Eu tentei durante esses anos todos me desvencilhar e achar que o episódio com o clã Bolsonaro tinha sido um detalhe da vida. Em 2017, apesar de alguns ataques, não fiquei com tanto medo. Eram ataques pontuais de pessoas na rua, que acreditaram na mentira. Registramos as ameaças na Comissão de Direitos Humanos com o deputado Marcelo Freixo e voltei a trabalhar, porque definiram que não tinha nenhum risco maior à época. Apesar de ser difícil ver a sua biografia e a sua trajetória profissional caluniadas, dilaceradas por uma mentira que foi inventada, naquela época a vida seguiu.
Esse processo me levou a ter medo. O governo, que a gente espera que nos proteja, que nos ampare, que nos dê segurança, de repente, ignora todos os fatos que são de conhecimento do Brasil inteiro, e abre um processo que pode me levar à exoneração. A Sepe-RJ, a OAB, e os responsáveis pelo meu protocolo de segurança chegaram a enviar uma notificação a ONU explicando a situação e pedindo a suspensão dos processos.
Eu gostaria de ver uma atitude do governador do estado para tentar barrar esse processo. Eu gostaria que o secretário de educação demonstrasse que compreende seus servidores, que os protege em vez de os perseguir.