Estados brasileiros diminuíram capacidade de esclarecer homicídios, revela estudo do Instituto Sou da Paz

Apenas três estados são capazes de informar dados sobre a raça/cor das vítimas no conjunto de homicídios esclarecidos

Das 40 mil pessoas mortas em homicídios todos os anos no Brasil, 76% desses crimes foram praticados com armas de fogo. No entanto, o país ainda enfrenta o enorme desafio de conseguir esclarecer a maioria desses assassinatos e sem saber com precisão qual o percentual deles foram solucionados em cada estado.

Na quinta edição da pesquisa “Onde Mora a Impunidade? Porque o Brasil precisa de um Indicador Nacional de Esclarecimento de Homicídios”, o Instituto Sou da Paz revela que apenas 37% dos homicídios praticados em 2019 geraram denúncias à Justiça até o final de 2020 e que Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça de oito estados ainda não conseguem produzir dados necessários para o cálculo do indicador: Alagoas, Amazonas, Goiás, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins. Esta edição obteve dados completos para a aferição do indicador para 19 estados, três a mais do que a última edição, apontando uma melhoria incremental na qualidade desses dados.

Desde 2017, o Sou da Paz tem requisitado aos Ministérios Públicos e aos Tribunais de Justiça das 27 unidades federativas do país informações sobre homicídios dolosos (com a intenção de matar) que geraram ações penais. Nesta edição, o Instituto solicitou via Lei de Acesso à Informação dados de homicídios que aconteceram em 2019 e esclarecidos até 2020.

Entre os estados que enviaram informações, Rondônia foi o estado que mais esclareceu homicídios ocorridos em 2019, com percentual de 90% de esclarecimento, seguido pelo Mato Grosso do Sul, com 86%, e Santa Catarina, com 78%. Na quarta edição, Mato Grosso do Sul já havia se destacado, com um percentual de 89%.

Já o estado com a menor taxa de esclarecimento de homicídios foi o Rio de Janeiro, com 16% de taxa de elucidação de homicídios, porém que avançou dois pontos percentuais em relação à última edição da pesquisa. O estado com a segunda pior taxa é o Amapá, com 19%, seguido de Bahia, Pará e Piauí, cada um tendo esclarecido 24% dos homicídios ocorridos em seus territórios em 2019.

Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, o baixo percentual nacional de esclarecimento de homicídios e a enorme variação entre os estados mostra que o Estado brasileiro ainda tem muito a avançar para aumentar a resposta a esses crimes, garantido aos familiares e à sociedade o direito à verdade e a justiça em relação a essas vítimas.

“A  análise sobre o percentual dos homicídios esclarecidos ajuda a mostrar que o país precisa priorizar e reforçar sua capacidade de investigar e processar esses crimes, que são os mais graves e que atentam contra a vida das pessoas”, afirma Carolina. “Sabemos que nosso sistema de segurança pública e de justiça criminal ainda foca muitos esforços nos crimes patrimoniais e em outros sem violência,  impulsionando prisões provisórias que  lotam o já saturado sistema prisional. É preciso dirigir os esforços e os investimentos, sobretudo, para a investigação e esclarecimento dos crimes contra a vida, onde, de fato, mora a impunidade”, diz.

Para Beatriz Graeff, pesquisadora do Instituto Sou da Paz que coordenou o relatório, uma conquista desta nova edição decorre do fato de que nenhuma unidade da federação deixou de enviar uma resposta ao Instituto. “Dezenove estados enviaram respostas com a qualidade necessária para compor o Índice Nacional de Esclarecimento de Homicídios, um avanço importante em relação à primeira edição, de 2017, quando apenas seis estados foram capazes de produzir os dados necessários”, comenta Graeff.

O motivo de alguns estados não entrarem no cálculo foi o envio de dados incompletos – porque não havia data do homicídio ou porque havia um percentual acima de 20% de dados incompletos – que impossibilitaram o cálculo do indicador.

Apagão de informações sobre raça/cor

Chama a atenção que apenas três estados são capazes de informar dados sobre a raça/cor das vítimas no conjunto de homicídios esclarecidos, e ainda assim, com um nível muito baixo de preenchimento do dado. Pela primeira vez foram solicitadas aos estados informações complementares a respeito do sexo, idade e raça/cor das vítimas. Dos 19 estados que enviaram dados completos para o cálculo do indicador de esclarecimento, apenas nove enviaram algum dado sobre o perfil das vítimas.

Observa-se que a proporção de vítimas do sexo masculino é sempre superior à de vítimas do sexo feminino. Contudo, a proporção de vítimas do sexo feminino é significativamente maior no universo de homicídios esclarecidos, quando comparado à proporção na totalidade dos homicídios registrados em cada um dos estados.

Para Carolina Ricardo, é preocupante o apagão de dados a respeito da raça/cor das vítimas. “O desenho de políticas não pode deixar de levar em consideração que há uma parcela da população afetada pela violência letal de forma desproporcional em razão do racismo, da discriminação e da desigualdade de renda”, diz. “A ausência desses dados evidencia que as instituições do sistema de Justiça responsáveis pelo processamento de um homicídio desconsideram a relevância dessas informações para o aprimoramento da sua atuação”, comenta.

Sobre o Índice Nacional de Esclarecimento de Homicídios

O Instituto Sou da Paz atua frente a atores institucionais diversos para a criação de um Indicador Nacional de Esclarecimento de Homicídios oficial e realiza desde 2017 a coleta de dados junto aos 26 estados brasileiros e ao Distrito Federal para apoiar o cálculo e a publicação de um indicador nacional de esclarecimento de homicídios. Esses esforços têm se concentrado no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e também no Congresso Nacional, onde há dois projetos de lei (PLs) que tramitam tanto no Senado Federal, quanto na Câmara dos Deputados, com o objetivo de promover a publicação regular de índices de elucidação de crimes, entre eles, o homicídio e o feminicídio.

Edição: Jaine Fidler Rodrigues

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