Estados Unidos: Dá para vencer eleição sem Jesus?

Como evangélicos se tornaram cruciais para Trump

Donald Trump com o pastor cristão evangélico Andrew Brunson orando no Salão Oval em 2018. Brunson passou dois anos em uma prisão turca sob acusação de espionagem e terrorismo. Foto: Getty

Por Gerardo Lissardy, BBC.

Os evangélicos voltarão a ser uma força-chave nas eleições de 2020 nos EUA?

Quatro décadas depois de abalar a política deste país, o grupo religioso é hoje um pilar eleitoral do Partido Republicano e do presidente Donald Trump, que busca novo mandato em novembro.

Na eleição de 2016 nos EUA, um em cada quatro eleitores se identificou como cristão evangélico branco, de acordo com as pesquisas. E a grande maioria deles (81%) votou em Trump.

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O presidente “vai precisar disso e talvez de mais ainda para vencer em novembro, logo eles são muito influentes”, disse em entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) John Fea, professor de História da Universidade Messiah da Pensilvânia e autor do livro “Confie em mim: o Caminho Evangélico até Donald Trump”.

Mas para entender o verdadeiro peso político dos evangélicos nos Estados Unidos e sua improvável aliança com Trump, é necessário voltar um pouco no tempo.

O fim e os meios

Os evangélicos entraram na cena política dos Estados Unidos em 1973, em reação à legalização do aborto no caso Roe contra Wade na Suprema Corte e durante o governo do democrata Jimmy Carter (1977-1981), quando houve um avanço na agenda progressista.

Líderes religiosos conservadores que eram contrários ao aborto e à diversidade sexual, liderados pelo pastor televangelista Jerry Falwell, fundaram a organização Moral Majority em 1979 para mobilizar fiéis em favor de políticos que defendessem suas causas.

Nas eleições de 1980, dois em cada três eleitores evangélicos brancos apoiaram o candidato presidencial republicano Ronald Reagan, que derrotou Carter com seu discurso conservador de oposição ao comunismo.

Assim surgiu a união política entre republicanos e evangélicos, que até hoje mantêm no topo de suas aspirações de anular o resultado de Roe contra Wade e colocar juízes conservadores na Suprema Corte.

Os evangélicos brancos têm sido um eleitorado mais conservador e numeroso do que os evangélicos afro-americanos, que priorizam a “justiça racial” e, portanto, tendem a apoiar esmagadoramente os democratas, explica Fea.

E ele destaca que, ao contrário dos protestantes não-evangélicos ou dos católicos, os evangélicos brancos “são muito mais unidos, eles formam um bloco de eleitores”.

“Em certo sentido, eles querem que suas aspirações políticas sejam realizadas, então o fim justifica os meios”, diz ele. “Mas desde o final dos anos 70 e 80, os evangélicos brancos também têm sido tentados pelo poder político: eles gostam de estar no Salão Oval” da Casa Branca.

Greg Smith, diretor associado do Pew Research Center, aponta que a ligação do setor religioso com o Partido Republicano continua até hoje.

“Há muito tempo vemos que protestantes evangélicos brancos estão entre os eleitores republicanos mais consistentes nos Estados Unidos e entre os apoiadores mais fortes, leais e consistentes de Donald Trump”, disse Smith à BBC News Mundo.

‘Salve os EUA’

O peso eleitoral dos evangélicos brancos nos Estados Unidos hoje é muito maior do que sua presença demográfica, que está em declínio.

Em 2016, eles eram 17% da população total, seis pontos percentuais a menos que uma década antes, de acordo com o Research Institute of Public Religion, em Washington.

Estima-se que nos últimos quatro anos a proporção de evangélicos brancos nos Estados Unidos caiu mais dois pontos percentuais, para 15% da população.

No entanto, nas últimas eleições eles representaram 26% do total de eleitores.

Sarah Posner, autora do recente livro Profano: Por que Evangélicos Brancos Rezam no Altar de Donald Trump, aponta que o movimento não só depende de líderes da igreja, como também de sua própria TV e meios de comunicação sociais.

“A direita religiosa tem uma operação muito sólida e bem organizada para incentivar o voto, por isso é muito importante para o Partido Republicano vencer as eleições”, disse Posner à BBC News Mundo.

A união de evangélicos e de Trump costuma ser vista como algo estranho dentro da política americana: religiosos que pregam sobre moral aliados a um homem acusado de infidelidade conjugal, casado três vezes, que se expressou de forma obscena sobre as mulheres e agressiva sobre os imigrantes.

Mas Trump recebeu um apoio ainda maior de evangélicos brancos em 2016 do que seus antecessores republicanos.

E enquanto a aprovação dos evangélicos brancos a Trump caiu alguns pontos percentuais em meio à crise do coronavírus e protestos por injustiça racial, cerca de oito em cada 10 eleitores neste grupo ainda estão inclinados a votar nele, de acordo com as pesquisas.

O baixo nível de apoio dos brancos evangélicos ao candidato democrata Joe Biden contrasta com o amplo apoio que ele recebe entre os protestantes negros (cerca de 90% em uma pesquisa Pew recente) e o fato de ele ser o favorito nas pesquisas eleitorais em geral.

O apoio dos evangélicos brancos a Trump é atribuído à ansiedade que eles sentem sobre as mudanças raciais e culturais que os Estados Unidos tiveram nas últimas décadas.

“Trump representa o homem forte que eles acham que precisam para salvar os Estados Unidos do liberalismo”, diz Posner. “Eles o veem não necessariamente como um cristão como eles, mas como um líder improvável que Deus ungiu para salvar a América.”

Teste de força

Trump tem um vice-presidente evangélico — Mike Pence — e vários integrantes de seu gabinete pertencem a esse movimento religioso ou cultivam laços com ele.

Nesta campanha, Trump buscou garantir que os evangélicos votassem nele novamente. Por exemplo, ele repetiu que já nomeou dois ministros para a Suprema Corte e no mês passado nomeou outro que, se confirmado pelo Senado, pode dar aos conservadores uma maioria firme na mais alta corte.

Trump também acusou Biden de ser “contra Deus” e “contra a Bíblia”, embora o ex-vice-presidente seja católico praticante e tenha recebido apoio recente de alguns líderes evangélicos brancos.

Além disso, Trump causou polêmicas que lhe renderam críticas de figuras religiosas, por exemplo, ao posar para as câmeras com a Bíblia nas mãos em frente a uma igreja, para a qual um protesto pacífico foi dispersado à força na área.

Sua campanha aposta também em atrair eleitores evangélicos negros e latinos, que possuem posturas conservadoras em questões como o aborto, mas mais abertos à imigração e às políticas sociais. Essa parte do eleitorado poderia estar inclinada a votar em Biden.

A eleição será um novo teste de força para os evangélicos americanos e sua aliança peculiar com o presidente.

“A participação eleitoral dos evangélicos brancos será muito importante para Trump: ele precisa que eles saiam em grande número para votar. Caso contrário será muito mais difícil para ele vencer”, acredita Posner.

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