Por Angela Phillips.
A expectativa era de que a internet renovasse a democracia, enfrentasse a hegemonia do monopólio dos provedores de notícias e nos trouxesse para uma comunidade global. Nos últimos seis meses, essa ideia foi sabotada por um novo mito que sugere que a democracia está, na verdade, sendo derrubada por criações da internet: robôs russos e notícias falsas – e que as organizações noticiosas estão perdendo seu poder de manter as pessoas informadas.
Entretanto – pelo menos no Reino Unido – não há evidências que sugiram que histórias inventadas a partir de sites de notícias falsas tenham tido qualquer impacto significativo. A BBC e a grande imprensa ainda são nossas principais fontes de informação na internet e fora dela. Pesquisas feitas durante a campanha pelo referendo da União Europeia, por exemplo, descobriram que, de todos os links de Twitter analisados, 63,9% levaram a histórias de organizações jornalísticas profissionais. Notícias falsas totalizavam cerca de 5% do total e havia “poucos sinais de conteúdo russo”.
A internet melhorou a democracia
Supostamente, a internet iria fazer isso quebrando os monopólios da mídia e permitindo que todo mundo se juntasse à conversa. Entretanto, a internet sempre projeta a voz mais popular de cada nicho, então os maiores provedores de notícias ainda são os mais lidos, e pequenas publicações noticiosas têm dificuldades de se manter. Mais de 200 jornais locais fecharam no Reino Unido desde 2015. Certamente há mais escolha se você procurar, mas a maior preocupação é o número de pessoas pelo mundo que simplesmente se desligaram de tudo e prefeririam assistir gatinhos e comédias em vez das notícias.
Somos todos jornalistas agora
Todos podemos transmitir dos nossos smartphones, mas o que mais fazemos é compartilhar fotos das nossas crianças. O efeito da disrupção digital foi que o cenário da mídia está se tornando mais concentrado e o número de jornalistas pagos vem diminuindo à medida que organizações de mídia tradicionais enfrentam receitas em declínio. Mas eles não foram substituídos por pessoas do público – aqueles testemunhos de smartphones, tuitados por transeuntes, teriam evaporado se não fossem encontrados e compartilhados por um número decrescente de jornalistas pagos.
Por outro lado, a internet criou um exército de “influenciadores” de redes sociais que, se são astutos, se convertem em “marcas” que impulsionam na rede para recomendar – ou vender – de tudo, de maquiagem a carros de luxo, em troca de pagamento em espécie ou dinheiro. Enquanto isso, as poucas vozes genuinamente novas sendo criadas na rede crescem e caem como sempre fizeram, se agarrando às margens e esperando serem notadas na corrida louca da informação.
Os muitos são mais espertos que os poucos
Livros com títulos como “The Wisdom of Crowds” (a sabedoria das multidões) sugeriram que a internet iria levar a uma forma de democracia direta pura porque, se você fizer uma pergunta a um número suficiente de pessoas, a resposta será sempre correta.
Mas esse otimismo ingênuo não levou em conta as inúmeras maneiras em que as pessoas (ou, neste caso, seus dados) poderiam ser manipuladas. Em países sem uma fonte dominante de notícias confiável ou fidedigna, pessoas fazem dinheiro inventando histórias adaptadas para acionar botões de medo e preconceito. Nos Estados Unidos, onde as notícias se tornaram altamente polarizadas e as notícias de veículos convencionais perderam a confiança de porções enormes de eleitores, pesquisadores que estudaram o estado eleitoralmente decisivo de Michigan descobriram que histórias categorizadas como fake news tinham a mesma chance de serem compartilhadas como se fossem notícias de fontes profissionais no período eleitoral de 2016.
Mas as notícias falsas não são exclusividade de fábricas de fake news. No fim de fevereiro, o tabloide britânico The Sun removeu de seu site um artigo totalmente ilusório sobre a economia a ser conseguida com o Brexit depois de ser criticado intensamente pelo economista Jonathan Portes.
