Estado laico?

estado_laicoPor Thiago Burckhart, para Desacato.info.

A Constituição Federal de 1988 se firmou como um grandioso instrumento na construção do Estado Laico no Brasil, já que historicamente as relações entre Estado e religião foram promiscuamente edificadas. O artigo 19, inciso I da CF/88 estabelece expressamente que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Apesar desse artigo estabelecer as bases do Estado Laico, não é preciso grande esforço intelectual para entender o quanto esse dispositivo é infringido. A nível nacional, o Congresso conta com uma bancada evangélica comprometida com a pregação de suas próprias causas, ideologia e moral. Essa bancada representa um grave risco de retrocesso nas questões sociais, firmando-se como uma força política reacionária e conservadora, e impedindo que pautas progressistas avancem no parlamento.

Esse “movimento político” atesta o fisiologismo do sistema político brasileiro, onde as relações de poder servem para impor uma – única, divina e fundamentalista – moral a toda uma população que é étnica, epistemológica e religiosamente diversa, plural e miscigenada.

O momento bíblico

Na Câmara de Vereadores de Blumenau a violação ao dispositivo acontece diariamente, e inclusive foi alvo de crítica do Professor Viegas Fernandes da Costa em matéria publicada no final do ano passado, intitulada “Momento bíblico”. O dito “momento bíblico” é previsto no artigo 87 do Regimento Interno da Câmara de Blumenau, que determina que “em toda reunião pública da Câmara Municipal haverá no início da reunião, após a abertura, o momento bíblico, com leitura breve do trecho da bíblia”.

Ora, se vivemos em um Estado que é laico, se nenhum ente federado pode manter relações com qualquer tipo de religião, se as alianças entre Estado e religião são terminantemente proibidas, é certo que o dito momento bíblico é inconstitucional. Além de ser inconstitucional, é um ato de desrespeito com outras religiões, credos e não credos. Apesar da maioria da população brasileira, catarinense e blumenauense ser cristã, não há como negar que existem grupos religiosos minoritários em nosso país, que também devem ser respeitados.

Contudo, essas práticas ainda ocorrem no âmbito do Poder Público pois os dirigentes políticos ainda não entenderam o que significa viver em um Estado Laico, ou mesmo qual a essência de um Estado verdadeiramente laico.

 O que é o Estado Laico?

O Estado Laico é aquele onde há uma clara separação entre o Estado de Direito e as instituições religiosas. Essa separação se concretiza no sentido de que a esfera pública estatal não pode promover nenhum tipo de religião ou religiosidade. A religiosidade, portanto, é compreendida como uma faceta da vida privada, que também não se confunde com a vida pública. Entretanto, ao não promover nenhum tipo de religião, isso não significa que esteja a se falar e um Estado Ateu, pois nesse caso, o Estado estaria negando expressamente a existência de deuses.

Como também observa o jurista Túlio Vianna, em palestra sobre o tema na FURB, a laicidade objetiva isentar o Estado de exprimir ou determinar um código moral estabelecido por determinada religião, pois se o fizesse estaria a negar todas as demais. Note-se que o Estado Laico não proíbe ou nega a liberdade de religião e de culto – que é outro princípio republicano positivado em nossa Constituição – mas, pelo contrário, a promove, de modo a permitir a expressão das diversas manifestações religiosas na esfera privada. Além disso, a laicidade deve proporcionar o encontro entre os diferentes credos e crenças, promovendo o respeito ao “diferente”.

O que ocorre é que a grande maioria dos representantes políticos ainda não compreenderam o princípio da laicidade, e, por isso, passam a entender que a leitura e textos bíblicos e a fixação de crucifixos em espaços público-estatais é normal, sendo uma simples expressão da religiosidade dominante. Afirmam ainda que esses objetos (crucifixos) e a leitura de textos de uma única religião representam todas as outras religiões, sem entender o quão ofensivo esses exemplos podem ser.

Viegas sugere uma interessante substituição: em vez do momento bíblico, por que não fazer o momento constitucional? No início de seus trabalhos, os vereadores leriam um antigo da Constituição Federal, até mesmo como forma de lembrar-se dos valores democráticos e republicanos. Penso que essa é uma ótima ideia, mas também penso que o problema é mais profundo e submerso: a “moralina” é o que causa todo esse moralismo, como já afirmava Nietzsche. E para superá-la, há a necessidade de se construir uma moral para além do bem e do mal.

Thiago Burckhart é estudante de Direito.

Imagem: http://reflexoesdafe.blogspot.com/2012/11/estado-laico-versus-estado-anti.html

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