Porém, a essa altura, a notícia já tinha sido retuitada pelo importante apoiador conservador do Brexit Jacob Rees-Mogg a seus 121 mil seguidores. Até agora, Rees-Mogg não corrigiu ou pediu desculpas por seu tuíte – mas, como ele segue apenas cinco pessoas, então ele talvez não saiba do seu erro.
A internet produziu uma ‘aldeia global’
A “aldeia global” foi uma criação do pesquisador de mídia americano Marshall McLuhan que – ainda em 1964 – expôs a ideia de que, na era eletrônica, todo mundo iria ter acesso à mesma informação por meio da tecnologia. Aparentemente, isso foi enfim realizado pela internet.
Mas evidências sugerem que a tendência centralizante da mídia global monopolista está crescendo. Um pequeno número de empresas, incluindo Facebook e Google, agora são os guardiães das informações por todo o mundo – e eles são quase todos americanos. E, em economias emergentes e estados autoritários, as esperanças a respeito da democratização de movimentos sociais estão sendo desfeitas por uma maior presença de propaganda governamental na esfera on-line.
A internet promove a união de todos nós
Há muito o que agradecer pelas maneiras como a internet e as redes sociais permitem que nos comuniquemos lateralmente. Só leva alguns segundos para se comunicar com milhares por meio do WhatsApp e minutos para criar uma petição e subi-la no Facebook. O que é menos certo é sua habilidade de unir pessoas através de fronteiras de conexão pessoal e de encorajar o debate genuíno.
Os pesquisadores americanos Michael Beam, Myiah Hutchens e Jay Hmielowski tentaram separar os diferentes efeitos de ler jornais on-line e compartilhar material nas redes sociais. Eles descobriram que ler on-line, assim como ler offline, aumenta o conhecimento – mas, nas redes sociais, as pessoas podem compartilhar sem ler. Isso pode explicar parcialmente por que alguns acadêmicos temem que a polarização política está intimamente ligada ao crescimento no uso das redes sociais.
Ninguém confia na mídia tradicional
Perguntadas se confiam na mídia, a tendência das pessoas em muitos países é dizer não – mas quando perguntados se eles confiam em seu veículo de notícias preferido, os níveis de confiança aumentam dramaticamente. Entretanto, no norte da Europa, um fator se sobressai: as pessoas confiam na mídia tradicional mais do que confiam em fontes de notícias da internet e de redes sociais. Mais importantemente, rádio e TV públicas tendem a inspirar confiança em todo o espectro político, unindo as pessoas em vez de polarizá-las.
A nova geração digital
Aqui está o maior mito de todos – o de que existe uma nova geração digital que desconfia das notícias de veículos convencionais e está ocupada criando um futuro mais democrático, menos “zeloso” e “auto-realizável”. É tranquilizante pensar que pessoas jovens têm as respostas e irão trazer um mundo novo e melhor, que os mais velhos falharam em criar. Mas nenhum de nós nasce digital. Os jovens não são mais instintivamente capazes de navegar on-line do que são de dirigir um carro sem ter aulas de direção. Apenas a exploração não irá ensinar os jovens como separar a desinformação e a propaganda dos fatos.
Como Eiri Elvestad e eu discutimos no livro “Misunderstanding News Audiences – seven myths of the social media age” (Interpretando mal o público de notícias – sete mitos da era das redes sociais, em tradução livre), a tecnologia está mudando nossa democracia, mas não estamos impotentes diante disso, tampouco libertos. Assim como ocorreu com grandes mudanças técnicas anteriores, estamos no processo de adaptar nossas necessidades, e esse processo varia de acordo com quem somos e onde vivemos. A democracia será fortalecida se aprendermos agora como usar a internet de modo sábio. Se a deixarmos para os caprichos do livre mercado, poderemos de fato descobrir que ela nos subjugará.